07/12/2024 – 10:00
Índices elevados de criminalidade e a ascensão de facções ao poder colocaram o Haiti no centro de um debate internacional pela reversão do cenário. Na segunda-feira, 2, o Ecosoc (Conselho Econômico e Social das Nações Unidas) promoveu um evento chamado ‘Crianças do Haiti não podem esperar: apoiando a estabilidade, a resiliência e a prosperidade’ para discutir o tema.
A mobilização sinaliza uma mudança na preocupação externa com essa nação. Neste texto, o site IstoÉ mostra quais são as razões da crise haitiana e as reações da comunidade internacional ao que ocorre no país caribenho.
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Aumento do recrutamento de crianças e desvio de armamento
Segundo os relatórios de segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), entre o segundo semestre de 2023 e o início de 2024 houve um aumento de 70% na taxa de recrutamento de crianças para os exércitos de grupos criminosos.
Diante da falta de comida, abrigo e educação, crianças e suas famílias são atraídas para o refúgio em centros de educação – onde os menores são normalmente instigados a aceitar o recrutamento em trocas de porções de alimentos e dinheiro.
“O caso das crianças soldados é um dos mais tristes das relações internacionais, não é uma novidade, já aconteceu em vários países do Oriente Médio, países asiáticos, países africanos e agora vemos no Haiti. Nessa situação, muitas vezes elas são recrutadas e inseridas nessas forças como um mecanismo de cooptação de suas famílias – são obrigadas a participar para ter algum tipo de proteção ou uma garantia mínima de sobrevivência em um país com extrema violência”, explicou Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), em entrevista ao site IstoÉ.
O desvio de armamento e o tráfico ilícito viraram práticas comuns e impulsionadoras da instabilidade no país. Apesar de se localizar na mesma ilha territorialmente, a comunidade haitiana apresenta uma desigualdade grande se comparada a sua vizinha, República Dominicana – a primeira nação foi construída em bases estruturais frágeis, que não sustentam esse acúmulo de crises.
“A República Dominicana é um país que tem instituições estáveis que são respeitadas. O próprio Prêmio Nobel de Economia deste ano, que colocou a centralidade da instituição de governo. O Haiti passa por uma série de processos, golpe de Estado, crises climáticas, terremotos, assassinatos de presidentes, isso enfraquece demais as instituições. O problema central do Haiti é a ausência ou a grande fragilidade das suas instituições”, concluiu Uebel.
Insegurança e crise política
O estopim da instabilidade política e o início do período de violência cotidiana no país caribenho surgiram na falta de alimentos suficientes e na vulnerabilidade política histórica. A falta de qualidade de vida e educação para a comunidade também foram fatores centrais no colapso atual.
Desde março de 2024, a tomada das regiões por organizações criminosas causou o êxodo de 33 mil habitantes da capital, somado ao aumento de mulheres sendo violentadas sexualmente dentro dos recrutamentos das gangues. Conforme o relatório da ONU, 5,5 milhões de haitianos, incluindo 3 milhões de crianças, precisam de ajuda humanitária urgente no território.
Em meio às tentativas de contenção da crise, o Estado tentou nomear o primeiro-ministro Didier Fils-Aimé, mas Uebel afirmou que as chances de estabilização política do país são remotas. “A política haitiana está muito fragmentada; há presença de facções e gangues dentro das instituições políticas haitianas, que dificultam a construção até mesmo de uma estrutura política favorável para a estabilização”.
Além das falhas no controle das ações violentas, paira sobre o Haiti a chance de uma tomada do governo pelo crime. “Isso aconteceu em Ruanda, em 1994, e também na Síria, com a ascensão dos grupos de oposição à Ditadura do Al-Assad”, disse o professor.
O papel das organizações internacionais
“O Haiti é um país que está praticamente marginalizado pelo sistema internacional”, explicou Uebel, o que ajuda a explicar porque a cobrança sobre essas instituições diante do cenário atual é tão frequente.
Historicamente, contextos de tomada de poder pelo tráfico e ascensão de agentes criminosos no controle da política dão margem para as intervenções de órgãos internacionais — ainda que de forma simbólica. “Se essas instituições estivessem efetivamente presentes no país, não veríamos uma crise tão expressiva”, completou o professor.
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