O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se reuniu nesta segunda-feira com seu homólogo salvadorenho, Nayib Bukele, na Casa Branca. O encontro ocorreu enquanto sua administração intensifica o uso de uma prisão de alta segurança em El Salvador para deter migrantes deportados do território americano, apesar das objeções de alguns juízes, e teve importância simbólica, já que foi a primeira visita oficial de um presidente do hemisfério ocidental sob o novo governo do republicano.
Ao lado de Trump no Salão Oval, Bukele começou o encontro dizendo que sabia que os EUA enfrentavam “um problema de criminalidade e um problema de terrorismo”. O salvadorenho elogiou a abordagem do republicano em relação à imigração e à fronteira, o que já era esperado, mas também se uniu a Trump para criticar políticos que apoiam a participação de atletas transgêneros em esportes femininos. Ele ainda fez uma piada dizendo que sua equipe não conta com funcionários contratados por políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI).
Trump, por sua vez, afirmou que está aberto à ideia de enviar cidadãos americanos condenados por crimes violentos para a prisão em El Salvador, reproduzindo uma reação semelhante a que teve quando o líder salvadorenho fez a proposta pela primeira vez, em fevereiro.
Era esperado que, com a visita, Trump buscasse alinhar-se à postura severa de Bukele contra o crime – algo que impulsionou a popularidade do líder salvadorenho mesmo diante de críticas de organizações de direitos humanos. A reunião também ocorreu enquanto o governo contesta uma decisão judicial que ordena o retorno aos EUA de Abrego Garcia, 29, um homem deportado ilegalmente no mês passado. Durante o encontro, Bukele afirmou que não o enviará de volta nem o libertará, equiparando a medida a devolver um terrorista para os Estados Unidos.
O governo tem resistido a reverter o caso, apesar de admitir que sua deportação foi um “erro administrativo”. Em 2019, um juiz de imigração proibiu os EUA de deportar Garcia, considerando que ele poderia enfrentar violência ou tortura se fosse enviado a El Salvador. Ainda assim, ele foi deportado em março junto de mais de 230 migrantes que, segundo a administração, pertenciam a gangues violentas como a MS-13, designada por Trump como organização terrorista estrangeira.
Embora alguns deles tivessem condenações criminais, documentos judiciais mostram que as provas usadas pela administração para rotular os migrantes como membros de organizações criminosas muitas vezes se limitavam a terem tatuagens ou vestirem roupas associadas a gangues. Ainda assim, a Suprema Corte americana votou por 5 a 4 na semana passada para permitir a continuidade das deportações, derrubando uma ordem de instância inferior que as havia interrompido.
A parada de Bukele em Washington também ajuda a desviar a atenção das políticas comerciais de Trump, que causaram forte volatilidade nos mercados. E faz parte de uma iniciativa dos EUA para atuar de forma mais ativa na América Latina, com o secretário do Tesouro, Scott Bessent, viajando à Argentina nesta segunda-feira – e o secretário de Defesa, Pete Hegseth, falando em recuperar a influência na região, definida por ele como “quintal” dos Estados Unidos.
Mais cedo, o vice-chefe de gabinete da Casa Branca, Stephen Miller, disse que ainda havia milhares de membros de gangues nos EUA e que uma parte deles seria enviada a El Salvador, destacando que “não há um limite máximo para o acordo” com o país. Mesmo após repetidas perguntas de repórteres, Miller não quis dizer se o governo pediria a Bukele para enviar Abrego Garcia de volta aos Estados Unidos.
— Ele é salvadorenho. Ele é um imigrante ilegal. Foi deportado para El Salvador. Eu gostaria que alguém aqui me dissesse para qual país acham que deveríamos enviar imigrantes ilegais salvadorenhos — disse.
Enquanto Trump se reunia com Bukele, dezenas de manifestantes protestavam em frente à Casa Branca contra as deportações do governo americano para El Salvador. Alguns seguraram cartazes pedindo que o governo devolva o homem enviado ilegalmente para a prisão.
