* RAFAELA BOMFIM
Folhas, cascas, restos de alimentos e outros “lixos naturais” podem se transformar em água potável. A experiência, em fase avançada de testes, é possível graças a uma invenção, desenvolvida por pesquisadores da Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos. O sistema inovador permite a extração diretamente da atmosfera, utilizando materiais orgânicos descartados. A base são hidrogéis de biomassa molecularmente funcionalizados, capazes de transformar diversos produtos orgânicos em absorventes líquidos. Essa combinação com calor moderado possibilita a coleta de grandes volumes — de água potável —, mesmo em ambientes com baixa umidade.
Autor principal da pesquisa, Guihua Yu, cientista e professor da Universidade do Texas em Austin, afirmou ao Correio que o sistema desenvolvido por sua equipe deve colaborar, sobretudo para as regiões mais carentes e que sofrem com a limitação de água. “Nosso hidrogel oferece uma solução descentralizada, escalável e energeticamente eficiente para regiões áridas e remotas com fontes de água limitadas.”
Os cientistas conseguiram a “produção” de 14,19 litros de água purificada, por quilo de absorvente ao dia. A maioria dos absorventes convencionais produz entre 1 e 5 litros por quilo diariamente. O estudo foi publicado na revista Advanced Materials, destacando a alternativa em comparação à abordagem tradicional de “seleção e combinação”, que exige a escolha de componentes específicos para funções determinadas. A estratégia molecular torna possível transformar distintos tipos de biomassa — matéria orgânica animal e vegetal que gera energia limpa e renovável — em um coletor de água eficiente.
Ao contrário dos absorventes sintéticos, que empregam derivados de petróleo e requerem alto consumo energético, o hidrogel à base de biomassa é biodegradável, escalável e demanda pouca energia para liberar água. O segredo reside em um processo de engenharia molecular em duas etapas, que confere propriedades higroscópicas e comportamento termorresponsivo a qualquer polissacarídeo à base de biomassa, como celulose, amido ou quitosana.
Avanços
Os cientistas que trabalham no desenvolvimento para a captação de água potável por meio de material orgânico comemoraram que a pesquisa pode levar a um avanço considerável para um dos maiores desafios do planeta: garantir o líquido precioso. Estudos recentes das Nações Unidas mostram que, em 2022, 2,2 bilhões de pessoas não tinham acesso à água. Também indicam que 80% dos empregos são dependentes da água em países de baixa renda.
Para Guihua Yu, o sistema em desenvolvimento é mais econômico e viável do que os utilizados tradicionalmente. “Ao contrário dos sistemas baseados em condensação, que exigem altos insumos de energia e funcionam melhor em condições úmidas, nosso hidrogel funciona passivamente e pode extrair água com eficiência, mesmo em ambientes de baixa umidade. Comparado à dessalinização, que depende do acesso à água do mar e grande infraestrutura.”
A equipe de pesquisa agora se dedica à ampliação da produção e à criação de sistemas práticos para comercialização, incluindo coletores de água portáteis, ferramentas de irrigação autossustentáveis e dispositivos de água potável de emergência. Desde o início, os pesquisadores se concentraram na escalabilidade e na viabilidade de transformar a pesquisa em solução, principalmente para as regiões que sofrem com a falta de água potável.
Coautor do estudo Yaxuan Zhao, pesquisador de pós-graduação no laboratório de Yu, apresenta o potencial de revolucionar o acesso descentralizado à água. “Pode ajudar comunidades fora da rede, esforços de socorro a desastres e regiões afetadas pela seca. De uma perspectiva ambiental, nossa abordagem é biodegradável, renovável e requer muito pouca energia para operar, tornando-a uma alternativa sustentável aos métodos tradicionais de coleta de água.”
Sob supervisão de Renata Giraldi
Busca incansável por soluções
Nas últimas décadas, os cientistas intensificaram a busca de alternativas para combater a escassez de água no mundo, um desafio que envolve o manejo sustentável dos recursos naturais, ações políticas, educação e investimentos, além das pesquisas técnicas em si. Levantamento feito pela Organização das Nações Unidas (ONU) mostra que, quase metade da população mundia, não tem acesso à água potável e ao saneamento básico.
A ausência de um sistema hídrico adequado gera doenças e mortes, assim como aumento de despesas. É na agricultura que se concentra o uso da água, gastando cerca de 73% do total consumido no planeta, ou seja na produção de alimentos. Paralelamente, a elevação do número de cidades e indústrias provoca a redução das reservas de água subterrânea.
