Mundo rejeita plano de esvaziar Gaza e expulsar palestinos de suas terras à força
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O anúncio do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de um plano para esvaziar Gaza e transferir à força seus habitantes para outros países não apenas chocou a comunidade internacional, mas reacendeu um dos debates mais antigos e sensíveis da política mundial: o direito à autodeterminação dos palestinos. Ao lado do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, Trump classificou Gaza como “um símbolo de destruição” e defendeu que a reconstrução não deveria ser conduzida por seus próprios habitantes, mas por terceiros. Sua proposta de ocupação americana a longo prazo e realocação forçada gerou reações imediatas e unânimes de rejeição global.
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O impacto dessa decisão é uma espécie de “bomba nuclear diplomática”, conforme descreveu um negociador europeu, dado o potencial de escalar conflitos regionais e de reviver memórias trágicas da história palestina. Para milhões de palestinos e seus descendentes, o risco de uma nova expulsão massiva remete diretamente à “nakba” de 1948, quando cerca de 700 mil palestinos foram expulsos de suas terras durante a criação do Estado de Israel. Este episódio, considerado por muitos estudiosos como uma limpeza étnica deliberada, marcou o início do êxodo e do sofrimento palestino, estabelecendo uma ferida aberta até hoje.
A narrativa da expulsão: de 1948 a 2025
Para compreender a dimensão simbólica e prática da proposta de Trump, é preciso revisitar o histórico de deslocamentos forçados na Palestina. Em 1948, com a guerra entre árabes e judeus e a consolidação do novo Estado de Israel, aldeias inteiras foram destruídas ou abandonadas. De acordo com o historiador israelense Ilan Pappé, o deslocamento não foi uma consequência acidental do conflito, mas parte de uma estratégia deliberada para transformar a demografia da região e consolidar a maioria judaica.
Pappé, autor do influente The Ethnic Cleansing of Palestine, argumenta que essa limpeza étnica continua, de formas variadas, até os dias atuais, especialmente por meio da ocupação da Cisjordânia e do bloqueio a Gaza. O plano de Trump, portanto, não é uma novidade histórica, mas uma atualização moderna dessa política, travestida sob o manto da “reconstrução”. O Escritório de Direitos Humanos da ONU foi claro em seu comunicado: “Qualquer transferência forçada de uma população sob ocupação é proibida pelo direito internacional.”
A ameaça de esvaziamento de Gaza ocorre num contexto em que a região já vive uma crise humanitária de grandes proporções. Desde 2007, sob um severo bloqueio imposto por Israel e, em menor grau, pelo Egito, Gaza tem enfrentado colapsos de energia, água potável e assistência médica. Um relatório da ONU de 2017 advertiu que, até 2020, o território seria “inabitável” se as condições não fossem significativamente melhoradas. No entanto, a situação não só não melhorou, como se deteriorou ainda mais, especialmente após os ataques de 2021 e 2023.
Rejeição global e o consenso internacional pela solução de dois Estados
O anúncio do plano provocou uma reação em cadeia entre as principais potências mundiais. França, Reino Unido, China, Rússia e dezenas de países, incluindo o Brasil, condenaram o projeto. Emmanuel Macron foi categórico: “A França reitera sua oposição a qualquer deslocamento forçado da população palestina de Gaza, o que constituiria uma grave violação do direito internacional.” O governo britânico, através de David Lammy, insistiu na necessidade de uma solução que permita aos palestinos “viver e prosperar em suas terras natais”.
Até mesmo aliados tradicionais dos EUA, como a Arábia Saudita e a Jordânia, rejeitaram a proposta. Uma carta enviada ao secretário de Estado americano alertou para o risco de desestabilização regional caso os palestinos fossem removidos de Gaza. O documento também sublinhou a importância de que a reconstrução do território seja conduzida pelos próprios habitantes de Gaza, com o apoio da comunidade internacional.
O consenso em torno da solução de dois Estados — um Israel e uma Palestina coexistindo pacificamente — foi reforçado por todos os interlocutores internacionais. Este princípio, consagrado desde os Acordos de Oslo, tem sido reiteradamente defendido como a única via viável para encerrar o conflito. A Rússia, por exemplo, reafirmou que qualquer solução no Oriente Médio deve se basear nesse modelo. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, destacou que tentativas de deslocar palestinos apenas aprofundariam a crise.
