Com a sanção da Lei dos Bioinsumos, no fim do ano passado, os agricultores que utilizam esse tipo de fertilizantes ou pesticidas estão no caminho da segurança jurídica, de acordo com Reginaldo Minaré, diretor-executivo da Associação Brasileira de Bioinsumos (ABBIns).
O mercado de pesticidas movimenta cerca de US$ 20 bilhões por ano no país e o bioinsumo deve representar 20% desse montante, neste ano, pelas projeções de Minaré. “A expectativa é que nos próximos cinco, seis anos, isso se aproxime dos 50% do valor de mercado”, afirmou ele, ontem, em entrevista aos jornalistas Roberto Fonseca e Ronayre Nunes, no programa CB.Agro — parceria do Correio com a TV Brasília.
O especialista ressalta que, com essa nova regra, os bioinsumos não serão mais considerados agrotóxicos e o país poderá se destacar nesse mercado. “O caminho normativo está pavimentado com garantia jurídica. A lei estabelece que, até que a regulamentação esteja pronta, o agricultor poderá continuar com as suas práticas, tal qual ele fazia até o ano passado”, explicou Minaré. A seguir, os principais trechos da entrevista:
O que esperar da Lei dos Bioinsumos e quais os benefícios que ela vai trazer para o campo?
O primeiro ponto é que separou os bioinsumos dos pesticidas químicos, no que diz respeito ao controle de pragas. Então você retirou os conceitos de bioinsumos da lei dos agrotóxicos, e colocou toda dentro de uma lei específica. Então, bioinsumo não é mais agrotóxico. O segundo ponto é que pavimentou o caminho normativo, tanto para a indústria que produz bioinsumos, quanto para o agricultor que produz bioinsumos para uso próprio em sua propriedade. Então o caminho normativo está pavimentado com garantia jurídica. A lei estabelece que, até que a regulamentação esteja pronta, o agricultor poderá continuar com as suas práticas, tal qual ele fazia até o ano passado. Então ele continua podendo multiplicar os seus bioinsumos, a indústria continua a produzir e vender os seus bioinsumos, utilizando a estrutura normativa que até então regulamentou esse tema para a indústria. A partir da regulamentação, aí sim, todos deverão seguir também o que for objeto de regulamentação.
Isso vai ficar a cargo do Ministério da Agricultura?
O Ministério da Agricultura deverá publicar esse manual e, uma vez publicado, o agricultor terá até um ano para se adaptar. Então o agricultor tem aproximadamente dois anos para se adaptar a essa nova regra, no que diz respeito a como multiplicar os seus micro-organismos para uso próprio. Até lá, ele segue o que já estava sendo feito.
O que é o bioinsumo?
Quando falamos de bioinsumos, estamos nos referindo a uma série de produtos. Um dos mais conhecidos são os micro-organismos que podem combater um fungo, podem combater doenças do solo. Outros têm função de fertilizar, que são os inoculantes que disponibilizam nitrogênio para as plantas. Eles se instalam nas raízes das plantas, se alimentam de algumas substâncias ali das raízes, formam um nódulo e, em contrapartida, ele oferta nitrogênio para as plantas. E, aí, o agricultor não precisa utilizar a ureia, o fertilizante químico nitrogenado. Vários micro-organismos são utilizados como bioinsumos para o controle de pragas e também para a fertilização. E existem também os macro-organismos. Por exemplo, a joaninha é um bioinsumo.
Como assim?
Ela se alimenta de pulgões e, portanto, ajuda a combater os pulgões. Além disso, há também os fertilizantes naturais, como, por exemplo, o esterco de gado, que é um bioinsumo. Tem um caso extremamente curioso, que é uma bactéria, a Bacillus Thuringiensis. Ela ataca os intestinos das lagartas e não deixa elas comerem aqueles primeiros grãos da espiga de milho. A indústria de biotecnologia pegou a sequência do gene dessa bactéria, que produz essa proteína que ataca o intestino das lagartas, e colocou na planta do milho. Para os animais e humanos, isso não tem nenhum problema.
A nova lei aborda a fiscalização?