Para evitar o agravamento do problema, os especialistas fazem campanha para redução de desperdício e cobranças de tarifas mais justas, além de incentivos do uso consciente e investimentos em tecnologias eficientes. (RB)
TRÊS PERGUNTAS PARA…
José Ribeiro dos Santos Júnior, doutor em físico-química, mestre na mesma área, o engenheiro químico e conselheiro do Conselho Federal de Química (CFQ)
Pela sua experiência, como esses projetos ambientais podem adaptar a tecnologia para criar dispositivos portáteis de água potável em áreas remotas e difícil acesso, inclusive no Brasil?
Essas abordagens podem ajudar a melhorar o acesso à água potável em áreas remotas e de difícil acesso no Brasil, contribuindo para a saúde e o bem-estar das comunidades locais. Desenvolver dispositivos compactos que utilizam materiais absorventes, como hidrogéis ou zeólitas, para capturar a umidade do ar. Esses dispositivos podem ser aquecidos para liberar a água capturada, tornando-a potável. O dispositivo deve ter uma área grande para absorver e devolver a água capturada por aquecimento. Para tornar compacto o equipamento, uma solução seria utilizar aletas revestidas com Hidrogéis superabsorventes que podem ser utilizados para coletar água da atmosfera. Esses dispositivos podem absorver a umidade do ar durante a noite e liberar água potável durante o dia, proporcionando uma fonte sustentável de água em áreas áridas. Esses dispositivos podem ser leves e fáceis de transportar, tornando-os ideais para uso em áreas de difícil acesso.
(foto: Conselho Federal de Quimica )
Ao substituir absorventes sintéticos derivados de petróleo por hidrogéis à base de biomassa, quais são os impactos ambientais? É possível pensar em redução de poluição e uso sustentável de forma mais ampla?
Substituir absorventes sintéticos derivados de petróleo por hidrogéis à base de biomassa pode ter vários impactos ambientais positivos. Aqui estão alguns dos principais benefícios: Redução da Poluição – Os absorventes sintéticos derivados de petróleo são uma fonte significativa de poluição, tanto durante a produção quanto após o descarte. Em contraste, os hidrogéis à base de biomassa são geralmente biodegradáveis, o que significa que eles se decompõem mais rapidamente e têm um impacto ambiental menor. A produção de absorventes sintéticos requer petróleo, um recurso não renovável. Os hidrogéis à base de biomassa, por outro lado, são feitos de materiais renováveis, como resíduos agrícolas, que podem ser cultivados e colhidos de forma sustentável. A utilização de biomassa orgânica descartada para a criação de hidrogéis pode contribuir para a redução de resíduos e a promoção da economia circular. Isso significa que os resíduos agrícolas que de outra forma seriam descartados podem ser transformados em produtos úteis, reduzindo a quantidade de resíduos e fechando o ciclo de uso de materiais. Esses impactos positivos fazem dos hidrogéis à base de biomassa uma alternativa ambientalmente mais sustentável aos absorventes sintéticos derivados de petróleo.
Na sua opinião, há comparação entre a eficiência da coleta de água com outras tecnologias existentes?
A eficiência da coleta de água por polímeros superabsorventes (PSA) pode ser comparada com outras tecnologias (de coleta de água atmosférica), como condensadores de água e redes de neblina, estes por sua vez apresentam restrições de aplicação e de custos. Os PSAs têm a capacidade de absorver e reter água de forma eficiente, especialmente em condições de déficit hídrico. Em comparação com outras tecnologias de coleta de água atmosférica, como condensadores de água, que utilizam superfícies frias para condensar vapor de água do ar, e redes de neblina, que capturam gotículas de água suspensas no ar, os PSAs oferecem uma abordagem diferente. Enquanto os condensadores e redes de neblina dependem de condições climáticas específicas e infraestrutura, os PSAs podem ser dispersos em superfícies, proporcionando uma solução mais versátil e de baixo custo para a coleta e retenção de água. No entanto, a escolha da tecnologia mais adequada depende das condições específicas do ambiente e das necessidades do usuário. Cada tecnologia tem suas vantagens e limitações. A combinação de diferentes métodos pode ser a melhor abordagem para maximizar a eficiência da coleta de água.
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