Após o Banco Central ter publicado nota técnica em que estimou em quase 21 bilhões de reais a movimentação mensal de bets no país e apontou que beneficiários do Bolsa Família têm utilizado em apostas esportivas recursos idealizados para subsistência, a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) rebateu a autoridade monetária e contestou as cifras apresentadas pelo banco para medir a capilaridade e os potenciais riscos da recém-regulamentada jogatina no Brasil.
A troca de farpas ocorre no momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) se prepara para julgar pedidos do partido Solidariedade e de uma entidade representante do setor de comércio para que se derrube a lei que autoriza as bets.
A Confederação Nacional do Comércio (CNC) bateu às portas do STF sob a alegação de que as regras em vigor não protegem a população contra apostas compulsivas, afetam a saúde mental dos jogadores e atentam contra a economia popular. Aponta ainda efeitos para o próprio bolso e afirma que “a facilidade no acesso ao jogo online e a ausência de políticas efetivas de prevenção e combate ao jogo compulsivo afetam diretamente o setor do comércio varejista na medida em que indivíduos redirecionam a renda destinada ao custeio de suas necessidades básicas (…) à prática desenfreada do jogo, diminuindo a circulação de renda na economia local”.
De acordo com o BC, em agosto de 2024, a movimentação em apostas chegou a 20,8 bilhões de reais – muito acima dos 1,9 bilhão mensais do mercado de loterias, por exemplo. O sinal amarelo no governo acendeu também porque o Banco Central estimou que 5 milhões de pessoas pertencentes a famílias que recebem o Bolsa Família enviaram 3 bilhões de reais em agosto passado para empresas de apostas, sendo que 70% delas são chefes de família, ou seja, quem recebe diretamente os valores de subsistência e, em tese, não têm dinheiro para as necessidades mais básicas.
Para a Associação Nacional de Jogos e Loterias, porém, os dados do BC devem ser contestados. “Percebem-se movimentações críticas ao setor de apostas, inclusive de políticos, líderes de entidades e órgãos públicos do Brasil (…) principalmente porque jamais foi publicizada a base de dados. O Banco Central se recusou a apresentar os dados do seu estudo sobre o setor, o que não faz qualquer sentido lógico ou jurídico”, diz. “No estudo, aponta-se uma participação de 5 milhões de beneficiários do programa, sendo 3,5 milhões os chefes de família. Mas, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, cerca de 80% dos chefes de família nesse programa são mulheres, o que não é congruente com o público dos sites de apostas, que é majoritariamente masculino”, completa a associação.
Sobre os quase 21 bilhões de reais movimentados mensalmente, a ANJL diz que “como, em média, 85% do valor retorna aos apostadores, somente nesse ponto haveria um erro de mais de R$ 8 bilhões na base de cálculo do BC”. “Corrigindo a base de cálculo e o percentual médio de êxito dos apostadores, o número referente aos beneficiários do Bolsa Família, na verdade, seria em torno de R$ 150 milhões e R$ 200 milhões”, argumenta.
Pelo menos cinco processos em tramitação no Tribunal de Contas da União (TCU) pressionam o governo e as empresas que receberam aval para explorar bets por maiores responsabilidades. O TCU chamou para si o papel de fiscalizar, entre outras coisas, a atuação da Receita Federal e do órgão de inteligência financeira do Ministério da Fazenda na detecção de operações duvidosas em apostas e mapeia como dinheiro pago a inscritos no Bolsa Família acabou nas mãos de sites de apostas.
Historicamente os governos do PT nunca listaram jogos e apostas como pauta prioritária, mas, em seu terceiro mandato, o presidente Lula enxergou no valor desembolsado pelas bets um importante vetor para melhorar as contas públicas. Até o último dia 14, 70 empresas estavam autorizadas a operar no Brasil pelos próximos cinco anos, ao custo de uma outorga de 30 milhões de reais e tributação de 12% sobre o rendimento bruto das apostas.
A polêmica sobre o uso do Bolsa Família, que levou o STF a determinar que o governo tome medidas para impedir que dinheiro idealizado para suprir necessidades básicas da população carente acabe em jogos, pode se transformar nas próximas semanas em uma grande dor de cabeça para o Palácio do Planalto.
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