A reforma da Previdência completa cinco anos no mês que vem e o consenso entre especialistas ouvidos pelo Correio é de que uma nova mudança no sistema de aposentadorias será inevitável, antes mesmo do que se imaginava. Segundo eles, devido aos gastos durante a pandemia da covid-19 e ao retorno do aumento real do salário mínimo — que voltou a ser corrigido acima da inflação desde 2023 pelo atual governo, alavancando as despesas com benefícios em geral —, os ganhos da última reforma foram praticamente anulados e será preciso buscar soluções para evitar um colapso do sistema previdenciário nas próximas décadas.
Além disso, a demografia também joga contra, pois o ritmo de envelhecimento da população brasileira é bem maior do que o de países europeus. Não à toa, se novas mudanças não forem feitas, como o aumento da idade mínima das aposentadorias rurais e alguma diferenciação entre os que contribuem e recebem um salário mínimo e aqueles que não contribuem e recebem o mesmo valor em benefícios, os riscos de insustentabilidade do sistema são crescentes. De acordo com os analistas, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dificilmente recuará na decisão de conceder aumento real no salário mínimo — uma das promessas de campanha em 2022 —, será inevitável para quem vencer as próximas eleições em 2026 buscar soluções para equilibrar as contas da Previdência, pois elas seguem deficitárias e com rombos crescentes que afetam diretamente o aumento da dívida pública do país.
Sancionada em 12 de novembro de 2019, a Emenda Constitucional 103, que instituiu a nova reforma da Previdência, ampliou de 60 para 65 anos a idade mínima de aposentadoria para os homens e, para as mulheres, para 62 anos. E como a expectativa de vida do brasileiro segue aumentando e a taxa de fecundidade diminui, a tendência é que a população com idade para trabalhar não será suficiente para bancar o exército de aposentados que está se formando nas próximas décadas. E, nesse processo, militares e aposentadorias rurais, que ficaram de fora da reforma anterior, estarão na mira das futuras mudanças, mas elas dependerão da vontade política de quem estiver no poder.
“Uma nova reforma será preciso o quanto antes, mas ela não precisará ser tão agressiva como foi a de 2019. Contudo, será necessário pensar em aumentar as idades mínimas novamente da população, caminhando, gradativamente, para 66 ou 67 anos, além de mexer na Previdência dos militares, no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e na desvinculação do salário mínimo da Previdência. Isso ajudaria a manter o deficit previdenciário em 3% do PIB ao longo das próximas décadas”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. “Uma nova reforma será importante para evitar que o sistema piore ainda mais”, reforça. Contudo, Vale reconhece que não existe uma forma de reverter as contas da Previdência para superavitárias, assim como as contas públicas, que seguem no vermelho, pelo menos até 2030. “A dúvida é se, dada a necessidade de um novo regime fiscal, em 2027, se o próximo governo terá força política para fazer tudo que se precisa”, reforça o economista da MB.
Conforme as mais recentes projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), tradicionalmente considerado mais otimista do que o mercado, o governo continuará registrando rombos fiscais até 2029. E, de acordo com as projeções do governo que constam no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, as despesas com benefícios previdenciários seguem crescendo de forma mais forte a partir de 2029, atingindo 15,80% do produto interno bruto (PIB) em 2100.
De acordo com estimativas do especialista em contas públicas Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos, os ganhos obtidos com a última reforma, em torno de R$ 800 bilhões ao longo de 10 anos, praticamente evaporaram na metade desse período devido ao aumento de gastos públicos durante a pandemia da covid-19. “O governo anterior gastou na pandemia R$ 600 bilhões e no de agora, com a volta da política de valorização do salário mínimo, o saldo de R$ 200 bilhões foi quase totalmente consumido. Portanto, parece razoável dizer que todo o ganho da reforma já foi consumido nesses cinco anos”, frisa. Na avaliação de Barros é preciso falar em uma nova reforma da Previdência até 2030.
O economista e especialista em Previdência Leonardo Rolim reconhece que a reforma ajudou a adiar o colapso do sistema, mas não evitou que o rombo do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) encolhesse. “Sem a reforma, o deficit da Previdência chegaria em 10% do PIB antes de 2050 e, agora, pelas projeções do PLDO, esse cenário passou para 2100, mas muitas coisas que precisavam estar na reforma foram retiradas, como a capitalização, porque, com a demografia, o sistema de repartição simples da Previdência ficará inviável”, destaca o ex-presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Para ele, algumas mudanças podem ser feitas sem a necessidade de uma nova emenda constitucional, como uma nova ampliação da idade mínima de acordo com o aumento da expectativa de vida dos brasileiros, que poderia ser feito por meio de um projeto de lei ordinária.
Ainda na avaliação do especialista da Câmara, o maior problema herdado com a reforma da Previdência foi a exclusão dos estados e municípios. “A emenda 103 trouxe avanços importantes, mas um retrocesso terrível que foi permitir que servidores de estados e municípios tenham regras diferentes dos servidores federais. Isso criou privilégios entre os entes federativos, porque 68% dos municípios não fizeram a reforma, além de seis estados e o Distrito Federal”, lamenta.
“Os deputados criaram essa diferenciação para não assumirem o desgaste da reforma junto ao funcionalismo, mas isso está contra o princípio constitucional da isonomia e está criando injustiças, além de problemas fiscais para as contas de estados e municípios”, acrescenta.
Distorções
O economista Fabio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), destaca que o debate da reforma da Previdência foi muito intenso e a proposta atacou uma das principais distorções, as aposentadorias precoces, mas o parâmetro está desatualizado e será inevitável uma nova revisão das idades mínimas devido ao aumento da expectativa de vida dos brasileiros.
“Os parâmetros precisam ser mais adequados à realidade demográfica do país, porque, desde o primeiro dia da aprovação da reforma, todo mundo sabia que haveria questões que precisavam ser tratadas pela sociedade mais cedo ou mais tarde. E a reforma indicou algumas dessas questões por mais 10 anos, mas o que aconteceu nos últimos anos, como a nova regra do salário mínimo, piorou a realidade das contas da Previdência novamente”, lamenta.
“O próximo governo vai ter que pensar em uma nova reforma da Previdência, inevitavelmente. Seria desejável que houvesse uma reforma em 2027, mas em 2031, ela será inevitável”, afirma. Mas para que essa nova reforma ocorra será preciso um novo debate prévio. “Hoje, não há ambiente. Não vai ter reforma, mas em 2031 as circunstâncias vão atropelar o fiscal.”
