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A democracia brasileira enfrenta um desafio que se desdobra não apenas dentro de suas fronteiras, mas no cenário global, onde a extrema direita constrói um aparato digital sem precedentes. A decisão do ministro Alexandre de Moraes de exigir que a plataforma Rumble tenha representação legal no Brasil desencadeou uma reação orquestrada entre bolsonaristas e aliados de Donald Trump. O desdobramento desse impasse revela um embate de dimensões geopolíticas, no qual as big techs, sob o pretexto de proteger a liberdade de expressão, operam como vetores de desinformação e como pilares de sustentação de forças políticas autoritárias.
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Mais do que um episódio isolado, o conflito entre o Judiciário brasileiro e as grandes plataformas de mídia social reflete um dilema que se repete em diversas democracias ao redor do mundo. Das intervenções de Elon Musk na Alemanha à aliança explícita entre Trump e gigantes do Vale do Silício, a digitalização da política tornou-se um campo de batalha onde a manipulação algorítmica, a disseminação de notícias falsas e a resistência à regulamentação enfraquecem os alicerces do Estado de Direito. No centro dessa disputa, Moraes se tornou um símbolo do enfrentamento ao autoritarismo digital e à tentativa de corrosão das instituições democráticas pelo poder das redes sociais.
A Armadilha da Rumble
Desde o final de 2023, a Rumble se consolidou como um refúgio para grupos de extrema direita, especialmente aqueles banidos de outras redes sociais devido à disseminação de desinformação. Quando a plataforma anunciou que encerraria suas operações no Brasil em protesto contra uma decisão judicial de Alexandre de Moraes — que ordenava a remoção de conteúdos que propagavam fake news — a medida foi interpretada como uma manobra estratégica para retornar sob condições mais favoráveis.
A oportunidade surgiu em fevereiro de 2025, quando Trump reassumiu a presidência dos Estados Unidos. Com a nova administração em Washington, a Rumble reativou suas operações no Brasil sem seguir as determinações legais, recuperando perfis de bolsonaristas como Allan dos Santos, exilado nos EUA e investigado pelo STF. A recusa da empresa em nomear um representante legal no Brasil, exigência básica para qualquer plataforma digital que opere no país, resultou na decisão de Moraes de conceder um prazo de 48 horas para o cumprimento da determinação.
A resposta da extrema direita foi imediata. Em um movimento previamente ensaiado, a Rumble e a empresa de mídia de Trump entraram com uma ação na Justiça americana contra Moraes, alegando que suas decisões violavam a soberania dos Estados Unidos e a liberdade de expressão. Os advogados de Trump recorreram a um decreto presidencial recém-assinado pelo republicano, no qual o ex-presidente impõe sanções contra tribunais estrangeiros que tentem impor decisões a empresas americanas.
A estratégia é clara: se a Rumble for suspensa no Brasil por descumprimento da lei, Trump poderá alegar perseguição a uma empresa norte-americana e retaliar diplomaticamente o governo brasileiro. Trata-se de uma operação clássica de guerra híbrida, na qual a desinformação, a judicialização da política e a manipulação do discurso público são utilizadas para enfraquecer instituições democráticas.
Big Techs e a Ascensão da Extrema Direita
O caso Rumble não é isolado. Nos últimos anos, plataformas digitais têm sido usadas como instrumentos de manipulação política, deslegitimação de processos eleitorais e radicalização ideológica. Se, em 2016, a interferência russa nas eleições americanas escancarou a vulnerabilidade das redes sociais à influência externa, a experiência brasileira de 2018 e 2022 demonstrou como algoritmos podem ser explorados para fomentar instabilidade institucional.
Um estudo do Massachusetts Institute of Technology (MIT) revelou que notícias falsas se espalham 70% mais rápido do que informações verificadas e podem alcançar até 100 mil pessoas antes de serem desmentidas. No Brasil, essa dinâmica foi amplamente explorada por redes bolsonaristas, que se aproveitaram da estrutura das plataformas para criar um ecossistema fechado de desinformação. Segundo um levantamento da Agência Lupa, durante o segundo turno de 2018, apenas quatro das cinquenta imagens mais compartilhadas em grupos públicos de WhatsApp eram verdadeiras.
O modelo de negócios das big techs incentiva essa lógica. O engajamento digital não é movido pela veracidade, mas pela capacidade de gerar reações emocionais extremas. O ódio, o medo e a indignação se tornam combustível para viralização de conteúdos, favorecendo narrativas que reforçam teorias da conspiração, discursos antidemocráticos e ataques a instituições.
Elon Musk, que transformou o X (antigo Twitter) em uma plataforma mais permissiva a conteúdos extremistas, tem demonstrado alinhamento explícito com esse modelo. Além de desafiar publicamente o STF e sugerir que brasileiros burlassem decisões judiciais, Musk também se aproximou da extrema direita europeia, apoiando publicamente o partido Alternativa para a Alemanha (AfD). Durante a posse de Trump, em janeiro de 2025, Musk protagonizou uma das cenas mais simbólicas desse embate: seus gestos, interpretados como referência a uma saudação nazista, causaram indignação global.
Fake News e Insurreição
No Brasil, a interferência digital na política já demonstrou seu potencial destrutivo. A invasão dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 foi orquestrada por meio das redes sociais, onde discursos golpistas foram amplificados sem qualquer restrição. O relatório final da CPMI do 8 de Janeiro detalha como milícias digitais operaram como uma espécie de “batalhão virtual”, preparando o terreno para a radicalização política e incentivando atos violentos contra o regime democrático.
As investigações conduzidas pelo STF resultaram no bloqueio de centenas de contas ligadas à incitação ao golpe. Essa resposta judicial colocou o Brasil no centro de um debate global sobre a necessidade de regulamentação das big techs. Enquanto a União Europeia implementa o Digital Services Act (DSA), impondo maior transparência às plataformas, países como o Brasil enfrentam forte resistência do lobby das gigantes da tecnologia.
No final de 2024, Mark Zuckerberg anunciou o fim do programa de checagem de fatos da Meta, substituindo-o por um sistema de “notas da comunidade”. A decisão foi recebida como um sinal de flexibilização da moderação de conteúdo, o que favoreceria ainda mais a disseminação de fake news. Durante uma reunião com Trump, Zuckerberg prometeu pressionar países que tentam regular o ambiente digital, criticando o que chamou de “tribunais secretos” na América Latina – uma referência velada ao STF.
O Futuro da Democracia na Era Digital
Diante desse cenário, a regulamentação das big techs se torna uma questão de sobrevivência institucional. Garantir transparência, responsabilidade e mecanismos eficazes contra desinformação não significa censura, mas a proteção do próprio direito à informação. A experiência brasileira, marcada por ataques digitais sistemáticos às instituições, demonstra que as plataformas não podem operar sem controle estatal.
Setores progressistas e organizações da sociedade civil defendem uma legislação mais robusta, capaz de impor sanções às empresas que permitem a circulação de conteúdos que atentam contra a democracia. Como alerta a jornalista Bia Barbosa: “A promoção da integridade da informação não é censura, e a regulação democrática não é uma restrição ilegítima da liberdade de expressão”.
A batalha entre Moraes e as big techs não é apenas jurídica ou política. É um reflexo da disputa global entre democracia e autoritarismo na era digital. Se as instituições não enfrentarem essa ameaça, o espaço público continuará refém de algoritmos desenhados para maximizar lucros às custas da verdade – e, no limite, da própria liberdade.
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