Desembargador Sideni Soncini Pimentel teria tentado intervir em ação por danos ambientais
Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.
A confiança pública no sistema de Justiça de Mato Grosso do Sul sofre novo abalo com a revelação de indícios de tráfico de influência envolvendo o nome de um desembargador e o favorecimento direto a um familiar. Um relatório da Polícia Federal, tornado público por meio de apuração do g1 e da TV Globo, indica que o desembargador Sideni Soncini Pimentel, um dos sete magistrados investigados na operação “Ultima Ratio”, tentou interferir diretamente em um processo judicial que envolve a empresa de seu filho, Rodrigo Gonçalves Pimentel.
CLIQUE PARA SEGUIR A SEMANA ON NO INSTAGRAM, NO FACEBOOK E NO WHATSAPP
A ação em questão — uma ação civil pública por danos ambientais, ajuizada pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) — denuncia a realização de intervenções ilegais às margens do rio Formoso, em Bonito, uma das principais áreas de preservação ambiental do país. Entre as irregularidades apontadas no processo que tramitou em agosto de 2024, constam a construção de decks, passarelas e outras estruturas em Área de Preservação Permanente (APP), sem autorização ambiental, além de roçadas periódicas em vegetação protegida. A empresa de Rodrigo foi condenada ao pagamento de R$ 10 mil de multa, conforme relatório do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS).
Mas a denúncia que coloca Sideni no centro de um possível esquema de corrupção vai além da questão ambiental. Segundo a PF, o desembargador enviou mensagens e áudios a um juiz de Bonito, tentando induzi-lo a considerar documentos que poderiam beneficiar a defesa do filho. No conteúdo interceptado, Sideni afirma:
“O [nome do juiz], deixa eu te falar… O pessoal envolvido nesse caso que eu falei contigo me deixaram aqui um material, eh… Como outrora foi resolvido o problema dos decks aí em Bonito. Como você está chegando agora e parece que dentro desses autos não está esse material aqui que eu vou te mandar a seguir aqui, tá bom? Apenas para você se inteirar da questão aí que você vai ter que resolver. Um abraço pro cê, tchau, tchau.”
O juiz responde de forma evasiva: “Vou verificar certinho”. O material enviado incluía, segundo o relatório, registro de arquivamento de processo semelhante pelo MPMS, o que, para a PF, evidencia a tentativa de usar o cargo para benefício pessoal, configurando abuso de autoridade e potencial violação do dever funcional.
Corrupção institucionalizada
A gravidade do caso aumenta quando se observa o contexto em que se insere: a operação “Ultima Ratio”, deflagrada em outubro de 2024 por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e transferida ao Supremo Tribunal Federal (STF) dois dias depois, sob relatoria do ministro Cristiano Zanin. A investigação é resultado de três anos de trabalho da Polícia Federal, que aponta a existência de um esquema de venda de sentenças e corrupção sistêmica no TJMS.
Estão sendo investigados sete magistrados, entre ativos e aposentados:
Sideni Soncini Pimentel
Sérgio Fernandes Martins (então presidente do TJMS à época)
Vladimir Abreu da Silva
Alexandre Aguiar Bastos
Marcos José de Brito Rodrigues
Júlio Roberto Siqueira Cardoso (aposentado)
Divoncir Schreiner Maran (aposentado)
Durante a operação, mais de R$ 3 milhões em espécie foram apreendidos, sendo R$ 2,7 milhões encontrados na casa de um dos desembargadores. Além disso, foram localizadas diversas armas de fogo. Os crimes investigados incluem:
– corrupção ativa e passiva
– lavagem de dinheiro
– extorsão
– falsificação de documentos
A operação foi batizada de “Ultima Ratio”, referência ao princípio jurídico que define o uso do Direito Penal como o último recurso do Estado para conter a criminalidade. A escolha do nome revela ironia amarga diante da gravidade dos fatos: quando o próprio sistema de Justiça precisa ser contido, a democracia se vê desprotegida em sua base institucional.
Justiça ameaçada no berço da legalidade
O caso expõe com clareza o risco que a captura das instituições públicas por interesses privados representa para o Estado de Direito. Como observou o jurista italiano Luigi Ferrajoli, “quando o poder judiciário deixa de ser imparcial, rompe-se o equilíbrio entre os poderes e instala-se um regime de arbitrariedade”.
A interferência indevida de magistrados em decisões judiciais representa não apenas quebra da legalidade, mas a corrosão simbólica do que Max Weber chamou de “autoridade racional-legal”, pilar da organização moderna do Estado. No caso do Brasil, país historicamente marcado pelo patrimonialismo e pela confusão entre esferas pública e privada, a denúncia reforça a permanência de práticas arcaicas sob verniz institucional.
Como destacou a cientista política Maria Tereza Sadek, em entrevista à Folha de S.Paulo: “A opacidade dos tribunais, aliada à ausência de mecanismos eficientes de controle externo, cria um terreno fértil para o abuso de poder.”
Além disso, a ligação direta entre poder judicial e interesses familiares é emblemática de um modelo de elite endogâmica, onde laços de sangue e influência política se sobrepõem ao mérito e à legalidade. É a antítese do republicanismo, cujo princípio essencial é a impessoalidade da coisa pública.
Como dizia Ruy Barbosa, o mais simbólico dos juristas republicanos brasileiros: “A pior ditadura é a ditadura do Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer.”
PF aponta uso de dinheiro vivo e luxo por desembargador em MS
Post Views: 310
Discover more from FATONEWS :
Subscribe to get the latest posts sent to your email.