O economista Rogério Nagamine Costanzi, especialista em Previdência e pesquisador do FGV Ibre, reconhece que a reforma de 2019 foi importante para dar mais sustentabilidade ao sistema previdenciário, mas vários problemas não foram enfrentados, como o do deficit das aposentadorias rurais. Segundo ele, esse problema precisará ser encarado com o aumento da idade mínima para as aposentadorias rurais, algo que ficou de fora na última reforma, pois a expectativa de vida no campo é crescente e é maior do que nos centros urbanos.
Nagamine lembra que, no ano passado, de um deficit do RGPS de R$ 306,2 bilhões, cerca de R$ 177,2 bilhões foram provenientes da previdência rural e R$ 129 bilhões do setor urbano. “Ou seja, o rural respondeu por cerca de 58% do deficit total do RGPS. O problema do rural é que a arrecadação é muito pequena comparada com a despesa: gasto de cerca de R$ 186 bilhões, mas receita de apenas R$ 8,6 bilhões. A receita cobriu apenas 4,6% da despesa”, explica.
Pensionistas
Para o economista e consultor legislativo Pedro Fernando Nery, professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), não há necessidade de uma reforma grande a curto ou médio prazos. “A economia da reforma veio como esperado nesses últimos cinco anos: não permitiu o superavit primário, mas abriu espaço para uma boa expansão do gasto social, com forte queda da extrema pobreza com o novo Bolsa Família”, destaca.
Nery também reconhece que existe a pressão na questão dos benefícios de um salário mínimo, que não chegou a constar em nenhuma das propostas de emenda à Constituição (PEC) da reforma, tanto no governo Michel Temer quanto no governo Jair Bolsonaro. “Um ajuste simples na fórmula de valorização do salário mínimo, para corresponder melhor ao crescimento do PIB, resolve sem o trauma de mexer na Constituição para tratar da desvinculação”, sugere.
Na avaliação dele, houve avanço com os militares, com idades mínimas mais altas, tempo de serviço de 35 anos e aumento da tributação das pensionistas, “mas ficou faltando ajustar as pensões”. “Hoje, servidores e segurados do INSS se sujeitam à regra de cálculo da pensão dos 60%, com adicionais de 10% por dependente. Os militares são os únicos que ainda têm direito a 100%”, compara o consultor legislativo.
Descompasso entre receitas e despesas
O aumento crescente do rombo previdenciário é um dos principais motivos para que uma nova reforma seja necessária antes de 2030, pois o descompasso entre a receita e as despesas segue em expansão, de acordo com especialistas. Conforme os dados do Tesouro Nacional, no acumulado em 12 meses até agosto, as despesas com benefícios previdenciários cresceram 7,1%, em termos reais (descontada a inflação) para R$ 940 bilhões. Enquanto isso, a receita do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) avançou 5,1%, na mesma base de comparação, para R$ 638,3 bilhões. Enquanto isso, o deficit da Previdência somou R$ 239,6 bilhões no acumulado de janeiro a agosto — mais do que o dobro do rombo fiscal registrado no mesmo período de 2024, de R$ 100 bilhões.
A tendência, de acordo com os analistas, é de que o deficit previdenciário continue aumentando, podendo chegar a R$ 700 bilhões em 2040, ajudando, com isso, a ampliar o endividamento público.
Na avaliação do economista e especialista em Previdência Leonardo Rolim, consultor legislativo da Câmara dos Deputados, uma fiscalização mais apurada na concessão de benefícios será fundamental para a redução do deficit da Previdência. Segundo ele, medidas equivocadas, como o Atestmet, estão fazendo com que haja uma explosão na concessão de auxílios-doenças, que dispararam cerca de 70% neste ano em relação ao ano passado.
“As fraudes nos benefícios sempre existiram, mas ficou mais fácil forjar um atestado no sistema e isso precisará ser combatido como uma das formas de controle de despesas”, alerta Rolim, que foi presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no governo anterior. “Se houver uma boa gestão e combate às fraudes das despesas indevidas do INSS, seria possível economizar de R$ 25 bilhões a R$ 35 bilhões por ano”, afirma.
Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos, também aponta as fraudes na Previdência como um dos problemas que precisam ser combatidos pelo governo de forma mais transparente, uma vez que reflete em riscos para a sustentabilidade da dívida pública. Vale lembrar que, pelas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2025, a dívida pública bruta do Brasil passará de 90% do PIB — patamar insustentável para países emergentes. Não à toa, o dólar segue em alta e voltou a ficar acima de R$ 5,70, em grande parte, devido ao aumento da desconfiança na capacidade do governo em conseguir equilibrar as contas públicas, destaca Barros, da ARX. “As incertezas estão aumentando e, infelizmente, não estamos vendo transparência nos números que o governo tem mostrado de que está passando um pente-fino nos benefícios”, acrescenta.
“Além do problema do deficit fiscal, a falta de transparência na concessão desses benefícios também é um fator de risco soberano, pois gera um buraco difícil de ser tapado”, alerta Barros. Para ele, não há como o novo arcabouço fiscal se manter em pé com o forte aumento das despesas previdenciárias.
O economista Rogério Nagamine Costanzi destaca também que um outro problema que está sendo criado para a Previdência é a aposentadoria do Microempreendedor Individual (MEI) que, pelas contas dele, deverá gerar um deficit de R$ 729 bilhões no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) nos próximos 40 anos.
“A exclusão dos servidores estaduais e municipais da reforma da Previdência também é um das principais questões a ser enfrentada, pois dois em cada três municípios ainda não fizeram a reforma”, ressalta Nagamine.
De acordo com o especialista, uma nova reforma da Previdência vai ter resistências, como tem ocorrido em vários países. “Mas, na verdade, é preciso pensar sobre o peso da não reforma para as gerações futuras para financiar o sistema de aposentadorias. Sem ela, seria preciso uma alíquota de 70% sobre a folha de pagamentos em 2060 para custear a Previdência, o que ficaria muito pesado”, explica. Ele reconhece que muitos jovens sequer têm preocupação com a aposentadoria e até mesmo uma queda de jovens contribuindo para a Previdência, de forma geral. “As pessoas geralmente começam a se preocupar com aposentadoria aos 40 anos”, acrescenta.
O economista Fábio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), frisa ainda que a ampliação da base de pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) é outro fator de desequilíbrio nas contas da Previdência. “Não é preciso ser um especialista para saber que há alguma coisa errada e, portanto, é preciso colocar uma lupa sobre as concessões desses benefícios, porque as contas estão ficando muito salgadas”, alerta.