Em apenas uma década, El Salvador passou da capital mundial dos assassinatos para se tornar uma nação onde o encarceramento em massa e o policiamento linha-dura trouxeram paz às ruas. A transformação foi tão significativa que agora os EUA consideram o país mais seguro que a França ou o Reino Unido. Apensar de relatos sobre a brutalidade contra detidos e a falta do devido processo legal, Bukele conseguiu exportar seu modelo de segurança para líderes latino-americanos com ideias semelhantes – e conquistar Trump como parceiro e admirador.
— El Salvador se tornou um símbolo das políticas mais draconianas possíveis — disse Michael Paarlberg, professor de ciência política da Universidade de Virginia, que estuda El Salvador. — Simplesmente tê-los lado a lado, tirando fotos, será politicamente valioso para ambos.
Em Bukele, que já se autodenominou o “ditador mais legal do mundo”, Trump encontrou um parceiro disposto em seu plano de deportações em massa. El Salvador tem a maior taxa de encarceramento per capta do mundo, mais que o triplo dos EUA. A população carcerária disparou e a taxa de homicídios despencou depois que o líder salvadorenho implementou o estado de emergência no país para prender dezenas de milhares de supostos membros de gangues. Essa continua sendo sua principal realização desde que assumiu a Presidência, em 2019.
A ascensão de Bukele já vinha se desenhando há anos, impulsionada por seu talento para relações públicas, que lhe rendeu fama internacional – primeiro pela adoção do Bitcoin, depois por sua abordagem contra o crime e por desafiar os limites constitucionais de seu poder. Ele chegou a enviar o Exército para ocupar o Congresso de El Salvador, enquanto parlamentares de seu partido ajudaram a destituir o procurador-geral e juízes da Suprema Corte – algo que ressoa com Trump, que chegou a pedir o impeachment de um juiz que se opôs às suas deportações.
— Ele (Bukele) está resolvendo muitos problemas que nós, sinceramente, não conseguiríamos resolver do ponto de vista financeiro. Ele tem sido incrível — disse Trump a repórteres no domingo, acrescentando que não vê violações de direitos humanos nas prisões salvadorenhas.
O secretário de Estado americano, Marco Rubio, visitou El Salvador em fevereiro, como parte de sua primeira viagem ao exterior desde que assumiu o cargo. Na ocasião, ele elogiou a “amizade extraordinária” do salvadorenho ao se oferecer para encarcerar pessoas consideradas perigosas pelos Estados Unidos, afirmando que “ninguém jamais fez uma oferta assim”. Rubio ressaltou o ineditismo de “terceirizar, a uma fração do custo, alguns dos criminosos mais violentos dos EUA”.
El Salvador agora é parte central da agenda migratória da administração Trump, que, após enviar centenas de migrantes para o país em março, deportou outras dez pessoas no fim último fim de semana. No mês passado, a secretária de Segurança Interna dos EUA, Kristi Noem, visitou a prisão salvadorenha e usou os detentos enjaulados como cenário para um vídeo publicado nas redes sociais em que alertava aos migrantes: “Saibam que esta instalação é uma das ferramentas do nosso arsenal que usaremos se vocês cometerem crimes contra o povo americano”.
Um grupo de democratas do Congresso, incluindo Jim McGovern, de Massachusetts, enviou uma carta a Rubio na última sexta-feira pedindo mais informações sobre o acordo que ele negociou com Bukele em fevereiro, expressando preocupação de que os EUA possam estar envolvidos em “graves violações de direitos humanos”.
— Direitos humanos, normas democráticas e o Estado de Direito praticamente desapareceram em El Salvador — disse Amanda Strayer, assessora sênior para responsabilização do Human Rights First. — Os Estados Unidos deveriam responsabilizar o governo de Bukele por essas graves violações, mas, em vez disso, a administração Trump está se aproximando e copiando o manual autoritário de Bukele, prendendo pessoas sem provas, negando-lhes qualquer devido processo legal e fazendo-as desaparecer indefinidamente em prisões salvadorenhas.
Estima-se que haja cerca de 750 mil salvadorenhos indocumentados nos EUA — a maior população de imigrantes não autorizados depois dos mexicanos, segundo um estudo publicado no ano passado pelo Pew Research Center. (Com Bloomberg e New York Times)
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