Grupo é acusado de atacar o sistema eleitoral para insuflar crise institucional e sustentar tentativa de golpe
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A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começou nesta semana a julgar se aceita ou não a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o núcleo 4 da trama golpista, acusado de disseminar desinformação sobre o sistema eleitoral como parte de uma estratégia coordenada para manter Jair Bolsonaro (PL) no poder, mesmo após sua derrota nas urnas em 2022. A acusação atinge sete pessoas, entre elas cinco militares, um agente da Polícia Federal e o presidente do Instituto Voto Legal — contratado pelo PL para questionar a lisura das urnas. Caso a denúncia seja acolhida, eles passam à condição de réus e podem enfrentar até 46 anos de prisão por crimes que incluem tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
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O julgamento deste grupo não se restringe a um acerto de contas penal. Ele lança luz sobre a engrenagem digital da desinformação política e como ela foi mobilizada para corroer pilares institucionais. A denúncia, relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, argumenta que os acusados tinham ciência do plano maior e da eficácia de seus atos para “a promoção de instabilidade social e consumação da ruptura institucional”, conforme destacou o procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Essa não é uma acusação isolada. A denúncia sobre a tentativa de golpe foi fatiada em cinco núcleos distintos para facilitar a tramitação no Supremo. Até o momento, 14 denúncias já foram aceitas — inclusive contra Bolsonaro e integrantes do chamado “núcleo de gerentes”, que teria articulado ações golpistas após a eleição.
Fake news como arma política
A atuação do núcleo 4 exemplifica como as fake news deixaram de ser apenas uma distorção da verdade para se tornarem parte de uma arquitetura política deliberada. Não é a primeira vez que a democracia brasileira enfrenta esse tipo de ataque. Desde a redemocratização, o sistema eleitoral tem sido um pilar de estabilidade institucional, sendo constantemente aperfeiçoado e considerado internacionalmente confiável. A tentativa de minar sua credibilidade insere-se num contexto global de erosão democrática por meios digitais, como já observado na Hungria de Viktor Orbán ou nos Estados Unidos de Donald Trump — cujos aliados, aliás, inspiraram parte da retórica bolsonarista.
A filósofa política Hannah Arendt advertiu que o totalitarismo moderno nasce da destruição dos fatos e da substituição da realidade por ficções ideológicas (“As origens do totalitarismo”, 1951). O uso de desinformação contra as urnas brasileiras reproduz esse roteiro com inquietante fidelidade.
Militares e civis no ataque ao Estado de Direito
Entre os acusados do núcleo 4 estão militares de baixa patente, um policial federal e o presidente de um instituto que atuou como suporte técnico para a contestação das eleições. Essa mistura de agentes públicos e operadores civis evidencia uma articulação mais ampla, que se estende para além das fronteiras do bolsonarismo tradicional. Ao contrário do que sustentam os réus, a PGR afirma que havia coordenação entre os diversos núcleos e que todos agiam em sintonia com um plano central de ruptura institucional.
O STF tem atuado de forma incisiva nesses casos. A mudança regimental que transferiu o julgamento de ações penais para as turmas da Corte, aprovada em dezembro de 2023, foi uma tentativa de dar maior celeridade e efetividade às respostas jurídicas diante da gravidade dos fatos.
Consequências políticas e jurídicas
O desfecho deste julgamento pode reverberar por anos na política brasileira. Caso a denúncia seja aceita, abre-se caminho para a responsabilização penal do grupo, com potencial para desarticular redes ainda ativas de desinformação e fortalecer a institucionalidade democrática. Mais do que julgar crimes, o STF julga aqui uma estratégia de erosão do pacto democrático.
Como lembra o jurista Luís Roberto Barroso, atual presidente do Supremo, “democracias não morrem apenas com tanques nas ruas, mas também com mentiras que destroem a confiança nas instituições” (entrevista à Folha de S.Paulo, 10 out. 2022). O julgamento do núcleo das fake news é, portanto, um marco da resistência do Estado de Direito frente à tentativa de imposição da mentira como método político.
Quem são os denunciados do núcleo 4 da trama golpista
– Ailton Gonçalves Moraes Barros, major da reserva do Exército;
– Ângelo Martins Denicoli, major da reserva do Exército;
– Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, engenheiro e presidente do Instituto Voto Legal;
– Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente do Exército;
– Guilherme Marques de Almeida, tenente-coronel do Exército;
– Marcelo Araújo Bormevet, agente da Polícia Federal;
– Reginaldo Vieira de Abreu, coronel do Exército.
