O papa Francisco faleceu nesta segunda-feira, 21 de abril, os 88 anos, em Roma, às 07h35, informou o Vaticano. O pontífice, aclamado por trazer um sopro de renovação à Igreja Católica, lutou com uma série de problemas de saúde nos últimos anos, especialmente nos últimos dois meses, acometido de uma pneumonia dupla. Depois de 38 dias internado no Hospital Gemelli, em Roma, ele havia voltado ao Vaticado havia 20 dias. Ontem, domingo de Páscoa, apareceu de surpresa na Praça São Pedro. O cansaço lhe venceu.
Desde que foi escolhido como papa, em 2013, o argentino ficou internado por diversas vezes, especialmente em razão de problemas respiratórios. No começo de fevereiro deste ano, ele foi diagnosticado com bronquite, motivo que levou à falta de ar na homilia na Praça São Pedro, pedindo para que um padre lesse o final de seu discurso. “Eu, com minha bronquite, ainda não consigo [ler]“, explicou Francisco. “Espero que da próxima vez eu consiga.”
Desde os 21 anos, o papa vivia sem parte de um dos pulmões, que precisou remover devido a cistos, o que agravou sua vulnerabilidade.
Em maio do ano passado, o pontífice tentou aplacar as preocupações com o seu estado de saúde. Apesar de também ter sido hospitalizado em 2023 devido a problemas no intestino e de sofrer com outros problemas de saúde, como mobilidade reduzida (ele usava bengala e, muitas vezes, cadeira de rodas) e resfriados, ele escreveu em sua autobiografia que tinha uma “boa saúde”, acrescentando: “Se Deus quiser, ainda há muitos projetos a realizar”.
Na obra Vida: Minha História Através da História, ele também sanou as dúvidas sobre o que faria caso precisasse abdicar por questões de saúde, adiantando que já havia assinado “no início do pontificado a carta com a renúncia que está depositada na Secretaria de Estado”. Ele explicou, ainda, que não desejava ser chamado de Papa Emérito, mas simplesmente Bispo Emérito de Roma. Apesar de tudo, mais uma vez, reforçou a ideia de que retirar o Anel do Pescador de seu dedo antes da morte era quase impossível.
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Francisco completou dez anos de pontificado em março de 2023, marcando um período de relevância histórica da Igreja Católica – sobretudo para uma instituição cujos movimentos são lentíssimos, atrelados a dogmas. O argentino Jorge Mario Bergoglio não pavimentou revoluções ao pé da letra, mas trouxe um sopro de renovação que não se via, talvez, desde o Concílio Vaticano II, promovido por João XXIII nos anos 1960.
O papa do fim do mundo, das favelas de Buenos Aires, do confronto com a ditadura militar argentina, tinha um ideário muito nítido, traduzido por sua retórica, minuciosamente atrelada a temas delicados para o catolicismo.
Escutando o zeitgeist, adotou como bandeira a defesa do meio ambiente, condenando o antropocentrismo moderno na encíclica Laudato Si’, que coloca o ser humano como senhor da natureza.
Em uma briga mais recente, posicionou-se contra as políticas imigratórias pregadas pelo presidente americano, Donald Trump, dizendo que criminalizar migrantes e tomar decisões baseadas na força “terminará mal”.
“O que é construído com base na força, e não na verdade sobre a igual dignidade de todo ser humano, começa mal e terminará mal”, disse o pontífice no texto, que parecia também uma resposta indireta à defesa às deportações feita pelo vice-presidente JD Vance — católico, ele defendeu a repressão imigratória citando um conceito teológico católico antigo conhecido como “ordo amoris”, ou “ordem do amor”, para sugerir que os católicos devem dar prioridade aos não imigrantes.
Em sua carta aberta, Francisco disse que “a verdadeira ‘ordo amoris’ que deve ser promovida (…) meditando sobre o amor que constrói uma fraternidade aberta a todos, sem exceção”.
Também declarou em entrevista que ser “homossexual não é crime” e admitiu o divórcio (“Existem casos em que a separação é inevitável”). O vaticanista Marco Politi avaliou que “ele acabou com a demonização da homossexualidade, com os debates sobre relações extraconjugais ou sobre contraceptivos (…) tudo isso saiu da primeira página”.
Em sua toada modernizadora, para arejar a Igreja Católica e atrair mais fiéis, desestimulou as missas em latim, destituiu prelados influentes sob a acusação de desvio de dinheiro, deu poder a laicos e condenou o clericalismo exacerbado. Foi também o primeiro a dar certo protagonismo às mulheres em importantes assembleias e cargos altos.
Além disso, promoveu amplas reformas nas finanças do Vaticano, dando transparência às investigações sobre a cúpula da Igreja. Em 2012, avalizou o indiciamento do cardeal Angelo Becciu, no topo da hierarquia da Santa Sé, e de mais nove pessoas, todas ligadas a um esquema de propinas e desvio de dinheiro que causou prejuízo de milhões de euros às economias do Vaticano – envolvendo desde a aquisição de um prédio comercial em área nobre de Londres até comprinhas em lojas de grifes de luxo, como Prada e Louis Vuitton.
Para encerrar de vez vantagens imobiliárias, Francisco decidiu ainda acabar com o aluguel gratuito para bispos e cardeais, o que também mira a redução de custos.
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Mexeu ainda num vespeiro milenar – a sensível crise de acusações de abuso sexual de menores, que custou à Igreja danos maciços à credibilidade e bilhões de dólares em acordos com as vítimas. Francisco criou uma comissão para proteção de menores, atualizou o Código Penal do Vaticano com diretrizes sobre a punição de tais crimes e, em 2022, ordenou uma auditoria anual para avaliar as medidas implementadas em igrejas locais para proteger crianças.
“Francisco foi um papa de seu tempo, e não tinha medo de se envolver com as realidades da vida cotidiana e tentar tornar a Igreja publicamente relevante”, avalia Michele Dillon, autora do livro Catolicismo pós-secular: relevância e renovação.
Os grupos da Cúria que desejam deixar tudo onde está e sempre esteve, porque a Igreja exige tradição, ficaram incomodados, claro. Francisco deixa neste plano, também, a inimizade de clérigos conservadores, que o acusaram sucessivamente de diluir os ensinamentos católicos em troca de um abraço barato.
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Embora venha do país do peronismo, a agenda de Francisco nada tinha a ver com popularidade, e sim com a sobrevivência da religião.
Enquanto aumenta a lacuna entre o que a Igreja prega e o que os fiéis realmente pensam e fazem, o catolicismo está em declínio. A população católica caiu de 70% em 2010 para 57% em 2020 na América Latina, segundo o Latinobarómetro. Nos Estados Unidos, a queda foi de 73% a 58% no mesmo período. O número bruto de católicos continua crescendo com a população mundial, mas a Europa, na direção contrária, perdeu 300 mil fiéis em 2022.
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Ao contrário dos antecessores, que colocaram a doutrina acima de tudo e reprimiram dissidências, o atual pontífice tentou construir uma Igreja inclusiva, para receber de volta ao rebanho fiéis geográfica e ideologicamente alienados. Para isso, ocupou com senso de urgência 83 das 132 vagas para cardeais, responsáveis por eleger o próximo papa, com figuras que refletem seu estilo pastoral e prioridades.
O papa Francisco pode ter morrido, mas criou os alicerces para que seu importante legado continue.
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