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A reforma da Previdência completa cinco anos no mês que vem e o consenso entre especialistas ouvidos pelo Correio é de que uma nova mudança no sistema de aposentadorias será inevitável, antes mesmo do que se imaginava. Segundo eles, devido aos gastos durante a pandemia da covid-19 e ao retorno do aumento real do salário mínimo — que voltou a ser corrigido acima da inflação desde 2023 pelo atual governo, alavancando as despesas com benefícios em geral —, os ganhos da última reforma foram praticamente anulados e será preciso buscar soluções para evitar um colapso do sistema previdenciário nas próximas décadas.
Além disso, a demografia também joga contra, pois o ritmo de envelhecimento da população brasileira é bem maior do que o de países europeus. Não à toa, se novas mudanças não forem feitas, como o aumento da idade mínima das aposentadorias rurais e alguma diferenciação entre os que contribuem e recebem um salário mínimo e aqueles que não contribuem e recebem o mesmo valor em benefícios, os riscos de insustentabilidade do sistema são crescentes. De acordo com os analistas, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dificilmente recuará na decisão de conceder aumento real no salário mínimo — uma das promessas de campanha em 2022 —, será inevitável para quem vencer as próximas eleições em 2026 buscar soluções para equilibrar as contas da Previdência, pois elas seguem deficitárias e com rombos crescentes que afetam diretamente o aumento da dívida pública do país.
Sancionada em 12 de novembro de 2019, a Emenda Constitucional 103, que instituiu a nova reforma da Previdência, ampliou de 60 para 65 anos a idade mínima de aposentadoria para os homens e, para as mulheres, para 62 anos. E como a expectativa de vida do brasileiro segue aumentando e a taxa de fecundidade diminui, a tendência é que a população com idade para trabalhar não será suficiente para bancar o exército de aposentados que está se formando nas próximas décadas. E, nesse processo, militares e aposentadorias rurais, que ficaram de fora da reforma anterior, estarão na mira das futuras mudanças, mas elas dependerão da vontade política de quem estiver no poder.
“Uma nova reforma será preciso o quanto antes, mas ela não precisará ser tão agressiva como foi a de 2019. Contudo, será necessário pensar em aumentar as idades mínimas novamente da população, caminhando, gradativamente, para 66 ou 67 anos, além de mexer na Previdência dos militares, no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e na desvinculação do salário mínimo da Previdência. Isso ajudaria a manter o deficit previdenciário em 3% do PIB ao longo das próximas décadas”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. “Uma nova reforma será importante para evitar que o sistema piore ainda mais”, reforça. Contudo, Vale reconhece que não existe uma forma de reverter as contas da Previdência para superavitárias, assim como as contas públicas, que seguem no vermelho, pelo menos até 2030. “A dúvida é se, dada a necessidade de um novo regime fiscal, em 2027, se o próximo governo terá força política para fazer tudo que se precisa”, reforça o economista da MB.
Conforme as mais recentes projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), tradicionalmente considerado mais otimista do que o mercado, o governo continuará registrando rombos fiscais até 2029. E, de acordo com as projeções do governo que constam no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, as despesas com benefícios previdenciários seguem crescendo de forma mais forte a partir de 2029, atingindo 15,80% do produto interno bruto (PIB) em 2100.
De acordo com estimativas do especialista em contas públicas Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos, os ganhos obtidos com a última reforma, em torno de R$ 800 bilhões ao longo de 10 anos, praticamente evaporaram na metade desse período devido ao aumento de gastos públicos durante a pandemia da covid-19. “O governo anterior gastou na pandemia R$ 600 bilhões e no de agora, com a volta da política de valorização do salário mínimo, o saldo de R$ 200 bilhões foi quase totalmente consumido. Portanto, parece razoável dizer que todo o ganho da reforma já foi consumido nesses cinco anos”, frisa. Na avaliação de Barros é preciso falar em uma nova reforma da Previdência até 2030.
O economista e especialista em Previdência Leonardo Rolim reconhece que a reforma ajudou a adiar o colapso do sistema, mas não evitou que o rombo do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) encolhesse. “Sem a reforma, o deficit da Previdência chegaria em 10% do PIB antes de 2050 e, agora, pelas projeções do PLDO, esse cenário passou para 2100, mas muitas coisas que precisavam estar na reforma foram retiradas, como a capitalização, porque, com a demografia, o sistema de repartição simples da Previdência ficará inviável”, destaca o ex-presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Para ele, algumas mudanças podem ser feitas sem a necessidade de uma nova emenda constitucional, como uma nova ampliação da idade mínima de acordo com o aumento da expectativa de vida dos brasileiros, que poderia ser feito por meio de um projeto de lei ordinária.
Ainda na avaliação do especialista da Câmara, o maior problema herdado com a reforma da Previdência foi a exclusão dos estados e municípios. “A emenda 103 trouxe avanços importantes, mas um retrocesso terrível que foi permitir que servidores de estados e municípios tenham regras diferentes dos servidores federais. Isso criou privilégios entre os entes federativos, porque 68% dos municípios não fizeram a reforma, além de seis estados e o Distrito Federal”, lamenta.
“Os deputados criaram essa diferenciação para não assumirem o desgaste da reforma junto ao funcionalismo, mas isso está contra o princípio constitucional da isonomia e está criando injustiças, além de problemas fiscais para as contas de estados e municípios”, acrescenta.
Distorções
O economista Fabio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), destaca que o debate da reforma da Previdência foi muito intenso e a proposta atacou uma das principais distorções, as aposentadorias precoces, mas o parâmetro está desatualizado e será inevitável uma nova revisão das idades mínimas devido ao aumento da expectativa de vida dos brasileiros.
“Os parâmetros precisam ser mais adequados à realidade demográfica do país, porque, desde o primeiro dia da aprovação da reforma, todo mundo sabia que haveria questões que precisavam ser tratadas pela sociedade mais cedo ou mais tarde. E a reforma indicou algumas dessas questões por mais 10 anos, mas o que aconteceu nos últimos anos, como a nova regra do salário mínimo, piorou a realidade das contas da Previdência novamente”, lamenta.
“O próximo governo vai ter que pensar em uma nova reforma da Previdência, inevitavelmente. Seria desejável que houvesse uma reforma em 2027, mas em 2031, ela será inevitável”, afirma. Mas para que essa nova reforma ocorra será preciso um novo debate prévio. “Hoje, não há ambiente. Não vai ter reforma, mas em 2031 as circunstâncias vão atropelar o fiscal.”