Alta hospitalar, queda política
Jair Bolsonaro (PL) recebeu alta hospitalar no último domingo, após complicações decorrentes de uma obstrução intestinal. Em casa, passa da dieta líquida à pastosa. Mas, fora dos boletins médicos, continua preso a uma condição muito mais grave: a internação prolongada na UTI da política. De ex-presidente influente, Bolsonaro caminha para se tornar um paciente crônico do sistema judicial brasileiro — com um prognóstico que, segundo aliados e adversários, aponta para a prisão antes do fim de 2025.
Enquanto recupera-se fisicamente, o ex-capitão trava batalhas em outras frentes: no Supremo Tribunal Federal e no Congresso Nacional. A cada nova ofensiva jurídica — como o julgamento desta semana que torna réus os integrantes do núcleo responsável por espalhar desinformação sobre as eleições de 2022 — seu isolamento político se aprofunda.
A escalada do desespero: ataque a Moraes e convocação de fiéis
Na porta do hospital, antes mesmo de retomar a alimentação sólida, Bolsonaro fez o que dele se espera: atacou o ministro Alexandre de Moraes e convocou uma nova manifestação pró-anistia, marcada para esta quarta-feira, em Brasília. Será a terceira tentativa pública de restaurar algum fôlego político — ou, no mínimo, demonstrar que ainda há devotos dispostos a caminhar ao seu lado, mesmo quando o caminho leva à porta de uma penitenciária.
No entanto, os gritos de guerra parecem não ecoar com a mesma força de outrora. A tentativa de anistia a golpistas condenados ou denunciados pelos atos de 8 de janeiro perdeu fôlego no Congresso. O projeto que poderia favorecer os manifestantes — mas não Bolsonaro e seus cúmplices mais próximos — avança em comissões sem a adesão popular que o ex-presidente costumava mobilizar. A célula política que um dia comandou, hoje parece não incluí-lo mais nos planos de sobrevivência.
Entre o bisturi e a cela
A ironia não escapa aos analistas: a saúde física de Bolsonaro interessa tanto aos seus adversários quanto aos seus aliados — mas por razões opostas. Para os que defendem a responsabilização de todos os envolvidos na tentativa de golpe, ele precisa estar saudável o suficiente para ser julgado e, se condenado, cumprir pena. Para seus apoiadores remanescentes, sua recuperação é condição para que cumpra seu último papel viável: o de cabo eleitoral em 2026, ainda que inelegível.
A essa altura, a própria militância bolsonarista se vê diante de uma contradição: quanto mais se esforça para evitar que o mito seja punido, mais expõe a profundidade do abismo jurídico em que ele se encontra. Já não se trata apenas de uma questão de narrativa, mas de fatos jurídicos sólidos — que incluem depoimentos, provas técnicas e articulações documentadas por autoridades independentes.
O país como espaço terapêutico de suas neuroses
O Brasil, enquanto isso, segue vivendo à sombra de uma figura que já deveria pertencer ao passado. Como um organismo que luta para se livrar de uma infecção persistente, o país se vê obrigado a administrar crises e traumas originados de um governo que confundiu populismo com ruptura institucional. “As democracias morrem lentamente, pelas mãos de seus próprios líderes”, alertaram Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em Como as Democracias Morrem (Zahar, 2018). Bolsonaro parece cumprir esse roteiro ao pé da letra, insistindo em manter vivo o projeto que naufragou nas urnas e nos inquéritos.
Ainda que a recuperação médica avance, o cerco judicial e político se fecha. A cada semana, novas denúncias, novos réus e novos depoimentos reafirmam que a tentativa de golpe de Estado não foi obra do acaso, mas o desfecho lógico de um governo que jamais reconheceu os limites do Estado Democrático de Direito.
Se Bolsonaro um dia imaginou que deixaria o poder com o prestígio dos líderes históricos da direita, o destino lhe reservou outro caminho: o de um ex-presidente que, mesmo fora do Planalto, continua a ser uma ameaça à democracia — e, por isso mesmo, deve ser enfrentado com as armas legítimas da Constituição.
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