Ampliação de cadeiras no Congresso e nas assembleias custará ao menos R$ 64,8 milhões por ano
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A decisão da Câmara dos Deputados de ampliar o número de cadeiras parlamentares de 513 para 531 a partir de 2027, aprovada na última terça-feira (6), reacende um debate histórico e sensível: o custo da representação política no Brasil, a equidade federativa e os limites do federalismo cooperativo num país de profundas assimetrias regionais. O impacto financeiro direto da medida será de, no mínimo, R$ 64,8 milhões por ano, segundo a própria Direção-Geral da Casa. Mas o custo político e simbólico dessa escolha pode ser ainda maior.
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A proposta, relatada pelo deputado Damião Feliciano (União-PB), é uma reação direta à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que em 2023 determinou a atualização da distribuição de cadeiras legislativas com base nos dados do Censo Demográfico de 2022. Sete estados — incluindo Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco — deveriam, pela lógica demográfica, perder representantes na Câmara. Em vez disso, a Casa optou por preservar todas as vagas existentes e simplesmente aumentar o número total de deputados federais.
“Redistribuir vagas de forma pura e simples penalizaria estados historicamente menos favorecidos”, justificou Feliciano. Seu relatório foi aprovado em tempo recorde, com base em estimativas da Secretaria de Orçamento Federal, que aponta margem orçamentária suficiente para absorver os novos gastos a partir de 2027.
O impacto nas bancadas e o efeito cascata nas assembleias
A nova configuração do Congresso altera o peso político de várias regiões. Estados do Norte e Centro-Oeste, tradicionalmente sub-representados, ganham espaço — como Amazonas (de 8 para 10 deputados), Pará (17 para 21) e Santa Catarina (16 para 20). A mudança, argumenta-se, corrige distorções históricas da representação proporcional e responde ao crescimento populacional de regiões emergentes.
Contudo, o aumento na Câmara Federal implica um crescimento automático nas assembleias legislativas estaduais, conforme previsto no artigo 27 da Constituição. A fórmula constitucional vincula o número de deputados estaduais ao total de federais do estado, gerando 30 novas cadeiras estaduais em nove unidades da federação. O Amazonas, por exemplo, terá mais seis parlamentares na Assembleia Legislativa, passando de 24 para 30. O mesmo ocorrerá em Mato Grosso e Rio Grande do Norte.
Com isso, o total de deputados estaduais no Brasil saltará de 1.059 para 1.089. Uma ampliação que, como destacam estudiosos da ciência política, pode comprometer ainda mais a eficiência legislativa e pressionar orçamentos estaduais já combalidos.
Democracia tem preço — mas qual é o limite?
A democracia representativa moderna exige custos. Estruturas legislativas robustas são essenciais para o funcionamento do Estado de Direito. No entanto, como alerta o cientista político José Álvaro Moisés (USP), “a qualidade da representação política não é garantida pelo número de parlamentares, mas pela sua efetividade, compromisso com o bem público e capacidade de diálogo com a sociedade civil”.
A ampliação de cadeiras sem redução proporcional em estados com queda populacional pode ser lida como uma capitulação política frente ao corporativismo regional. Ao evitar desagradar bancadas influentes do Nordeste e Sudeste, o Congresso contornou um conflito federativo, mas às custas do princípio da proporcionalidade. O ideal republicano de “uma pessoa, um voto” perde força quando a representatividade ignora o tamanho real da população.
Além disso, o aumento de parlamentares traz consigo mais estruturas administrativas, gabinetes, assessores, auxílios e direito a emendas parlamentares — estas últimas com impacto bilionário sobre o orçamento da União. Em 2023, as emendas de relator chegaram a R$ 37 bilhões, valor superior ao orçamento de vários ministérios.
Representatividade e desequilíbrio regional
Desde a Constituição de 1988, a representação na Câmara dos Deputados é proporcional à população de cada estado, com mínimo de oito e máximo de 70 parlamentares por unidade federativa. Essa fórmula foi pensada para proteger estados menos populosos, garantindo sua voz no Congresso. No entanto, com o passar do tempo, esse sistema se descolou da realidade demográfica. Estados como São Paulo, com mais de 44 milhões de habitantes, seguem com o teto de 70 deputados, enquanto Roraima, com cerca de 600 mil habitantes, mantém oito.
Esse descompasso é apontado por juristas como uma distorção do princípio da proporcionalidade. Como observou o ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto, “o equilíbrio federativo não pode ser confundido com privilégio regional disfarçado”.
Risco de congelamento e judicialização
O texto aprovado prevê que nenhuma nova redistribuição de cadeiras será feita até o próximo Censo — estimado para 2030 ou 2032. Até lá, qualquer contestação deverá passar pelo Tribunal de Contas da União, o que pode gerar um engessamento da dinâmica representativa. A dependência de dados oficiais, excluindo estimativas populacionais intercensitárias, foi criticada por especialistas do IBGE, que veem na medida um obstáculo à atualização periódica da representatividade democrática.
Além disso, a proposta ainda será analisada pelo Senado. Caso aprovada, poderá ser judicializada por partidos ou estados que se sintam prejudicados, reabrindo a disputa política e institucional em torno da proporcionalidade.
Reforma política adiada mais uma vez
No fundo, a ampliação do número de parlamentares escancara a ausência de uma reforma política estrutural. Em vez de discutir a fundo o modelo de representação, seus custos, eficiência e legitimidade, o Congresso optou por um remendo. Evitou desagradar e distribuiu ganhos sem ônus explícitos — pelo menos no curto prazo.
Como alerta o filósofo e sociólogo francês Pierre Rosanvallon, “a democracia se legitima não apenas pela origem do poder, mas pela forma como ele se exerce”. No caso brasileiro, é legítimo questionar se essa ampliação representa um aprimoramento da democracia ou apenas sua acomodação às conveniências do jogo político.
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