Às vésperas de uma reforma ministerial e em meio às investigações sobre fraudes relacionadas à sua pasta, o ministro do Desenvolvimento Social Wellington Dias falou demais e deixou escapar que o governo estuda medidas que iriam aumentar ainda mais o gasto público. A fala irritou o Planalto e fez a Casa Civil entrar em cena para negar.
Em entrevista à agência de notícias Deutsche Welle, publicada na tarde de ontem, Dias afirmou que o governo estuda aumentar o valor do Bolsa Família — o que foi mal recebido pelo mercado. “Como nós trabalhamos com a perspectiva de um ano inteiro, vamos ter que reunir todo mundo da Caisan (Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional) para tomar uma decisão dialogando com o presidente, porque isso repercute. Será um ajuste? Será um complemento na alimentação?”, comentou Dias. Questionado se o reajuste é uma opção, ele respondeu: “Está na mesa. A decisão vai ser tomada até o final de março”. A fala pegou o governo de surpresa.
Em resposta, o Planalto divulgou uma nota, horas depois, negando a possibilidade de aumento. “A Casa Civil da Presidência da República informa que não existe estudo no governo sobre o aumento do valor do benefício do Bolsa Família. Esse tema não está na pauta do governo e não será discutido”, informou o texto, enviado à imprensa pela Casa Civil e pela Fazenda.
A declaração do ministro contribuiu para o fechamento do dólar em R$ 5,793, com alta de 0,52%, e queda de 1,27% do Ibovespa, índice da Bolsa de São Paulo. Houve pressão também pelo cenário externo, com temores sobre a guerra de tarifas promovida pelo governo Trump, dos Estados Unidos.
Um aumento no Bolsa Família necessitaria de mudanças no Orçamento de 2025 para ser implementado, e representaria mais gastos para o governo, na contramão do ajuste fiscal cobrado por operadores do mercado. O Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) deste ano, em tramitação no Congresso, prevê o total de R$ 167,2 bilhões para o Bolsa Família. A elevação do valor do benefício significa mais pressão inflacionária.
Ruído
As declarações do ministro Dias irritaram o Planalto porque ocorreu num momento em que o governo busca alinhar o discurso e reverter o baque causado pela inflação em sua popularidade. Ao longo da semana, alguns de seus ministros, além do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vêm minimizando os impactos da alta de preços e dizendo que a inflação está sob controle. Também faz parte da estratégia, o anuncio de boas notícias para a população.
Ontem, por exemplo, Lula sinalizou que, semana que vem, vai anunciar medidas que ampliam o acesso a crédito para a população. Seus auxiliares, por outro lado, comentaram sobre o cenário econômico e atribuíram a alta dos preços ao dólar e aos impactos do clima na safra anterior. Fizeram ainda comparações com a gestão de Jair Bolsonaro.
“A minha tese é a seguinte: muito dinheiro na mão de poucos, significa miséria de muitos. Agora, pouco dinheiro na mão de todos significa melhorar a vida de todo o povo brasileiro”, declarou Lula ao prometer mais medidas de crédito.
“Vamos fazer muitas políticas de crédito neste país porque, na hora em que o dinheiro começa a circular na mão das pessoas, ninguém aqui vai comprar dólar, ninguém vai depositar no exterior. Vocês vão comprar comida, roupa, material escolar. E vocês vão melhorar a vida de vocês”, acrescentou.
O governo tenta correr atrás do prejuízo causado pela alta inflação. Na semana passada, pesquisa Genial/Quaest mostrou que a avaliação negativa do petista superou pela primeira vez a positiva: 37% contra 31%. O entendimento no governo é que, apesar de haver resultados econômicos positivos, as melhorias não estão sendo percebidas na vida dos cidadãos, ofuscadas pelo aumento do custo de vida.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também atua para minimizar a percepção negativa. Em entrevista ontem à Rádio Cidade, de Caruaru (PE) o titular argumentou que não dá para “corrigir sete anos de má administração em dois”, citando que os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro mantiveram o salário mínimo sem aumento real, e que Lula reverteu essa política em seu novo mandato. Sobre o preço dos alimentos, Haddad atribuiu parcialmente ao alto patamar que o dólar atingiu no final do ano passado e disse esperar uma redução nas próximas semanas.
“Se o produtor aqui está recebendo mais em reais em virtude do dólar ter se apreciado, isso acaba tendo impacto nos preços internos. Então, a política que estamos adotando para trazer esse dólar para um patamar mais adequado também vai ter reflexos nos preços nas próximas semanas”, comentou Haddad.
Haddad aproveitou ainda para reiterar críticas ao patamar dos juros, que subiram para 13,25% na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central – primeira sob a gestão de Gabriel Galípolo, indicado pelo presidente Lula. Apesar de reconhecer que é necessário elevar os juros em momentos de alta na inflação, ele avalia que o rumo atual, com perspectiva de aumento para 14,25% na próxima reunião, está exagerado. “É como antibiótico, não pode tomar nem menos e nem mais. Política monetária tem que ter sabedoria, não pode jogar o país em uma recessão”, acrescentou.
Também saiu em defesa de Lula o ministro da Casa Civil, Rui Costa, em entrevista à Rádio Metrópole, da Bahia. “O que eles esquecem de dizer são duas coisas: primeiro, se você comparar a inflação de alimentos dos dois anos do governo Lula, ela é infinitamente menor do que nos quatro anos do governo Bolsonaro. Ou seja, se comparar, não fica de pé esse argumento, porque os preços em 2023 caíram”, respondeu o titular ao ser questionado sobre a alta nos preços. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a inflação acumulada de alimentos entre 2019 e 2022 foi de 46,24%. O período foi marcado por uma inflação generalizada pelos efeitos da pandemia da covid-19 e da guerra entre Rússia e Ucrânia. Já nos dois primeiros anos do governo Lula, a inflação acumulada dos alimentos foi de 8,8%.
*Estagiário sob supervisão de Edla Lula
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