O economista Rogério Nagamine Costanzi, especialista em Previdência e pesquisador do FGV Ibre, reconhece que a reforma de 2019 foi importante para dar mais sustentabilidade ao sistema previdenciário, mas vários problemas não foram enfrentados, como o do deficit das aposentadorias rurais. Segundo ele, esse problema precisará ser encarado com o aumento da idade mínima para as aposentadorias rurais, algo que ficou de fora na última reforma, pois a expectativa de vida no campo é crescente e é maior do que nos centros urbanos.
Nagamine lembra que, no ano passado, de um deficit do RGPS de R$ 306,2 bilhões, cerca de R$ 177,2 bilhões foram provenientes da previdência rural e R$ 129 bilhões do setor urbano. “Ou seja, o rural respondeu por cerca de 58% do deficit total do RGPS. O problema do rural é que a arrecadação é muito pequena comparada com a despesa: gasto de cerca de R$ 186 bilhões, mas receita de apenas R$ 8,6 bilhões. A receita cobriu apenas 4,6% da despesa”, explica.
Pensionistas
Para o economista e consultor legislativo Pedro Fernando Nery, professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), não há necessidade de uma reforma grande a curto ou médio prazos. “A economia da reforma veio como esperado nesses últimos cinco anos: não permitiu o superavit primário, mas abriu espaço para uma boa expansão do gasto social, com forte queda da extrema pobreza com o novo Bolsa Família”, destaca.
Nery também reconhece que existe a pressão na questão dos benefícios de um salário mínimo, que não chegou a constar em nenhuma das propostas de emenda à Constituição (PEC) da reforma, tanto no governo Michel Temer quanto no governo Jair Bolsonaro. “Um ajuste simples na fórmula de valorização do salário mínimo, para corresponder melhor ao crescimento do PIB, resolve sem o trauma de mexer na Constituição para tratar da desvinculação”, sugere.
Na avaliação dele, houve avanço com os militares, com idades mínimas mais altas, tempo de serviço de 35 anos e aumento da tributação das pensionistas, “mas ficou faltando ajustar as pensões”. “Hoje, servidores e segurados do INSS se sujeitam à regra de cálculo da pensão dos 60%, com adicionais de 10% por dependente. Os militares são os únicos que ainda têm direito a 100%”, compara o consultor legislativo.
Descompasso entre receitas e despesas
O aumento crescente do rombo previdenciário é um dos principais motivos para que uma nova reforma seja necessária antes de 2030, pois o descompasso entre a receita e as despesas segue em expansão, de acordo com especialistas. Conforme os dados do Tesouro Nacional, no acumulado em 12 meses até agosto, as despesas com benefícios previdenciários cresceram 7,1%, em termos reais (descontada a inflação) para R$ 940 bilhões. Enquanto isso, a receita do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) avançou 5,1%, na mesma base de comparação, para R$ 638,3 bilhões. Enquanto isso, o deficit da Previdência somou R$ 239,6 bilhões no acumulado de janeiro a agosto — mais do que o dobro do rombo fiscal registrado no mesmo período de 2024, de R$ 100 bilhões.
A tendência, de acordo com os analistas, é de que o deficit previdenciário continue aumentando, podendo chegar a R$ 700 bilhões em 2040, ajudando, com isso, a ampliar o endividamento público.
Na avaliação do economista e especialista em Previdência Leonardo Rolim, consultor legislativo da Câmara dos Deputados, uma fiscalização mais apurada na concessão de benefícios será fundamental para a redução do deficit da Previdência. Segundo ele, medidas equivocadas, como o Atestmet, estão fazendo com que haja uma explosão na concessão de auxílios-doenças, que dispararam cerca de 70% neste ano em relação ao ano passado.
“As fraudes nos benefícios sempre existiram, mas ficou mais fácil forjar um atestado no sistema e isso precisará ser combatido como uma das formas de controle de despesas”, alerta Rolim, que foi presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no governo anterior. “Se houver uma boa gestão e combate às fraudes das despesas indevidas do INSS, seria possível economizar de R$ 25 bilhões a R$ 35 bilhões por ano”, afirma.
Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos, também aponta as fraudes na Previdência como um dos problemas que precisam ser combatidos pelo governo de forma mais transparente, uma vez que reflete em riscos para a sustentabilidade da dívida pública. Vale lembrar que, pelas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2025, a dívida pública bruta do Brasil passará de 90% do PIB — patamar insustentável para países emergentes. Não à toa, o dólar segue em alta e voltou a ficar acima de R$ 5,70, em grande parte, devido ao aumento da desconfiança na capacidade do governo em conseguir equilibrar as contas públicas, destaca Barros, da ARX. “As incertezas estão aumentando e, infelizmente, não estamos vendo transparência nos números que o governo tem mostrado de que está passando um pente-fino nos benefícios”, acrescenta.
“Além do problema do deficit fiscal, a falta de transparência na concessão desses benefícios também é um fator de risco soberano, pois gera um buraco difícil de ser tapado”, alerta Barros. Para ele, não há como o novo arcabouço fiscal se manter em pé com o forte aumento das despesas previdenciárias.
O economista Rogério Nagamine Costanzi destaca também que um outro problema que está sendo criado para a Previdência é a aposentadoria do Microempreendedor Individual (MEI) que, pelas contas dele, deverá gerar um deficit de R$ 729 bilhões no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) nos próximos 40 anos.
“A exclusão dos servidores estaduais e municipais da reforma da Previdência também é um das principais questões a ser enfrentada, pois dois em cada três municípios ainda não fizeram a reforma”, ressalta Nagamine.
De acordo com o especialista, uma nova reforma da Previdência vai ter resistências, como tem ocorrido em vários países. “Mas, na verdade, é preciso pensar sobre o peso da não reforma para as gerações futuras para financiar o sistema de aposentadorias. Sem ela, seria preciso uma alíquota de 70% sobre a folha de pagamentos em 2060 para custear a Previdência, o que ficaria muito pesado”, explica. Ele reconhece que muitos jovens sequer têm preocupação com a aposentadoria e até mesmo uma queda de jovens contribuindo para a Previdência, de forma geral. “As pessoas geralmente começam a se preocupar com aposentadoria aos 40 anos”, acrescenta.
O economista Fábio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), frisa ainda que a ampliação da base de pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) é outro fator de desequilíbrio nas contas da Previdência. “Não é preciso ser um especialista para saber que há alguma coisa errada e, portanto, é preciso colocar uma lupa sobre as concessões desses benefícios, porque as contas estão ficando muito salgadas”, alerta.
