O presidente da Rússia, Vladimir Putin, advertiu nesta quinta-feira que autorizar a Ucrânia a usar armamento ocidental de longo alcance contra alvos em território russo significaria que a Otan, a aliança militar ocidental, está “em guerra com a Rússia”. Em declaração a um jornalista da televisão estatal, o mandatário russo afirmou que essa decisão “mudaria significativamente a natureza do conflito”, e que Moscou tomaria as “decisões apropriadas com base nas ameaças” enfrentadas.
- Contexto: Blinken e chanceler britânico visitam Kiev para discutir o uso de armas ocidentais contra a Rússia
- ‘Cooperação nas áreas mais sensíveis’: EUA e União Europeia denunciam envio de mísseis do Irã para a Rússia
A Ucrânia, confrontada desde fevereiro de 2022 com uma invasão russa, pede a flexibilização das restrições de uso dos mísseis britânicos Storm Shadow e dos americanos ATACMS, com alcances de centenas de quilômetros, que lhe permitiriam atingir centros logísticos e aeródromos de onde decolam os bombardeiros russos. O chefe da diplomacia dos EUA, Antony Blinken, discutiu nesta quinta-feira, na Polônia, um país-membro da Otan, os pedidos de ajuda militar da Ucrânia.
Blinken prometeu na quarta-feira, em Kiev, tratar “com urgência” essas solicitações e indicou que a questão será abordada na sexta-feira, em Washington, pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o premier britânico, Keir Starmer. As conversas sobre o assunto ganharam impulso na terça-feira, quando os EUA anunciaram novas sanções contra o Irã e acusaram a República Islâmica de fornecer mísseis à Rússia para serem usados “na próxima semana” na Ucrânia. As sanções também foram adotadas pelos governos francês, alemão e britânico.
Em maio, a administração Biden deu permissão à Ucrânia para usar armas dos EUA em ataques transfronteiriços mais curtos contra locais russos usados em uma ofensiva contra a cidade ucraniana de Kharkiv. Desde então, autoridades americanas permitiram que o Exército ucraniano realizasse esse tipo de ataque mais curto em outros locais ao longo da fronteira. À Sky News, Blinken disse na terça-feira que a Casa Branca leva em conta fatores complexos ao tomar essas decisões, mas que a possibilidade de dar mais liberdade à Ucrânia está aberta.
— Adaptamos e ajustamos cada passo ao longo do caminho, e continuaremos [fazendo isso], então não descartamos isso neste momento — disse ele, acrescentando que Washington está comprometido a fornecer à Ucrânia “o que ela precisar e quando precisar” para enfrentar de maneira mais eficaz a Rússia.
Pouco antes da fala Putin nesta quinta, o Exército russo disse ter recuperado “dez localidades em dois dias” na região fronteiriça de Kursk, onde as tropas ucranianas lançaram uma incursão no mês passado, pegando Moscou de surpresa. Segundo a Ucrânia, suas tropas tomaram cerca de 100 localidades e quase 1.300 km² de território russo desde o início da incursão, em 6 de agosto. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, confirmou essa contraofensiva, embora tenha afirmado que a resposta das forças russas “se encaixa no plano” do seu país.
Apesar disso, a incursão ucraniana não reduziu a pressão das tropas russas no leste da Ucrânia, que se aproximam cada vez mais da cidade de Pokrovsk, um importante centro logístico da região do Donbass. Zelensky informou que um bombardeio russo nessa área matou, nesta quinta-feira, três ucranianos que estavam em veículos do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). Ele também acusou a Rússia de ter atacado um navio que transportava trigo para o Egito, no Mar Negro.
A prefeitura de Pokrovsk indicou que a proximidade dos combates obrigou a cortar o abastecimento de água na cidade, que tinha cerca de 53 mil habitantes antes da guerra. O governador de Donetsk, Vadym Filashkin, também relatou a destruição do sistema de abastecimento de gás. Pelo Telegram, ele anunciou que, “com o passar dos dias, há menos lojas em Pokrovsk, e as condições de vida estão se tornando cada vez mais difíceis”. A prefeitura afirmou que a situação “não vai melhorar num futuro próximo” e reforçou o pedido de retirada da região.
