Uma nova descoberta tecnológica pode transformar e agregar alternativas aos exames que detectam alterações cardíacas. Pesquisadores da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, nos Estados Unidos, apresentaram uma inovação: uma camisa equipada com sensores usa inteligência artificial (IA) para detectar possíveis problemas de saúde. O sistema capta e analisa o tempo e a velocidade com que o coração retorna ao ritmo normal após um exercício físico, por exemplo, indicando eventuais riscos de doenças cardiovasculares.
Publicado no IEEE Journal of Health Informatics, o trabalho liderado pelo professor Manuel Hernandez, do Carle Illinois College of Medicine, propõe uma forma menos invasiva e mais acessível de prever complicações clínicas graves. Ao lado do engenheiro Richard Sowers e da doutoranda Ayse Dogan, o grupo desenvolveu uma ferramenta que processa dados gerados por esse vestuário inteligente, oferecendo um panorama individualizado da saúde cardíaca.
O projeto utilizou uma peça confeccionada pela empresa canadense Carre Technologies. Com sensores embutidos, o dispositivo monitora continuamente sinais elétricos do coração e a variabilidade dos batimentos. Durante os testes, 38 voluntários — entre 20 e 76 anos — caminharam em esteiras, em diferentes intensidades, enquanto os dados eram coletados. A pesquisa ocorreu em 2021, em meio às restrições da pandemia.
A partir dessas informações, algoritmos baseados em aprendizado de máquina identificaram padrões que permitiram classificar os participantes em grupos de maior ou menor risco cardiovascular, usando como critério um valor mediano de 28 batimentos por minuto na recuperação pós-exercício. “Apesar do número reduzido de participantes, obtivemos resultados coerentes entre métodos estatísticos e modelos de validação cruzada”, afirmou Dogan, ressaltando a precisão do sistema.
Eficiência
A cardiologista e cardio-oncologista do Hospital Anchieta de Taguatinga Nathalia Castro, mestre em ciências da saúde, elogia a eficiência do sistema dos dispositivos vestíveis na detecção precoce de problemas cardíacos, mesmo entre indivíduos assintomáticos. “Essa tecnologia pode desempenhar um papel importante no diagnóstico precoce e na prevenção de doenças cardíacas”, afirma.
Segundo a médica, muitos desses aparelhos são capazes de monitorar a frequência dos batimentos e identificar a fibrilação atrial, condição que aumenta o risco de acidente vascular cerebral (AVC) e outras complicações. “Além disso, alguns modelos possuem sensores capazes de medir a pressão arterial, permitindo a detecção de anormalidades”, afirmou.
No artigo sobre a camiseta inteligente, os autores destacam que os desvios na recuperação da frequência cardíaca (FCR) têm sido fortemente ligados a condições como insuficiência, coronariopatias, diabetes tipo 2, hipertensão arterial e até morte súbita. Contudo, métodos tradicionais exigem equipamentos caros, estrutura especializada e presença de profissionais treinados, tornando o rastreio inacessível para muitos.
Análise
Para o líder da pesquisa, Manuel Hernandez, a intenção vai além de um simples monitoramento. “Nosso objetivo é entender profundamente o funcionamento interno do sistema cardiovascular e transformar essas leituras em ações médicas concretas.” Para Sowers, que também faz parte das pesquisas, é importante avaliar o impacto social da iniciativa. “Imagine comunidades remotas, com acesso limitado a hospitais especializados, podendo enviar registros diários diretamente a um médico. Esse tipo de conexão pode salvar vidas.”
O próximo passo é ampliar a base de dados, acompanhar voluntários por períodos mais longos e comparar os sinais colhidos em repouso e durante exercícios. Outro desafio será incorporar essa inovação às práticas médicas convencionais. Além da faculdade de medicina, Hernandez integra centros de pesquisa em bioengenharia, cinesiologia e ciências comportamentais. Sowers também atua como professor de matemática e pesquisador do Centro Nacional de Aplicações de Supercomputação. Com roupas inteligentes, a ciência do coração ganha um aliado que pode ser vestido no dia a dia.
A cardiologista e arritmologista Patricia Rueda vê na tecnologia vestível uma grande aliada nos cuidados da saúde do coração. “O maior potencial está em acessarmos mais informações e registrarmos eventos que possam estar relacionados a diagnósticos precoces”, afirma. Segundo ela, isso contribui tanto para a prevenção quanto para o acompanhamento de quem já possui alguma condição conhecida, além de incentivar hábitos saudáveis como controle do sono, atividade física e hidratação. “O principal desafio é garantir que os dados sejam confiáveis e bem interpretados. Números, sozinhos, não substituem a avaliação médica.”
*Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi
Ana Flávia de Oliveira Castro, médica cardiologista e especialista em arritmias do Hospital Santa Lúcia, de Brasília
Esses dados, como os aplicados no estudo por esta tecnologia, já são utilizados no Brasil para diagnóstico ou prevenção de doenças cardíacas?
O uso de informações provenientes de dispositivos vestíveis na prática clínica brasileira vem se expandindo de maneira gradual, ainda que existam entraves normativos e limitações estruturais, experiências clínicas e de trabalhos científicos robustos demonstram a viabilidade da aplicação desses recursos tanto em estratégias de triagem quanto na prevenção secundária. Há crescente utilização desses dispositivos na detecção de arritmias em ambientes de pesquisa e em instituições que adotam modelos assistenciais mais inovadores, como a fibrilação atrial, que é a arritmia responsável por 30% dos AVCs, e que muitos pacientes só têm o diagnóstico após o evento. Nessas iniciativas, os wearables já atuam como suporte complementar à tomada de decisão clínica, especialmente no monitoramento remoto de pacientes, como os relógios inteligentes Apple Watch e o Galaxy Watch da Samsung.
Como esses dispositivos podem contribuir para a prevenção de doenças cardíacas em pacientes que não apresentam sintomas? Podem servir de apoio para diagnósticos precoces?
Uma das principais vantagens das tecnologias vestíveis está justamente na sua capacidade de identificar alterações fisiológicas sutis em indivíduos assintomáticos. Ao realizarem medições contínuas de variáveis como ritmo cardíaco, variabilidade da frequência cardíaca e níveis de atividade física, esses dispositivos permitem detectar sinais precoces de disfunções subclínicas. Tecnologias baseadas em fotopletismografia e sensores de eletrocardiograma integrados, por exemplo, demonstraram eficácia na identificação de arritmias silenciosas. Dessa forma, os wearables se mostram como aliados valiosos em estratégias de rastreamento e diagnóstico precoce, possibilitando intervenções antes da manifestação de sintomas.
Qual é o maior potencial e também o maior desafio do uso de tecnologia vestível para transformar a prevenção e o cuidado com a saúde cardiovascular?
O potencial transformador dos dispositivos vestíveis é, principalmente, a possibilidade de oferecer um monitoramento contínuo e personalizado do estado de saúde cardiovascular. Isso favorece não apenas a prevenção proativa de eventos agudos, mas também o acompanhamento otimizado de pacientes com condições crônicas. À medida que essas ferramentas se integram a sistemas de inteligência artificial e algoritmos preditivos, espera-se um salto na precisão das decisões clínicas. Em contrapartida, os desafios ainda são consideráveis, como a necessidade de validação científica robusta dos dados gerados, a padronização dos formatos de informação, a garantia da segurança e privacidade digital dos pacientes, e a integração dessas tecnologias aos fluxos já existentes nos sistemas de saúde.
Dispositivos populares
Nos últimos anos, a tecnologia tem desempenhado um papel na prevenção e diagnóstico precoce de doenças cardíacas. Diversos dispositivos inteligentes, voltados tanto para o uso doméstico quanto clínico, permitem monitorar o funcionamento do coração em tempo real e identificar sinais de alerta.
Os mais populares são os relógios inteligentes (smartwatches), como o Apple Watch e o Samsung Galaxy Watch, que têm sensores capazes de realizar eletrocardiogramas (ECG), monitorar a frequência cardíaca e até detectar episódios de fibrilação atrial. O Fitbit Sense e o Withings ScanWatch também oferecem recursos semelhantes, com design discreto e monitoramento contínuo.
Na área médica, dispositivos como o KardiaMobile, da AliveCor são portáteis, simples de manusear e fornecem ECGs de alta qualidade em segundos, com envio dos dados para médicos via aplicativo. Outros, como o Zio Patch, aderem à pele e captam a atividade elétrica do coração por até 14 dias, sendo especialmente úteis na detecção de arritmias que não aparecem em exames de curta duração. Já o QardioCore oferece um ECG contínuo sem a necessidade de fios, ideal para pacientes em monitoramento remoto.
Plataformas como CardioSignal e Ultromics analisam ECGs e ecocardiogramas com precisão, ajudando os médicos a diagnosticar doenças como cardiomiopatias e insuficiência cardíaca. Além disso, aplicativos como o FibriCheck utilizam apenas a câmera do celular para identificar arritmias através da análise do pulso. (RB)
Discover more from FATONEWS :
Subscribe to get the latest posts sent to your email.