No que diz respeito à utilização, o agricultor terá três portas para buscar material biológico para multiplicar. Ele pode comprar das indústrias que vão produzir inóculos de bioinsumos ou produtos prontos para uso. O agricultor poderá buscar, também, micro-organismos nos bancos de germoplasma credenciado pelo Ministério da Agricultura. A fiscalização ocorrerá nas indústrias que vão produzir, nos bancos de germoplasmas que devem vender esses inóculos, e também poderá ocorrer na agricultura onde o agricultor estará produzindo. O produtor vai ter um manual de boas práticas. Essa Lei tem uma interface muito grande com uma outra lei que foi publicada recentemente: a lei do autocontrole. Certamente, determinadas categorias de agricultores poderão optar por fazer um protocolo dentro do sistema de autocontrole para ser auditado pelo Ministério da Agricultura. A fiscalização poderá ocorrer de uma forma frequente ou esporádica, como acontece atualmente.
Como o Brasil está em comparação com outros países no mundo?
O Brasil é um líder na utilização de bioinsumos. Ninguém no planeta está utilizando tanto o bioinsumo quanto o agricultor brasileiro. O crescimento da adoção de bioinsumos no campo brasileiro, há alguns anos, frequenta a casa de dois dígitos, entre 12% e 16%. Algo em torno de, possivelmente, 13% a 14% da área plantada é tratada no Brasil com algum tipo de bioinsumo. E não estamos fazendo nada diferente do que o mundo está fazendo. Por exemplo, a Áustria, que tem ótimas empresas trabalhando com essa modalidade, vende os bioinsumos prontos para uso. Aquele agricultor que não quer ter o trabalho de produzir os bioinsumos na propriedade, ele compra pronto para uso e utiliza. O agricultor que, de repente, quer ter esse trabalho e economizar um pouco, ele compra o inóculo, um concentrado de microorganismos, que, na Áustria, eles chamam de cultura mãe. Essas empresas também fornecem um meio de cultura, que é o alimento para esses micro-organismos se multiplicarem. Uma vez multiplicado, o agricultor pega aquele caldo e pulveriza nas propriedades. Isso é feito também na Inglaterra, na Holanda, na Itália, no Japão, na Nova Zelândia, em Ohio, nos Estados Unidos, no México e no Brasil.
Um dos próximos temas que deve entrar em grande discussão na sociedade vai ser a edição gênica. Como isso vai funcionar em relação aos bioinsumos?
A ferramenta de edição de gene tem uma diferença muito grande no que diz respeito aos transgênicos no passado. Os transgênicos eram feitos dentro de uma lógica de erro e acerto que tentavam incluir no genoma de uma determinada planta um fragmento de um DNA de algo que naturalmente não chegaria lá. A edição de gene é precisa. O pesquisador observa o que ele quer construir dentro do genoma e ele não necessariamente precisa trazer algo externo. Dentro do próprio genoma daquela planta, daquela bactéria, daquele animal, ele pode encontrar aquilo que ele gostaria de fazer. Essa edição de gene é uma ferramenta precisa e rápida e de um custo menor. Efetivamente, vai ser uma ferramenta importante para a biotecnologia de uma forma geral, tanto na indústria farmacêutica, quanto na indústria agropecuária. E poderá, por exemplo, servir para potencializar um micro-organismo que expressa uma determinada proteína que controla um determinado inimigo da planta. Essa ferramenta já está sendo utilizada para diversas pesquisas em várias partes do mundo para produzir micro-organismos que vão potencializar o funcionamento desses bioinsumos.
Como está sendo feita a pesquisa aqui no Brasil?
No caso da agricultura, existem várias universidades federaos e a USP (Universidade de São Paulo) trabalhando dentro desse universo. Por exemplo, a Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, teve um papel gigantesco na produção de plantas com maior produtividade. Várias indústrias de sementes, principalmente na década de 1990, de 1980, surgiram de pesquisas da Universidade Federal de Viçosa. Também temos a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), trabalhando de forma isolada e autônoma e produzindo várias tecnologias. Você tem também grandes empresas desenvolvendo produtos nessa área. Nós, dentro da ABBIns, temos uma empresa com um centro de pesquisa aqui no Distrito Federal. Então, isso está muito bem no Brasil.
Quanto a área gira anualmente?
Temos uma perspectiva de em torno de 20% do mercado, em termos de valores, deveremos atingir esse ano. Por exemplo, no mercado de pesticidas, é o mercado anual de aproximadamente US$ 20 bilhões. Agora com o dólar alto, essa conta diminui, talvez US$ 15 bilhões, US$ 16 bilhões. Aproximadamente 20% vai ficar, neste ano, para os bioinsumos. Na área de fertilizantes também tem um mercado interessante de bioinsumos, talvez não nesse volume, mas um pouco menor, em torno de 10%. Mas a expectativa é que nos próximos cinco, seis anos, isso se aproxime dos 50% do valor de mercado.
*Estagiário sob a supervisão de Rosana Hessel
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