Em uma conversa com sua gerente do Banco Bradesco, que também atende vários clientes do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, a advogada Renata Pimentel, uma das investigadas da Operação Última Ratio da Polícia Federal, tenta depositar R$ 213 mil em espécie para quitar um contrato de financiamento. Mas a gerente, além de frustrá-la dizendo que só aceita pagamento em espécie para boletos de até R$ 10 mil, ainda fala dos problemas que tem tido na corte de Justiça sul-mato-grossense.
“Inclusive, aqui no Tribunal tenho muito problema, porque vem muita gente com dinheiro para pagar boleto e a gente não pode. Tem que depositar e debitar na conta. Não vai ter como fugir, entendeu?”, disse a gerente do Bradesco a Renata Pimentel.
Renata Pimentel é investigada pela Polícia Federal juntamente com seu pai, Sideni Pimentel, e com seu irmão, Rodrigo Pimentel, na Operação Última Ratio. A PF apura um esquema de venda de decisões judiciais — também conhecido como venda de sentença — em que filhos de desembargadores têm papel preponderante no recebimento de vantagens financeiras em troca de decisões proferidas por seus pais ou por magistrados amigos deles.
A suspeita da Polícia Federal é de que Renata Pimentel tentava pagar contas com o dinheiro obtido pelo pai dela em vendas de decisões. Depois de receber a negativa da gerente do banco para pagar o boleto de R$ 213 mil, o contador de Renata Pimentel lhe deu a dica e disse a ela para declarar o depósito como “empréstimo do sócio para a empresa”.
Os diálogos estavam no telefone celular de Renata Pimentel, apreendido na Operação Última Ratio, em 24 de outubro do ano passado. Desde aquele dia, o pai dela e outros três desembargadores — Alexandre Bastos, Vladimir Abreu e Marcos Brito Rodrigues — estão afastados de suas funções, sob suspeita de corrupção.
Os diálogos estão na representação feita pela Polícia Federal ao Supremo Tribunal Federal (STF). Para o delegado Marcos Damato, que assina o documento, a conversa entre Renata e seu contador reforça os indícios de que o dinheiro em espécie é proveniente da venda de decisões do pai.
No diálogo, a filha de Sideni Pimentel encaminhou o áudio da gerente do Bradesco, e ele logo comentou:
“Se ele não tiver na conta, não paga kkkkkk”.
Em seguida, após fazer uma brincadeirinha com a advogada, ele dá a orientação com as mensagens:
“Deposita e quita” e “coloca como depositante você (sic)”.
Na sequência, Renata demonstra preocupação com o caso de perguntarem a origem do dinheiro, e ela sugere um caminho — no qual existe brecha para a lavagem de dinheiro por meio de escritório de advocacia: “Honorários?”
É então que o contador arremata: “Empréstimo do sócio para empresa.”
“Ok”, anui Renata.
A compra da caminhonete
Em abril de 2022, Renata Pimentel comprou uma caminhonete S-10 para o pai. A compra foi realizada na Pelegrinelli Veículos e teve um valor total de R$ 250 mil, com uma entrada de R$ 33 mil em dinheiro. Renata, que aparentemente arcou com as parcelas do financiamento, solicitou o carnê do financiamento ao vendedor e à instituição financeira.
A compra da caminhonete para Sideni ocorreu em meio a uma série de transações financeiras suspeitas envolvendo Renata e seu pai, que levantaram suspeitas de que o dinheiro usado para a compra do veículo poderia ter origem ilícita.
As investigações apontaram para a possibilidade de que Renata estaria repassando para o pai parte do dinheiro que obtinha com a venda de decisões judiciais proferidas por ele.

As mensagens trocadas entre Renata e seu pai, bem como as conversas com o vendedor e a instituição financeira, foram analisadas pela Polícia Federal.
As investigações revelaram que Renata solicitou ao contador informações sobre como justificar o depósito em espécie para a quitação do financiamento da caminhonete, o que reforça as suspeitas de que o dinheiro usado para a compra do veículo poderia ter origem ilícita.
A compra da caminhonete S-10 para Sideni tornou-se um dos elementos que compõem um complexo esquema de corrupção que envolve o desembargador e sua família.
As investigações da Polícia Federal continuam em andamento para apurar a origem do dinheiro usado para a compra do veículo e para esclarecer a participação de Renata no esquema de venda de decisões judiciais.
Fazenda Santo Antônio
Conforme publicado nesta quarta-feira (30 de abril) pelo Correio do Estado, a Polícia Federal reuniu provas que apontam para a venda irregular de uma sentença judicial por meio de negociação envolvendo a advogada Renata Pimentel, filha do desembargador Sideni Pimentel, no caso da Fazenda Santo Antônio, em Corumbá (MS).
A propriedade, pertencente ao espólio de Darci Bazanella, estava bloqueada judicialmente por falta de pagamento do imposto ITCD, mas foi liberada para venda por decisão de três desembargadores, incluindo o pai da advogada. Mensagens de WhatsApp e áudios apreendidos nos celulares dos investigados mostram Renata atuando como intermediária na transação.
Segundo as investigações, Renata articulou a liberação da venda da fazenda e recebeu pelo menos R$ 920 mil, apesar de não ser parte no processo.
Os pagamentos vieram do comprador Cláudio Bergmann e do escritório do advogado Júlio Greguer, representante do espólio.
A PF destaca que, além do valor oficial, há indícios de acertos “por fora”, incluindo imóveis em Birigui (SP), que também pertenciam ao espólio.
As tratativas começaram em setembro de 2022 e envolveram ainda o advogado Gabriel Marinho, representante do comprador.
Os diálogos revelam que os envolvidos negociaram valores para garantir a sentença favorável no Tribunal de Justiça e até discutiram o repasse de parte do dinheiro a Marinho para que ele não “melasse o negócio”.
O contrato entre as partes previa o pagamento de R$ 20 milhões pela fazenda, sendo metade à vista. A liberação judicial da venda, no entanto, ocorreu apenas em maio de 2024, após o relator do caso, Sideni Pimentel, e dois colegas desembargadores votarem favoravelmente ao agravo.
A Polícia Federal afirma que a sequência dos eventos evidencia crime de corrupção e fraude fiscal. Embora o valor declarado da fazenda no inventário fosse de R$ 1,1 milhão, a venda foi acertada por R$ 20 milhões, o que levanta suspeitas sobre tentativa de evasão fiscal. Além disso, a nota fiscal emitida para justificar parte do pagamento a Renata foi registrada como “assessoria jurídica”, sem menção ao processo.
O caso integra a Operação Última Ratio, que apura a venda de decisões judiciais por integrantes do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. As provas reunidas já foram enviadas ao ministro do STF Cristiano Zanin, relator do caso, e podem levar ao aprofundamento das investigações sobre a atuação de magistrados e advogados na prática de corrupção e lavagem de dinheiro.
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