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A reforma da Previdência completa cinco anos no mês que vem e o consenso entre especialistas ouvidos pelo Correio é de que uma nova mudança no sistema de aposentadorias será inevitável, antes mesmo do que se imaginava. Segundo eles, devido aos gastos durante a pandemia da covid-19 e ao retorno do aumento real do salário mínimo — que voltou a ser corrigido acima da inflação desde 2023 pelo atual governo, alavancando as despesas com benefícios em geral —, os ganhos da última reforma foram praticamente anulados e será preciso buscar soluções para evitar um colapso do sistema previdenciário nas próximas décadas.
Além disso, a demografia também joga contra, pois o ritmo de envelhecimento da população brasileira é bem maior do que o de países europeus. Não à toa, se novas mudanças não forem feitas, como o aumento da idade mínima das aposentadorias rurais e alguma diferenciação entre os que contribuem e recebem um salário mínimo e aqueles que não contribuem e recebem o mesmo valor em benefícios, os riscos de insustentabilidade do sistema são crescentes. De acordo com os analistas, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dificilmente recuará na decisão de conceder aumento real no salário mínimo — uma das promessas de campanha em 2022 —, será inevitável para quem vencer as próximas eleições em 2026 buscar soluções para equilibrar as contas da Previdência, pois elas seguem deficitárias e com rombos crescentes que afetam diretamente o aumento da dívida pública do país.
Sancionada em 12 de novembro de 2019, a Emenda Constitucional 103, que instituiu a nova reforma da Previdência, ampliou de 60 para 65 anos a idade mínima de aposentadoria para os homens e, para as mulheres, para 62 anos. E como a expectativa de vida do brasileiro segue aumentando e a taxa de fecundidade diminui, a tendência é que a população com idade para trabalhar não será suficiente para bancar o exército de aposentados que está se formando nas próximas décadas. E, nesse processo, militares e aposentadorias rurais, que ficaram de fora da reforma anterior, estarão na mira das futuras mudanças, mas elas dependerão da vontade política de quem estiver no poder.
“Uma nova reforma será preciso o quanto antes, mas ela não precisará ser tão agressiva como foi a de 2019. Contudo, será necessário pensar em aumentar as idades mínimas novamente da população, caminhando, gradativamente, para 66 ou 67 anos, além de mexer na Previdência dos militares, no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e na desvinculação do salário mínimo da Previdência. Isso ajudaria a manter o deficit previdenciário em 3% do PIB ao longo das próximas décadas”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. “Uma nova reforma será importante para evitar que o sistema piore ainda mais”, reforça. Contudo, Vale reconhece que não existe uma forma de reverter as contas da Previdência para superavitárias, assim como as contas públicas, que seguem no vermelho, pelo menos até 2030. “A dúvida é se, dada a necessidade de um novo regime fiscal, em 2027, se o próximo governo terá força política para fazer tudo que se precisa”, reforça o economista da MB.
Conforme as mais recentes projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), tradicionalmente considerado mais otimista do que o mercado, o governo continuará registrando rombos fiscais até 2029. E, de acordo com as projeções do governo que constam no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, as despesas com benefícios previdenciários seguem crescendo de forma mais forte a partir de 2029, atingindo 15,80% do produto interno bruto (PIB) em 2100.
De acordo com estimativas do especialista em contas públicas Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos, os ganhos obtidos com a última reforma, em torno de R$ 800 bilhões ao longo de 10 anos, praticamente evaporaram na metade desse período devido ao aumento de gastos públicos durante a pandemia da covid-19. “O governo anterior gastou na pandemia R$ 600 bilhões e no de agora, com a volta da política de valorização do salário mínimo, o saldo de R$ 200 bilhões foi quase totalmente consumido. Portanto, parece razoável dizer que todo o ganho da reforma já foi consumido nesses cinco anos”, frisa. Na avaliação de Barros é preciso falar em uma nova reforma da Previdência até 2030.
O economista e especialista em Previdência Leonardo Rolim reconhece que a reforma ajudou a adiar o colapso do sistema, mas não evitou que o rombo do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) encolhesse. “Sem a reforma, o deficit da Previdência chegaria em 10% do PIB antes de 2050 e, agora, pelas projeções do PLDO, esse cenário passou para 2100, mas muitas coisas que precisavam estar na reforma foram retiradas, como a capitalização, porque, com a demografia, o sistema de repartição simples da Previdência ficará inviável”, destaca o ex-presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Para ele, algumas mudanças podem ser feitas sem a necessidade de uma nova emenda constitucional, como uma nova ampliação da idade mínima de acordo com o aumento da expectativa de vida dos brasileiros, que poderia ser feito por meio de um projeto de lei ordinária.
Ainda na avaliação do especialista da Câmara, o maior problema herdado com a reforma da Previdência foi a exclusão dos estados e municípios. “A emenda 103 trouxe avanços importantes, mas um retrocesso terrível que foi permitir que servidores de estados e municípios tenham regras diferentes dos servidores federais. Isso criou privilégios entre os entes federativos, porque 68% dos municípios não fizeram a reforma, além de seis estados e o Distrito Federal”, lamenta.
“Os deputados criaram essa diferenciação para não assumirem o desgaste da reforma junto ao funcionalismo, mas isso está contra o princípio constitucional da isonomia e está criando injustiças, além de problemas fiscais para as contas de estados e municípios”, acrescenta.
Distorções
O economista Fabio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), destaca que o debate da reforma da Previdência foi muito intenso e a proposta atacou uma das principais distorções, as aposentadorias precoces, mas o parâmetro está desatualizado e será inevitável uma nova revisão das idades mínimas devido ao aumento da expectativa de vida dos brasileiros.
“Os parâmetros precisam ser mais adequados à realidade demográfica do país, porque, desde o primeiro dia da aprovação da reforma, todo mundo sabia que haveria questões que precisavam ser tratadas pela sociedade mais cedo ou mais tarde. E a reforma indicou algumas dessas questões por mais 10 anos, mas o que aconteceu nos últimos anos, como a nova regra do salário mínimo, piorou a realidade das contas da Previdência novamente”, lamenta.
“O próximo governo vai ter que pensar em uma nova reforma da Previdência, inevitavelmente. Seria desejável que houvesse uma reforma em 2027, mas em 2031, ela será inevitável”, afirma. Mas para que essa nova reforma ocorra será preciso um novo debate prévio. “Hoje, não há ambiente. Não vai ter reforma, mas em 2031 as circunstâncias vão atropelar o fiscal.”