O veto americano e a limitação das Nações Unidas
Apesar das fortes declarações, a ONU enfrenta um obstáculo significativo: o poder de veto dos Estados Unidos no Conselho de Segurança. Isso impede a adoção de sanções diretas contra o plano de Trump, mesmo diante do consenso internacional. Essa limitação estrutural expõe uma fragilidade da governança global: enquanto as resoluções da Assembleia Geral têm caráter simbólico e político, apenas o Conselho de Segurança pode autorizar ações coercitivas.
Esse bloqueio não é novo. Ao longo das últimas décadas, os EUA vetaram dezenas de resoluções relacionadas à ocupação israelense, mesmo quando estas tinham apoio esmagador dos demais membros. Em 2022, por exemplo, os Estados Unidos vetaram uma resolução que exigia o fim dos assentamentos israelenses na Cisjordânia ocupada, apesar de 14 dos 15 membros do Conselho votarem a favor.
Uma conferência internacional em meio ao impasse
Diante das limitações formais da ONU, a comunidade internacional tem apostado em vias alternativas de negociação. Em junho de 2025, uma conferência internacional será realizada em Nova York, copresidida por Emmanuel Macron e pelo príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman. O objetivo é traçar um caminho “irreversível” para a criação de um Estado palestino.
Mas os desafios são imensos. O veto americano significa que qualquer decisão terá de ser negociada fora das estruturas tradicionais da ONU. Além disso, Israel já declarou sua oposição a qualquer solução que envolva a devolução dos territórios ocupados. Mesmo assim, 144 países dos 193 membros da ONU já reconheceram o Estado palestino, um indicativo da crescente pressão diplomática.
Memória, resistência e o direito à autodeterminação
Para o povo palestino, o direito de retornar às suas terras é uma questão de justiça histórica. Como destacou Edward Said, em The Question of Palestine, a identidade palestina foi construída em torno da resistência ao deslocamento forçado e à ocupação. Esse espírito de resistência é, ao mesmo tempo, uma força unificadora e um lembrete constante das injustiças sofridas.
O alto comissário da ONU, Volker Türk, foi enfático ao afirmar que o direito à autodeterminação deve ser protegido por todos os Estados. Esse princípio é reconhecido pelo direito internacional, inclusive pela Corte Internacional de Justiça. No entanto, como apontou o filósofo esloveno Slavoj Žižek, a paz no Oriente Médio não depende apenas de declarações jurídicas, mas de uma transformação estrutural na maneira como o mundo lida com os interesses econômicos e geopolíticos na região.
A encruzilhada da Palestina
Quando Donald Trump prometeu estabelecer o “fim da guerra” no Oriente Médio, o anúncio já vinha com uma omissão reveladora: não havia qualquer menção a um Estado palestino, muito menos à autodeterminação de seu povo. Para o governo Trump, conforme apontaram seus próprios enviados, “palestino” nem era uma categoria que merecia ser reconhecida.
Os sinais estavam à vista de todos. Sob sua administração, os Estados Unidos eliminaram restrições para o envio de armas ao aliado israelense e deram carta branca às ações de Benjamin Netanyahu. Qualquer esforço internacional para responsabilizar Israel foi prontamente combatido. O governo americano chegou ao ponto de ameaçar retaliar funcionários do Tribunal Penal Internacional por buscarem justiça contra os líderes israelenses, acusados de crimes de guerra.
A escalada não parou aí. Há poucas semanas, a futura embaixadora dos EUA na ONU declarou que Washington reconhecia o “direito bíblico” de Israel sobre as terras ocupadas. Uma declaração que não apenas legitima a ocupação, mas também desqualifica décadas de apelos por uma solução baseada no direito internacional.
O resultado disso não poderia ser mais claro: uma limpeza étnica, lenta e sistemática. Gaza, um território cercado, bombardeado e destruído à vista do mundo, agora vê como “solução” a remoção de seus dois milhões de habitantes. O direito internacional, mais uma vez, é atropelado.
