A inclusão de crianças e adolescentes nas escolas foi estabelecida em 1999 por meio do Decreto Federal nº 3.298, que assegurou que alunos com deficiências tenham os mesmos direitos dos demais. Quase 26 anos depois, além de outras normas criadas para melhorar o acesso e a permanência desses estudantes, o que se tem, entre PCDS, familiares, entidades representantes e relacionadas e o governo, é a falta de consenso.
Essa é uma questão que precisa ser solucionada no Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio de 2024 a 2034, que está em tramitação no Congresso Nacional.
Em 2008 foi criado, pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), o Atendimento Educacional Especializado (AEE). O mecanismo prevê assistência e garantia de acesso e permanência de estudantes com deficiências em escolas inclusivas. O AEE determina a existência de profissionais que auxiliem os alunos no contraturno das aulas para melhorar a absorção do aprendizado, o desenvolvimento de habilidades e socialização dos estudantes e as Salas de Recursos Multifuncionais (SRM).
A falta de consenso está justamente aí. Para uma alguns especialistas, as SRM geram segregação dos alunos típicos dos atípicos. Outros, acreditam que essa é uma forma de melhorar a convivência e o aprendizado dos alunos. De acordo com o Painel de Indicadores da Educação Especial, iniciativa Instituto Rodrigo Mendes, em parceria com o Instituto Unibanco e apoio do Centro Lemann, Todos Pela Educação e Unicef, no Brasil, apenas 22,9% das escolas básicas brasileiras contam com SRM.
O Correio quis saber a opinião dos verdadeiros protagonistas dessa história.
Adelita Laranjeiras Chaves Borges, 27, moradora do Jardim Botânico (DF), é diagnosticada com Transtorno do espectro autista (TEA) — condição neurológica caracterizado por comprometimento da interação social, da comunicação verbal e não verbal e do comportamento restrito e repetitivo) e Deficiência Intelectual. Para ela, a sala de recursos fez total diferença nos seus anos de escola. “Quando eu cheguei em Brasília, na época que era criança, fui alfabetizada na Sala de Recursos. Ela organizou a minha mente, me ajudou a aprender a escrever, ler e ter habilidade de me comunicar e interagir com as outras pessoas”, explicou. Para Adelita, a SRM foi um local de acolhimento porque sofreu bullying das crianças comuns na sua escola regular, onde nunca houve palestras explicando sobre as deficiências dos alunos matriculados. “Na sala de atendimento especializado fui muito acolhida e ajudada. Sofri bullying e o preconceito pela maioria dos meus colegas na sala de aula comum. Não lembro de nenhuma palestra e reunião sobre o bullying e preconceito. Todos da sala de recursos me ajudaram de alguma forma”, afirmou.
Margareth Kalil é mãe de três filhos diagnosticados com TEA, todos adultos, hoje. Os dois filhos mais velhos têm o grau mais leve do transtorno, já o caçula tem um grau mais avançado e precisa de acompanhamento para quase tudo. “Pedro sempre foi inserido em classe especial na Secretaria de Educação. Ele faz dentro de uma escola regular”, falou. Mas foi uma entidade que realmente ajudou o filho mais novo a se desenvolver, a Federação Nacional das Associações Pestalozzi (Fenapestalozzi). “Ensinaram ele a ir ao comércio, fazer compra. Tudo foi ensinado de uma forma muito específica para ele. E ele deu conta, eu acho que ele que o Pedro aprendeu muita coisa”, explica Margareth.
O outro lado
Há também quem diga que ainda falta muito para que o AEE seja bom, como especialização, por exemplo. A professora Maria, nome fictício, 55, trabalha na rede estadual do Rio de Janeiro e já trabalhou com alunos atípicos em escolas especiais e regulares. Para ela, a inclusão é ótima, mas precisa avançar em muitos quesitos. “Eu acredito na inclusão, mas eu não acredito na inclusão nessa escola que a gente tem hoje”, pontua. “Eu trabalhei em escola de educação especial e em escola regular que tinha crianças incluídas e o que existe, muitas vezes, é uma inclusão que dá certo porque o professor se desdobra. Não porque tenha um apoio real da escola, ou até mesmo, dos pais. É um idealismo da parte do professor”, lamentou.
Cláudia, nome fictício, 41, que é mediadora no AEE e tem um filho atípico, conta as dificuldades em trabalhar nessa posição. “Tornei-me AEE através de um concurso público no município do Rio de Janeiro. Sou formada em pedagogia, mas desde de que tomei posse do cargo, nunca fiz nenhuma capacitação presencial com prática, apenas curso na Plataforma Paulo Freire( Ead) com vídeos e questionário, o que não supre a necessidade do suporte que precisamos para lidar com nosso público alvo que são crianças e adolescentes PCD”, queixa-se.
Para seu filho, ela diz que a situação é ainda mais complicada. “Como mãe, eu adoeço cada dia um pouco mais. Meu filho não tem ninguém que fique com ele na sala, nem estagiário, nem mediador, nenhum suporte. Ele fica apenas duas horas na escola e não faz nada”, revelou. Para a profissional, faltam políticas públicas para melhorar a inclusão nas escolas.
Representante do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab), o advogado Edilson Barbosa explica que para cuidar de uma pessoa diagnosticada com TEA, é preciso lidar com várias questões. “É preciso saber a teoria e a prática. A história do autismo, os níveis de suporte, a relação com o profissional e família, hiperfoco, hipersensibilidade, barulho, restrição alimentar. É muito complexo. Não é pegar só um curso de fim de semana e dizer que está preparado. Tem que saber dos laudos e relatórios para acompanhar”, comentou.
Outra entidade que representa e auxilia crianças atípicas é a Fenapestalozzi. José Raimund Facion, conselheiro técnico-científico da federação e formado em psicologia pela Universidade de Münster, Alemanha em 1980 e com doutorado pelo Departamento de Psiquiatria Infantojuvenil pela mesma Universidade, comentou sobre falta de capacitação das pessoas concursadas para trabalharem com inclusão nas escolas. “As prefeituras do país todo estão fazendo concurso para temporários, vários se inscrevem, passam e agora vão lá acompanhar um aluno em condições de inclusão. Mas quem passou no concurso tem pouca idade, não sabe nem o nome próprio e vai acompanhar um aluno com atipicidade numa sala de aula? É claro que não pode dar certo.”
Política pública
Questionados sobre os cursos disponibilizados gratuitamente em seu site, o Ministério da Saúde afirmou que “os cursos foram oferecidos a profissionais de saúde, com foco na reabilitação de pessoas com deficiência, incluindo aquelas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), realizados através de um Termo de Execução Descentralizada entre o Ministério da Saúde e a Universidade Federal do Maranhão (UFMA)”.
Já o Ministério da Educação informou “tem, como uma de suas principais prioridades, investimentos em educação inclusiva de qualidade no país. Desde 2023, foram investidos R$ 439 mil para melhoria da infraestrutura escolar”.
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