O economista Rogério Nagamine Costanzi, especialista em Previdência e pesquisador do FGV Ibre, reconhece que a reforma de 2019 foi importante para dar mais sustentabilidade ao sistema previdenciário, mas vários problemas não foram enfrentados, como o do deficit das aposentadorias rurais. Segundo ele, esse problema precisará ser encarado com o aumento da idade mínima para as aposentadorias rurais, algo que ficou de fora na última reforma, pois a expectativa de vida no campo é crescente e é maior do que nos centros urbanos.
Nagamine lembra que, no ano passado, de um deficit do RGPS de R$ 306,2 bilhões, cerca de R$ 177,2 bilhões foram provenientes da previdência rural e R$ 129 bilhões do setor urbano. “Ou seja, o rural respondeu por cerca de 58% do deficit total do RGPS. O problema do rural é que a arrecadação é muito pequena comparada com a despesa: gasto de cerca de R$ 186 bilhões, mas receita de apenas R$ 8,6 bilhões. A receita cobriu apenas 4,6% da despesa”, explica.
Pensionistas
Para o economista e consultor legislativo Pedro Fernando Nery, professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), não há necessidade de uma reforma grande a curto ou médio prazos. “A economia da reforma veio como esperado nesses últimos cinco anos: não permitiu o superavit primário, mas abriu espaço para uma boa expansão do gasto social, com forte queda da extrema pobreza com o novo Bolsa Família”, destaca.
Nery também reconhece que existe a pressão na questão dos benefícios de um salário mínimo, que não chegou a constar em nenhuma das propostas de emenda à Constituição (PEC) da reforma, tanto no governo Michel Temer quanto no governo Jair Bolsonaro. “Um ajuste simples na fórmula de valorização do salário mínimo, para corresponder melhor ao crescimento do PIB, resolve sem o trauma de mexer na Constituição para tratar da desvinculação”, sugere.
Na avaliação dele, houve avanço com os militares, com idades mínimas mais altas, tempo de serviço de 35 anos e aumento da tributação das pensionistas, “mas ficou faltando ajustar as pensões”. “Hoje, servidores e segurados do INSS se sujeitam à regra de cálculo da pensão dos 60%, com adicionais de 10% por dependente. Os militares são os únicos que ainda têm direito a 100%”, compara o consultor legislativo.
Descompasso entre receitas e despesas
O aumento crescente do rombo previdenciário é um dos principais motivos para que uma nova reforma seja necessária antes de 2030, pois o descompasso entre a receita e as despesas segue em expansão, de acordo com especialistas. Conforme os dados do Tesouro Nacional, no acumulado em 12 meses até agosto, as despesas com benefícios previdenciários cresceram 7,1%, em termos reais (descontada a inflação) para R$ 940 bilhões. Enquanto isso, a receita do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) avançou 5,1%, na mesma base de comparação, para R$ 638,3 bilhões. Enquanto isso, o deficit da Previdência somou R$ 239,6 bilhões no acumulado de janeiro a agosto — mais do que o dobro do rombo fiscal registrado no mesmo período de 2024, de R$ 100 bilhões.
A tendência, de acordo com os analistas, é de que o deficit previdenciário continue aumentando, podendo chegar a R$ 700 bilhões em 2040, ajudando, com isso, a ampliar o endividamento público.
Na avaliação do economista e especialista em Previdência Leonardo Rolim, consultor legislativo da Câmara dos Deputados, uma fiscalização mais apurada na concessão de benefícios será fundamental para a redução do deficit da Previdência. Segundo ele, medidas equivocadas, como o Atestmet, estão fazendo com que haja uma explosão na concessão de auxílios-doenças, que dispararam cerca de 70% neste ano em relação ao ano passado.
“As fraudes nos benefícios sempre existiram, mas ficou mais fácil forjar um atestado no sistema e isso precisará ser combatido como uma das formas de controle de despesas”, alerta Rolim, que foi presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no governo anterior. “Se houver uma boa gestão e combate às fraudes das despesas indevidas do INSS, seria possível economizar de R$ 25 bilhões a R$ 35 bilhões por ano”, afirma.
Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos, também aponta as fraudes na Previdência como um dos problemas que precisam ser combatidos pelo governo de forma mais transparente, uma vez que reflete em riscos para a sustentabilidade da dívida pública. Vale lembrar que, pelas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2025, a dívida pública bruta do Brasil passará de 90% do PIB — patamar insustentável para países emergentes. Não à toa, o dólar segue em alta e voltou a ficar acima de R$ 5,70, em grande parte, devido ao aumento da desconfiança na capacidade do governo em conseguir equilibrar as contas públicas, destaca Barros, da ARX. “As incertezas estão aumentando e, infelizmente, não estamos vendo transparência nos números que o governo tem mostrado de que está passando um pente-fino nos benefícios”, acrescenta.
“Além do problema do deficit fiscal, a falta de transparência na concessão desses benefícios também é um fator de risco soberano, pois gera um buraco difícil de ser tapado”, alerta Barros. Para ele, não há como o novo arcabouço fiscal se manter em pé com o forte aumento das despesas previdenciárias.
O economista Rogério Nagamine Costanzi destaca também que um outro problema que está sendo criado para a Previdência é a aposentadoria do Microempreendedor Individual (MEI) que, pelas contas dele, deverá gerar um deficit de R$ 729 bilhões no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) nos próximos 40 anos.
“A exclusão dos servidores estaduais e municipais da reforma da Previdência também é um das principais questões a ser enfrentada, pois dois em cada três municípios ainda não fizeram a reforma”, ressalta Nagamine.
De acordo com o especialista, uma nova reforma da Previdência vai ter resistências, como tem ocorrido em vários países. “Mas, na verdade, é preciso pensar sobre o peso da não reforma para as gerações futuras para financiar o sistema de aposentadorias. Sem ela, seria preciso uma alíquota de 70% sobre a folha de pagamentos em 2060 para custear a Previdência, o que ficaria muito pesado”, explica. Ele reconhece que muitos jovens sequer têm preocupação com a aposentadoria e até mesmo uma queda de jovens contribuindo para a Previdência, de forma geral. “As pessoas geralmente começam a se preocupar com aposentadoria aos 40 anos”, acrescenta.
O economista Fábio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), frisa ainda que a ampliação da base de pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) é outro fator de desequilíbrio nas contas da Previdência. “Não é preciso ser um especialista para saber que há alguma coisa errada e, portanto, é preciso colocar uma lupa sobre as concessões desses benefícios, porque as contas estão ficando muito salgadas”, alerta.