Nos campos de refugiados, mulheres palestinas mais velhas ainda carregam as chaves de suas casas — as mesmas casas das quais foram expulsas décadas atrás. Penduradas em colares ou mantidas como relíquias, essas chaves não são apenas objetos; são símbolos de sonhos. Sonhos de retorno, de dignidade, de justiça.
Mas esses sonhos, hoje, estão soterrados sob os escombros de Gaza. São ameaçados por um projeto colonial que não busca coexistência, mas apagamento. E enquanto o mundo assiste, a colonização avança, travestida de diplomacia, mas impulsionada por uma agenda que nunca teve a paz como objetivo final.
O plano de Trump, rejeitado pela comunidade internacional, expõe um dilema fundamental: enquanto não houver vontade política real para pressionar Israel a respeitar os direitos palestinos, a paz será uma miragem distante. A conferência de 2025 pode ser um ponto de virada, mas também corre o risco de ser mais um capítulo em uma longa série de promessas não cumpridas.
A Palestina, como lembrou Edward Said, é um símbolo da luta por justiça em um mundo onde o poder frequentemente suprime os direitos. Se o plano de Trump for levado adiante, não será apenas uma violação legal, mas um golpe profundo na ideia de que a humanidade é capaz de aprender com suas tragédias históricas.
Lula confronta Trump e Netanyahu
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirmou, em tom incisivo, sua oposição ao plano anunciado pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de assumir o controle da Faixa de Gaza. Para Lula, a ideia é não apenas “incompreensível”, mas representa um agravamento das injustiças históricas que marcam a ocupação da Palestina.
Durante entrevista a rádios de Minas Gerais, Lula expressou indignação com a forma como a questão foi abordada: “As pessoas precisam parar de falar aquilo que lhes vem à cabeça. Cada um governa o seu país e deixa os outros em paz”, disse. Ele considerou absurda a ideia de decidir unilateralmente sobre o futuro dos palestinos sem sua participação: “Não faz sentido se reunir com o presidente de Israel e dizer: ‘nós vamos ocupar Gaza, vamos recuperar Gaza, vamos morar em Gaza’. E os palestinos vão para onde? Qual será o país deles?”
Lula não apenas criticou o plano específico de Trump, mas sugeriu que ele representa uma continuidade de práticas neocoloniais. O ex-presidente norte-americano, ao propor a “posse” de Gaza sob a gestão dos EUA e de Israel, revive um discurso que remonta aos tempos de partilha imperialista, quando potências globais redesenhavam fronteiras e decidiam os destinos dos povos sem qualquer consulta às populações locais.
Esse tipo de abordagem, segundo Lula, contradiz os princípios fundamentais do direito internacional e ameaça agravar os conflitos regionais. “O que precisamos é de uma política de convivência harmônica entre os povos, não de arrogância ou frases de efeito”, declarou o presidente brasileiro, que também associou o plano de Trump a uma postura de desrespeito ao direito à autodeterminação palestina.
Gaza e a memória de um genocídio
Em sua fala, Lula também não poupou palavras para descrever a situação enfrentada pelos palestinos na Faixa de Gaza: “A guerra recente em Gaza foi um genocídio promovido por Israel.” A afirmação do presidente brasileiro alinha-se a uma leitura internacional crítica, sustentada por organizações de direitos humanos, que denunciam o uso desproporcional da força por Israel contra populações civis palestinas.
Lula destacou ainda que, em vez de impor mais violência e deslocamentos forçados, a comunidade internacional deveria se concentrar na reconstrução do território palestino: “Quem tem que cuidar de Gaza são os palestinos. Eles precisam de reparação, para reconstruírem suas casas, hospitais, escolas e viverem com dignidade.”
A reação de Lula ao plano de Trump e Netanyahu não foi uma decisão isolada, mas sim uma continuidade da política externa brasileira, que há décadas defende a criação de um Estado palestino viável, ao lado de Israel, como única solução duradoura para o conflito no Oriente Médio. Desde a década de 1970, o Brasil tem se posicionado em fóruns internacionais, como a ONU, em apoio à resolução pacífica do conflito baseada na coexistência de dois Estados.