Mísseis iranianos e sanções
Na semana passada, autoridades dos Estados Unidos e da Europa afirmaram ao Wall Street Journal que, após meses de alertas sobre sanções, o Irã enviou “vários mísseis balísticos” de curto alcance para a Rússia. Segundo especialistas, se confirmado, é esperado que os novos armamentos ajudem Moscou a intensificar seus esforços para destruir a infraestrutura civil da Ucrânia — um esforço que, de acordo com Zelensky, atualmente envolve cerca de 4 mil bombas por mês.
— Tínhamos alertado o Irã em privado que tomar essa medida constituiria uma escalada dramática — disse Blinken em entrevista coletiva na terça ao lado de DaviL ammy, o ministro britânico. — O novo presidente do Irã afirmou repetidamente que quer restabelecer o diálogo com a Europa. Quer que as sanções sejam reduzidas. Ações desestabilizadoras como essas terão o efeito oposto.
Em declaração divulgada na sexta-feira pela missão permanente do Irã nas Nações Unidas, Teerã já havia negado o envolvimento. Em comunicado, a representação iraniana afirmou que o país “considera o fornecimento de assistência militar às partes envolvidas no conflito — que leva ao aumento de baixas humanas, destruição de infraestrutura e distanciamento das negociações de cessar-fogo — como desumano”. A nota acrescentou que o governo iraniano “não apenas se abstém de se envolver em tais ações, mas também exorta outros países a cessarem o fornecimento de armas” para ambos os lados da guerra.
Conheça armamentos usados pela Ucrânia na guerra contra a Rússia
Embora não seja possível afirmar com precisão todos os armamentos utilizados por Kiev, analistas já identificaram veículos de infantaria blindados Bradley, dos Estados Unidos, e Marder, da Alemanha; países apoiaram incursão ucraniana no território russo
Até agora, o Irã tem fornecido principalmente drones às forças russas, enquanto a Coreia do Norte tem enviado projéteis de artilharia. A administração Biden afirma que empresas chinesas estão vendendo ferramentas de máquinas e microeletrônicos para a Rússia, ajudando o país a reconstruir sua indústria de produção de armas.
O Grupo dos 7 (que reúne Japão, Estados Unidos, Itália, França, Alemanha, Canadá e Reino Unido) advertiu em março que aplicaria sanções coordenadas ao Irã caso a transferência de mísseis fosse realizada. O aviso foi repetido numa cúpula da Otan, em julho. No sábado, Sean Savett, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, recusou-se a confirmar o envio de mísseis, mas sugeriu uma crescente cooperação entre Teerã e Moscou.
— Estamos alertando sobre a crescente parceria de segurança entre a Rússia e o Irã desde o início da invasão em grande escala da Ucrânia, e estamos alarmados com esses relatos — disse. — Qualquer transferência de mísseis balísticos iranianos para a Rússia representaria uma escalada dramática no apoio do Irã à guerra da Rússia contra a Ucrânia e levaria à morte de mais civis ucranianos. Essa parceria ameaça a segurança europeia e ilustra como a influência desestabilizadora do Irã vai além do Oriente Médio e alcança o mundo todo.
Apesar das ameaças e das relações tensas entre Washington e Teerã, o presidente dos EUA, Joe Biden, tem vários motivos para agir com cautela. Um deles é que o governo democrata vem realizando uma diplomacia elaborada com o Irã há meses, buscando evitar que a guerra na Faixa de Gaza se transforme num conflito regional. Por meio de intermediários, funcionários da Casa Branca têm exortado Teerã a não lançar ataques militares contra Israel ou ordenar uma ofensiva em larga escala por meio de seu aliado no Líbano, o grupo xiita Hezbollah.
Há também uma preocupação entre os funcionários ocidentais de não pressionar demais o novo presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, que é visto como um moderado dentro do establishment governante do país. Eleito em julho, Pezeshkian afirmou que espera melhorar a economia doméstica garantindo alívio das sanções da Europa e dos Estados Unidos. Funcionários ocidentais também esperam que ele ajude nos esforços para restringir o programa de enriquecimento nuclear do Irã.
(Com AFP e New York Times)