O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o Conselho Regional de Medicina (CRM) apuram uma denúncia de erro médico feita pela família da engenheira de produção Letícia de Sousa Patrus Pena, de 31 anos, que está em coma no Hospital Mater Dei Contorno, em Belo Horizonte.
Segundo a funcionária pública e mãe de Letícia, Flávia Bicalho de Sousa, de 55 anos, a médica anestesista e amiga desde a infância da filha, Natália Peixoto de Azevedo Kalil, aplicou, em duas ocasiões, injeções contendo três medicações — entre elas, o anestésico cloridrato de ropivacaína — para dar alívio às dores na coluna de Letícia. Os procedimentos teriam sido feitos na casa da médica, em Nova Lima, na Grande BH.
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“Protocolamos no MPMG, em dezembro do ano passado, por meio de advogado, queixa-crime para que se apure a suposta prática de tentativa de homicídio com dolo eventual, já que Natália sabia que minha filha poderia ter uma parada cardiorrespiratória e até morrer, mas mesmo assim assumiu esse risco”, disse Flávia em entrevista ao Estado de Minas, acrescentando que foi solicitada também a cassação do CRM da médica no Conselho Regional de Medicina.
Cerca de dois meses antes do suposto erro médico, ocorrido em setembro do ano passado, que levou a engenheira de produção ao estado de coma, Letícia havia deixado São Paulo, onde morava, e veio para Belo Horizonte para receber a aplicação da injeção no Mater Dei. O procedimento poderia ter sido feito em SP, mas a mãe aconselhou a filha a realizá-lo com um neurocirurgião de confiança e amigo da família.
“Um neurologista já havia avaliado minha filha e apontado que, muito provavelmente, ela tinha a síndrome de Bertolotti (condição congênita que causa dor nas costas). Além disso, um ortopedista indicou uma cirurgia na coluna, mas a Natália e outros médicos desaconselharam a Letícia a passar por esse procedimento, que seria muito invasivo”, relatou a mãe.
Segundo Flávia, a primeira aplicação de forma inadequada da injeção contendo cloridrato de ropivacaína teria ocorrido na casa da médica em 25 de agosto de 2024. Na ocasião, conforme o relato, Letícia teve uma queda de pressão, mas acabou se recuperando.
Danos neurológicos graves
Quase um mês depois, em 20 de setembro, Letícia acordou sentindo fortes dores e buscou novamente o auxílio de Natália, que aplicou mais uma vez a injeção. A engenheira de produção teve uma parada cardiorrespiratória, o que causou hipóxia — quando falta oxigênio no cérebro, ocasionando danos neurológicos graves. A mãe alegou que, nas duas ocasiões, a família não ficou sabendo que a filha iria à casa da amiga para tomar as injeções contendo o anestésico de uso restrito.
A reportagem teve acesso ao relatório do atendimento de Letícia no Mater Dei, em Nova Lima, para onde ela foi levada. “A caminho do hospital, a paciente apresentou vômitos e intercorreu com perda de pulso percebida por acompanhantes”, narra o documento, pontuando que Letícia “evoluiu com crise convulsiva e parada cardiorrespiratória pós-bloqueio anestésico”. No relatório médico consta que o tempo de parada cardiorrespiratória, somente dentro da unidade de saúde, foi de 18 minutos.
Anestésico só poderia ser aplicado em ambiente clínico
De acordo com o fabricante, “o cloridrato de ropivacaína deve apenas ser utilizado por ou sob a supervisão de médicos experientes em anestesia regional e em locais que ofereçam condições adequadas para monitorização e ressuscitação de emergência”, o que não aconteceu, já que a injeção contendo o anestésico foi administrada em ambiente residencial.
“Ela (a médica) ligou para o marido, que estava trabalhando no escritório próximo à residência, e ele chamou o irmão. Os dois levaram a Letícia para o hospital. A história contada pela Natália no dia da parada cardiorrespiratória — e que eu acreditei durante um mês — foi que a Letícia teve sorte de ter feito o procedimento na casa dela, pois é perto do hospital. Caso tivesse realizado em uma clínica, a Letícia teria ido embora e poderia ter passado mal no caminho ou até em casa. As pessoas, principalmente os médicos da família, sabiam do erro, mas como meu sofrimento era muito grande, eles não tinham coragem de me falar”, desabafou.
Flávia ainda lamentou o fato de Natália, que mora quase em frente ao Mater Dei, não ter chamado a ambulância da unidade de saúde. “Ela também não acionou o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). O transporte para o hospital foi inadequado, sem espaço para manobras de ressuscitação”, frisou.
Tratamento de alto custo
A família calcula que tenha desembolsado cerca de R$ 500 mil para pagar o tratamento até o momento. Letícia ficou internada no Mater Dei de Nova Lima por pouco mais de um mês, quando, em 24 de outubro, foi transferida por meio de UTI aérea para o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, onde permaneceu por dois meses e não apresentou melhora durante tratamento de reabilitação neurológica. Com isso, a família providenciou a transferência dela de volta para BH.
“O custo, por exemplo, do avião aeromédico de ida e volta para São Paulo não foi coberto pelo plano de saúde e tivemos que gastar R$ 140 mil. Enquanto ficamos lá, o aluguel do imóvel mais em conta e perto do hospital custava R$ 12 mil. Também desembolsamos R$ 55 mil para adquirir uma cadeira de rodas indicada para o caso dela, que precisa ‘abraçar’ o corpo e a cabeça”, explicou.
“Tentamos mostrar a planilha de gastos para a Natália, mas ela não quis ver. Desde quando ela ficou sabendo que eu sei que o procedimento foi errado, ela sumiu e não quis mais saber como a Letícia está. É doloroso pensar que elas eram melhores amigas desde a infância, e minha filha chegou a fazer um discurso lindo no casamento dela”, lembrou.
O Estado de Minas tentou contato por telefone e mensagens com Natália Peixoto de Azevedo Kalil, mas a médica não deu retorno. O espaço segue aberto para manifestações. A apuração no Conselho Regional de Medicina corre sob sigilo.
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