A fala de Lula também representa um reposicionamento estratégico diante das relações internacionais contemporâneas. Segundo ele, ao romper o silêncio e criticar diretamente Trump, Lula evita ser associado ao que chamou de “pró-trumpismo inocente”, promovido por figuras como Jair Bolsonaro. Se ficasse calado, Lula seria cúmplice de uma visão colonialista. O Brasil estaria se distanciando de sua tradição diplomática ao apoiar passivamente um plano que ameaça os direitos básicos dos palestinos.
O alerta palestino: a segurança mundial em jogo
As críticas de Lula encontram respaldo na fala do embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, que classificou a proposta de Trump como uma “brincadeira perigosa”. Para Alzeben, as declarações do ex-presidente norte-americano mostram o desprezo pelos princípios do direito internacional e pela segurança global. “O presidente de uma superpotência está brincando com a segurança do mundo. Gaza e a Palestina pertencem aos palestinos”, afirmou em entrevista ao UOL News.
Alzeben relembrou o alto custo humano já pago pelos palestinos ao longo de décadas de ocupação e violência: “Desde 1917 até o momento, estamos pagando por todas as agressões, limpeza étnica e genocídio. Os que ficamos, estamos apegados ao nosso território. Não vamos sair. Se tivermos que morrer nele, talvez seja nosso destino.” Ele reforçou, no entanto, o compromisso da Autoridade Palestina e da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) com a resolução pacífica do conflito, sempre com base no direito internacional.
A fala do embaixador expõe um ponto central ignorado pelo plano de Trump: os palestinos não aceitam ser tratados como refugiados permanentes. Ao contrário, reivindicam o direito de permanecer em suas terras, mesmo diante das adversidades impostas por Israel e pelo cenário geopolítico global.
O que é a solução de dois Estados?
A solução de dois Estados propõe a criação de dois países independentes — Israel e Palestina — como forma de resolver o longo conflito na região. A ideia busca garantir a coexistência pacífica entre judeus e palestinos em territórios definidos.
A proposta foi mencionada pela primeira vez em 1937, durante o relatório da Comissão Peel, instituída no período do Mandato Britânico da Palestina (1922-1947). Após entrevistas com mais de cem judeus e palestinos, a comissão concluiu que havia um “conflito intransponível” entre os dois grupos, cujas aspirações nacionais eram consideradas incompatíveis. A recomendação foi dividir a região em dois Estados distintos.
Embora a proposta inicial tenha sido arquivada, ela serviu como base para futuras tentativas de resolução do conflito. Em 1947, a Assembleia Geral da ONU retomou a ideia, mas a resistência dos Estados árabes levou ao fracasso do plano.
Quando foi reconhecido o direito dos palestinos à autodeterminação?
Somente em 1980, a Comunidade Europeia reconheceu formalmente o direito dos palestinos à autodeterminação e voltou a defender a solução de dois Estados. Esse posicionamento ganhou força nas décadas seguintes e, em 2002, o Conselho de Segurança da ONU oficializou o termo.
Em 2003, sob a mediação internacional, a proposta foi discutida no contexto do Acordo de Genebra. Parte desse avanço foi possível devido ao reconhecimento implícito de Israel pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP) em 1988, ao aceitar as fronteiras de 1967 como base para um futuro Estado palestino.
No entanto, grupos como o Hamas mantêm uma posição ambígua. Em um documento de 2017, o Hamas sinalizou a possibilidade de um Estado com base nas fronteiras de 1967, mas reafirmou sua reivindicação por um Estado soberano em todo o território palestino, com Jerusalém como capital, uma postura que dificulta negociações com Israel.
O apoio à ideia tem oscilado entre as duas populações, dependendo do contexto político e da escalada do conflito. Nos últimos anos, esse respaldo diminuiu, segundo pesquisas do Centro Palestino para Pesquisa Política (PSR).
Por outro lado, a proposta de um único Estado com direitos iguais para todos enfrenta forte resistência, especialmente entre os israelenses, que temem pela identidade judaica do país.
As últimas negociações de paz diretas ocorreram em 2014 e terminaram sem acordo. Desde então, a expansão dos assentamentos israelenses na Cisjordânia tem tornado cada vez mais distante a possibilidade de implementação de dois Estados.
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