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A reforma da Previdência completa cinco anos no mês que vem e o consenso entre especialistas ouvidos pelo Correio é de que uma nova mudança no sistema de aposentadorias será inevitável, antes mesmo do que se imaginava. Segundo eles, devido aos gastos durante a pandemia da covid-19 e ao retorno do aumento real do salário mínimo — que voltou a ser corrigido acima da inflação desde 2023 pelo atual governo, alavancando as despesas com benefícios em geral —, os ganhos da última reforma foram praticamente anulados e será preciso buscar soluções para evitar um colapso do sistema previdenciário nas próximas décadas.
Além disso, a demografia também joga contra, pois o ritmo de envelhecimento da população brasileira é bem maior do que o de países europeus. Não à toa, se novas mudanças não forem feitas, como o aumento da idade mínima das aposentadorias rurais e alguma diferenciação entre os que contribuem e recebem um salário mínimo e aqueles que não contribuem e recebem o mesmo valor em benefícios, os riscos de insustentabilidade do sistema são crescentes. De acordo com os analistas, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dificilmente recuará na decisão de conceder aumento real no salário mínimo — uma das promessas de campanha em 2022 —, será inevitável para quem vencer as próximas eleições em 2026 buscar soluções para equilibrar as contas da Previdência, pois elas seguem deficitárias e com rombos crescentes que afetam diretamente o aumento da dívida pública do país.
Sancionada em 12 de novembro de 2019, a Emenda Constitucional 103, que instituiu a nova reforma da Previdência, ampliou de 60 para 65 anos a idade mínima de aposentadoria para os homens e, para as mulheres, para 62 anos. E como a expectativa de vida do brasileiro segue aumentando e a taxa de fecundidade diminui, a tendência é que a população com idade para trabalhar não será suficiente para bancar o exército de aposentados que está se formando nas próximas décadas. E, nesse processo, militares e aposentadorias rurais, que ficaram de fora da reforma anterior, estarão na mira das futuras mudanças, mas elas dependerão da vontade política de quem estiver no poder.
“Uma nova reforma será preciso o quanto antes, mas ela não precisará ser tão agressiva como foi a de 2019. Contudo, será necessário pensar em aumentar as idades mínimas novamente da população, caminhando, gradativamente, para 66 ou 67 anos, além de mexer na Previdência dos militares, no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e na desvinculação do salário mínimo da Previdência. Isso ajudaria a manter o deficit previdenciário em 3% do PIB ao longo das próximas décadas”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. “Uma nova reforma será importante para evitar que o sistema piore ainda mais”, reforça. Contudo, Vale reconhece que não existe uma forma de reverter as contas da Previdência para superavitárias, assim como as contas públicas, que seguem no vermelho, pelo menos até 2030. “A dúvida é se, dada a necessidade de um novo regime fiscal, em 2027, se o próximo governo terá força política para fazer tudo que se precisa”, reforça o economista da MB.
Conforme as mais recentes projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), tradicionalmente considerado mais otimista do que o mercado, o governo continuará registrando rombos fiscais até 2029. E, de acordo com as projeções do governo que constam no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, as despesas com benefícios previdenciários seguem crescendo de forma mais forte a partir de 2029, atingindo 15,80% do produto interno bruto (PIB) em 2100.
De acordo com estimativas do especialista em contas públicas Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos, os ganhos obtidos com a última reforma, em torno de R$ 800 bilhões ao longo de 10 anos, praticamente evaporaram na metade desse período devido ao aumento de gastos públicos durante a pandemia da covid-19. “O governo anterior gastou na pandemia R$ 600 bilhões e no de agora, com a volta da política de valorização do salário mínimo, o saldo de R$ 200 bilhões foi quase totalmente consumido. Portanto, parece razoável dizer que todo o ganho da reforma já foi consumido nesses cinco anos”, frisa. Na avaliação de Barros é preciso falar em uma nova reforma da Previdência até 2030.
O economista e especialista em Previdência Leonardo Rolim reconhece que a reforma ajudou a adiar o colapso do sistema, mas não evitou que o rombo do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) encolhesse. “Sem a reforma, o deficit da Previdência chegaria em 10% do PIB antes de 2050 e, agora, pelas projeções do PLDO, esse cenário passou para 2100, mas muitas coisas que precisavam estar na reforma foram retiradas, como a capitalização, porque, com a demografia, o sistema de repartição simples da Previdência ficará inviável”, destaca o ex-presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Para ele, algumas mudanças podem ser feitas sem a necessidade de uma nova emenda constitucional, como uma nova ampliação da idade mínima de acordo com o aumento da expectativa de vida dos brasileiros, que poderia ser feito por meio de um projeto de lei ordinária.
Ainda na avaliação do especialista da Câmara, o maior problema herdado com a reforma da Previdência foi a exclusão dos estados e municípios. “A emenda 103 trouxe avanços importantes, mas um retrocesso terrível que foi permitir que servidores de estados e municípios tenham regras diferentes dos servidores federais. Isso criou privilégios entre os entes federativos, porque 68% dos municípios não fizeram a reforma, além de seis estados e o Distrito Federal”, lamenta.
“Os deputados criaram essa diferenciação para não assumirem o desgaste da reforma junto ao funcionalismo, mas isso está contra o princípio constitucional da isonomia e está criando injustiças, além de problemas fiscais para as contas de estados e municípios”, acrescenta.
Distorções
O economista Fabio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), destaca que o debate da reforma da Previdência foi muito intenso e a proposta atacou uma das principais distorções, as aposentadorias precoces, mas o parâmetro está desatualizado e será inevitável uma nova revisão das idades mínimas devido ao aumento da expectativa de vida dos brasileiros.
“Os parâmetros precisam ser mais adequados à realidade demográfica do país, porque, desde o primeiro dia da aprovação da reforma, todo mundo sabia que haveria questões que precisavam ser tratadas pela sociedade mais cedo ou mais tarde. E a reforma indicou algumas dessas questões por mais 10 anos, mas o que aconteceu nos últimos anos, como a nova regra do salário mínimo, piorou a realidade das contas da Previdência novamente”, lamenta.
“O próximo governo vai ter que pensar em uma nova reforma da Previdência, inevitavelmente. Seria desejável que houvesse uma reforma em 2027, mas em 2031, ela será inevitável”, afirma. Mas para que essa nova reforma ocorra será preciso um novo debate prévio. “Hoje, não há ambiente. Não vai ter reforma, mas em 2031 as circunstâncias vão atropelar o fiscal.”
