A crescente digitalização das redes elétricas, impulsionada pela expansão de fontes de energia distribuídas como baterias e painéis solares, trouxe também novos riscos cibernéticos. Um estudo publicado na revista Engineering chama atenção para uma ameaça em ascensão: os ataques de injeção de dados falsos (FDIAs), capazes de comprometer a estabilidade e o controle dessas redes. Com a presença de baterias e painéis solares, os sistemas elétricos passaram a depender de dados informatizados para operar com eficiência. Essa dependência expõe vulnerabilidades, como o acesso às informações de controle. Na tentativa de resguardar o sistema, pesquisadores trabalham para evitar que um FDIA distorça informações essenciais, provoque falhas operacionais e afete diretamente a confiabilidade da rede.
Os pesquisadores identificaram um novo tipo de ataque, o chamado FDIA de caixa-preta. Ao contrário das abordagens convencionais, que atuam na transmissão de dados, esse método atinge diretamente os dispositivos de medição. Usando uma rede adversária generativa (GAN), a incursão é executada de forma discreta, sem necessidade de conhecer a fundo o sistema, o que a torna ainda mais perigosa em aplicações reais.
Rodolfo da Silva Villaça, doutor em engenharia elétrica e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), detalha o funcionamento da denominada “técnica da caixa-preta”. “É um método de ataque cibernético em que a ação não se baseia no conhecimento do funcionamento interno do sistema-alvo, no caso, o sistema elétrico. Em vez disso, essa técnica se concentra na manipulação das entradas e saídas observáveis do sistema para atingir seus objetivos, manipulando diretamente os módulos de medição de fontes de energia distribuídas.”
Contra-ataque
A estratégia do desenvolvimento de uma técnica estima os parâmetros dos controladores e filtros usados nas fontes de energia distribuídas, permitindo que a reação ocorra com maior precisão, reduzindo falhas e aumentando sua eficiência. Em testes realizados em um sistema de 39 barramentos da Nova Inglaterra, o impacto foi claro. A exatidão do modelo TSP diminuiu de 98,75% para 56% os danos causados à confiabilidade das redes inteligentes. O método utiliza diferentes configurações, incluindo diversas arquiteturas de redes neurais e sistemas-padrão do IEEE (Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos).
O método utiliza ajustes em tempo real e integração física para gerar vetores de ataque que se assemelham muito a dados operacionais legítimos, desafiando a detecção de sistemas convencionais para diferenciar das falhas originais dos equipamentos ou variações operacionais transitórias. Para executar a tarefa, é aplicado um modelo A3D que usa autocodificadores baseados em atenção para identificar anomalias, reconstruindo condições operacionais normais e comparando-as com as atuais.
Os resultados mostraram que o vetor de ataque consegue enganar uma ampla variedade de alvos, afetando tanto infraestruturas menores e também maiores. O que reforça a urgência de desenvolver mecanismos de proteção mais eficazes, capazes de lidar com ameaças em escala. Segundo o pesquisador Villaça, embora as soluções de segurança estejam avançando, os ataques continuam evoluindo com rapidez. “As tecnologias de defesa cibernética têm progredido, mas os métodos de ataque também ficam mais sofisticados, criando um cenário de constante disputa. Em áreas críticas como o setor elétrico, as ameaças muitas vezes se desenvolvem mais rápido do que as soluções. Por isso, é fundamental investir em inteligência artificial e adotar uma postura preventiva na proteção das redes inteligentes.”
*Estagiária sob a supervisão de Renata Giraldi
Urgência no aperfeiçoamento
Helder Roberto de Oliveira Rocha, doutor em computação científica e sistemas de potência e professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
O Brasil está preparado para implementar soluções eficazes contra os ataques cibernéticos descritos no estudo, como os que envolvem integração de sistemas de energia renovável?
O Brasil ainda enfrenta desafios na implementação de medidas robustas contra ataques cibernéticos, especialmente devido à heterogeneidade da infraestrutura elétrica e à falta de regulamentação específica para a segurança do setor. Com a crescente adoção de fontes renováveis, que frequentemente dependem de sistemas descentralizados e da Internet das Coisas (IoT), a necessidade de proteção se torna ainda mais crítica. Para enfrentar essas ameaças de maneira eficiente, o país precisa investir mais em pesquisa, capacitação e regulamentação. As concessionárias de energia têm financiado pesquisas em universidades brasileiras sobre o tema. No entanto, tenho observado que, em quase todos os editais de projetos das concessionárias, há foco em inteligência artificial, enquanto poucos são voltados para a cibersegurança e a prevenção de ataques cibernéticos.
Como as redes adversárias generativas (GAN) para criar ataques furtivos podem afetar a operação de sistemas de energia no Brasil. tanto nas grandes cidades, como em áreas remotas?
Esses ataques podem causar um blecaute total no Brasil ou blecautes direcionados para determinadas cidades, e a restauração da rede pode levar dias, resultando em grandes prejuízos financeiros. Em áreas remotas com sistemas de energia distribuída, os ataques cibernéticos são mais fáceis de serem inseridos devido à menor proteção, embora também sejam menos visadas. Para mitigar esse risco, a implementação de sistemas de detecção baseados em IA, capazes de distinguir padrões artificiais de padrões naturais, torna-se essencial. As redes GAN podem ser utilizadas tanto para atacar quanto para proteger a infraestrutura elétrica. Essas redes são compostas por duas partes: uma responsável por gerar ataques e outra por identificá-los. Enquanto agentes mal-intencionados buscam aprimorar geradores de ataques cada vez mais sofisticados, os operadores do sistema elétrico precisam desenvolver identificadores eficientes para detectar e neutralizar essas ameaças.
A pesquisa mostra que os algoritmos de previsão de estabilidade transitória (TSP) são fundamentais para a operação das redes inteligentes. É possível aperfeiçoar a precisão e a segurança deles para evitar manipulações externas?
Podemos aprimorar a precisão e a segurança dos algoritmos de previsão de estabilidade transitória baseados em caixa-preta por meio da incorporação de técnicas como o aprendizado federado, que possibilita o treinamento distribuído sem a necessidade de compartilhar dados sensíveis. Além disso, a implementação de métodos robustos de detecção de anomalias, estimação dos dados de rede e mecanismos avançados de criptografia pode reduzir significativamente o risco de manipulação externa.
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