O economista Rogério Nagamine Costanzi, especialista em Previdência e pesquisador do FGV Ibre, reconhece que a reforma de 2019 foi importante para dar mais sustentabilidade ao sistema previdenciário, mas vários problemas não foram enfrentados, como o do deficit das aposentadorias rurais. Segundo ele, esse problema precisará ser encarado com o aumento da idade mínima para as aposentadorias rurais, algo que ficou de fora na última reforma, pois a expectativa de vida no campo é crescente e é maior do que nos centros urbanos.
Nagamine lembra que, no ano passado, de um deficit do RGPS de R$ 306,2 bilhões, cerca de R$ 177,2 bilhões foram provenientes da previdência rural e R$ 129 bilhões do setor urbano. “Ou seja, o rural respondeu por cerca de 58% do deficit total do RGPS. O problema do rural é que a arrecadação é muito pequena comparada com a despesa: gasto de cerca de R$ 186 bilhões, mas receita de apenas R$ 8,6 bilhões. A receita cobriu apenas 4,6% da despesa”, explica.
Pensionistas
Para o economista e consultor legislativo Pedro Fernando Nery, professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), não há necessidade de uma reforma grande a curto ou médio prazos. “A economia da reforma veio como esperado nesses últimos cinco anos: não permitiu o superavit primário, mas abriu espaço para uma boa expansão do gasto social, com forte queda da extrema pobreza com o novo Bolsa Família”, destaca.
Nery também reconhece que existe a pressão na questão dos benefícios de um salário mínimo, que não chegou a constar em nenhuma das propostas de emenda à Constituição (PEC) da reforma, tanto no governo Michel Temer quanto no governo Jair Bolsonaro. “Um ajuste simples na fórmula de valorização do salário mínimo, para corresponder melhor ao crescimento do PIB, resolve sem o trauma de mexer na Constituição para tratar da desvinculação”, sugere.
Na avaliação dele, houve avanço com os militares, com idades mínimas mais altas, tempo de serviço de 35 anos e aumento da tributação das pensionistas, “mas ficou faltando ajustar as pensões”. “Hoje, servidores e segurados do INSS se sujeitam à regra de cálculo da pensão dos 60%, com adicionais de 10% por dependente. Os militares são os únicos que ainda têm direito a 100%”, compara o consultor legislativo.
Descompasso entre receitas e despesas
O aumento crescente do rombo previdenciário é um dos principais motivos para que uma nova reforma seja necessária antes de 2030, pois o descompasso entre a receita e as despesas segue em expansão, de acordo com especialistas. Conforme os dados do Tesouro Nacional, no acumulado em 12 meses até agosto, as despesas com benefícios previdenciários cresceram 7,1%, em termos reais (descontada a inflação) para R$ 940 bilhões. Enquanto isso, a receita do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) avançou 5,1%, na mesma base de comparação, para R$ 638,3 bilhões. Enquanto isso, o deficit da Previdência somou R$ 239,6 bilhões no acumulado de janeiro a agosto — mais do que o dobro do rombo fiscal registrado no mesmo período de 2024, de R$ 100 bilhões.
A tendência, de acordo com os analistas, é de que o deficit previdenciário continue aumentando, podendo chegar a R$ 700 bilhões em 2040, ajudando, com isso, a ampliar o endividamento público.
Na avaliação do economista e especialista em Previdência Leonardo Rolim, consultor legislativo da Câmara dos Deputados, uma fiscalização mais apurada na concessão de benefícios será fundamental para a redução do deficit da Previdência. Segundo ele, medidas equivocadas, como o Atestmet, estão fazendo com que haja uma explosão na concessão de auxílios-doenças, que dispararam cerca de 70% neste ano em relação ao ano passado.
“As fraudes nos benefícios sempre existiram, mas ficou mais fácil forjar um atestado no sistema e isso precisará ser combatido como uma das formas de controle de despesas”, alerta Rolim, que foi presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no governo anterior. “Se houver uma boa gestão e combate às fraudes das despesas indevidas do INSS, seria possível economizar de R$ 25 bilhões a R$ 35 bilhões por ano”, afirma.
Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos, também aponta as fraudes na Previdência como um dos problemas que precisam ser combatidos pelo governo de forma mais transparente, uma vez que reflete em riscos para a sustentabilidade da dívida pública. Vale lembrar que, pelas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2025, a dívida pública bruta do Brasil passará de 90% do PIB — patamar insustentável para países emergentes. Não à toa, o dólar segue em alta e voltou a ficar acima de R$ 5,70, em grande parte, devido ao aumento da desconfiança na capacidade do governo em conseguir equilibrar as contas públicas, destaca Barros, da ARX. “As incertezas estão aumentando e, infelizmente, não estamos vendo transparência nos números que o governo tem mostrado de que está passando um pente-fino nos benefícios”, acrescenta.
“Além do problema do deficit fiscal, a falta de transparência na concessão desses benefícios também é um fator de risco soberano, pois gera um buraco difícil de ser tapado”, alerta Barros. Para ele, não há como o novo arcabouço fiscal se manter em pé com o forte aumento das despesas previdenciárias.
O economista Rogério Nagamine Costanzi destaca também que um outro problema que está sendo criado para a Previdência é a aposentadoria do Microempreendedor Individual (MEI) que, pelas contas dele, deverá gerar um deficit de R$ 729 bilhões no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) nos próximos 40 anos.
“A exclusão dos servidores estaduais e municipais da reforma da Previdência também é um das principais questões a ser enfrentada, pois dois em cada três municípios ainda não fizeram a reforma”, ressalta Nagamine.
De acordo com o especialista, uma nova reforma da Previdência vai ter resistências, como tem ocorrido em vários países. “Mas, na verdade, é preciso pensar sobre o peso da não reforma para as gerações futuras para financiar o sistema de aposentadorias. Sem ela, seria preciso uma alíquota de 70% sobre a folha de pagamentos em 2060 para custear a Previdência, o que ficaria muito pesado”, explica. Ele reconhece que muitos jovens sequer têm preocupação com a aposentadoria e até mesmo uma queda de jovens contribuindo para a Previdência, de forma geral. “As pessoas geralmente começam a se preocupar com aposentadoria aos 40 anos”, acrescenta.
O economista Fábio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), frisa ainda que a ampliação da base de pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) é outro fator de desequilíbrio nas contas da Previdência. “Não é preciso ser um especialista para saber que há alguma coisa errada e, portanto, é preciso colocar uma lupa sobre as concessões desses benefícios, porque as contas estão ficando muito salgadas”, alerta.
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