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Libertado da prisão em 2023, depois de cumprir 16 anos de uma pena de 25 anos por por violação de direitos humanos e corrupção, Alberto Fujimori passava por um longo tratamento contra um câncer na língua, além de uma série de problemas de saúde, incluindo problemas respiratórios e neurológicos, além de hipertensão e de ter passado por uma cirurgia para corrigir uma obstrução coronariana. Sua libertação, inclusive, ocorreu por decisão da Justiça peruana devido a “razões humanitárias”, apesar da objeção da Corte Interamericana de Direitos Humanos — em 2017, o então presidente Pedro Pablo Kuczynski chegou a lhe conceder indulto, mas a medida foi anulada no ano seguinte.
Fujimori nasceu em 28 de julho de 1938, em Miraflores, bairro nobre de Lima. Seus pais, naturais de Kumamoto, no Japão, migraram para o Peru em 1934. Formado em Engenharia Agrônoma pela Universidade Nacional Agraria La Molina e em Física pela Universidade de Estrasburgo, na França, foi reitor e presidente da Comissão Nacional dos Reitores, cargo que ocupou duas vezes. Casou-se em 1974 com Susana Higuchi, com quem teve quatro filhos: Keiko, Hiro, Sachie e Kenji.
Ele ficou conhecido nacionalmente como apresentador de programa de TV “Concertando”, exibido no canal estatal peruano nos anos de 1988 e 1989. Aproveitando a fama conquistada, e sem nunca haver ocupado um cargo político, venceu a eleição presidencial de 1990, derrotando o renomado escritor Mario Vargas Llosa, em uma surpreendente virada.
Na época, os partidos tradicionais peruanos enfrentavam uma fase de desgaste, decorrente da crise da dívida externa dos anos 1980 e das ações terroristas do grupo guerrilheiro Sendero Luminoso, que foi fundado justamente quando o Peru se democratizava, após 12 anos de ditaduras militares.
Dois anos depois de eleito, Fujimori deu o chamado autogolpe, fechando o Congresso e acumulando poderes. Em seu primeiro mandato, mais de 3 mil peruanos foram mortos em assassinatos políticos.
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Em abril de 1995, no auge de sua popularidade, foi reeleito com quase dois terços dos votos — seus partidários também conquistaram uma maioria confortável no novo Congresso, agora unicameral. Assim, um dos primeiros atos do novo Congresso foi declarar anistia para todos os membros do Exército ou policiais peruanos acusados ou condenados por abusos de direitos humanos entre 1980 e 1995.
A eleição daquela ano foi o ponto de virada na carreira de Fujimori. Antes mesmo de ser empossado, tirou a autonomia de duas universidades e refez o órgão eleitoral nacional. Durante os últimos meses do ano de 2000, no entanto, foi encurralado por uma série de escândalos em seu governo. Na época, saiu do Peru na qualidade de presidente para assistir à convenção da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec), em Brunei, de onde depois viajou ao Japão, onde renunciou à Presidência e pediu asilo político.
O Congresso decidiu, então, removê-lo do cargo através de um processo de impeachment, aprovado por 62 votos a 9. Procurado no Peru, Fujimori manteve um exílio autoimposto até sua prisão durante uma visita ao Chile, em novembro de 2005.
Em dezembro de 2007, foi condenado por ordenar busca e apreensão ilegais e acabou sentenciado a seis anos de prisão. Em abril de 2009, voltou a ser condenado, dessa vez por violações dos direitos humanos e sentenciado a 25 anos de prisão pelos sequestros e assassinatos feitos pelo esquadrão da morte conhecido como Grupo Colina, um destacamento do Exército criado durante seu regime, que o próprio Fujimori parabenizou e anistiou.
O veredicto, entregue por um painel de três juízes, marcou a primeira vez que um chefe de Estado eleito foi extraditado para seu país, julgado e condenado por violações de direitos humanos. Fujimori foi considerado culpado de assassinato, lesão corporal e dois casos de sequestro.
Em julho daquele ano, foi novamente condenado a sete anos e meio de prisão por apropriação indébita depois que admitiu ter dado US$ 15 milhões do tesouro peruano para o seu chefe do Serviço de Inteligência, Vladimiro Montesinos. Dois meses mais tarde, se declarou culpado em um quarto julgamento de suborno e recebeu uma pena adicional de seis anos. De acordo com a lei peruana, no entanto, todas as sentenças deveriam ser executadas simultaneamente; assim, a duração máxima da prisão permaneceu 25 anos.
Apesar disso, o Fujimorismo, representado pelos seus filhos, Keiko e Kenji, continuou forte no país. Keiko ficou em segundo lugar nas duas últimas eleições presidenciais, quando perdeu para Pedro Pablo Kuczynski , em 2016, e para Pedro Castillo, em 2021.
Desde o veredicto de 2009, Fujimori tentou evitar o cárcere, sem muito sucesso. Seguidas decisões contrárias em tribunais de todas as instâncias se tornaram rotina — em 2017, Kuczynski chegou a lhe conceder um indulto humanitário, pós uma junta médica recomendar sua libertação devido a um quadro clínico progressivo de doença degenerativa e incurável.
A decisão foi revogada pela Suprema Corte, em 2018, e os magistrados alegaram que a medida carecia de “efeitos jurídicos”. Em maio de 2020, um tribunal peruano rejeitou um recurso da família do ex-presidente que solicitava a libertação de Fujimori por causa de um risco dele contrair a Covid-19. A decisão destacou que Fujimori era o único preso da base policial onde estava, portanto não havia probabilidade de superlotação e de contágio.
Mas a sorte de Fujimori, que tinha a saúde cada vez mais debilitada, parecia mudar no final do ano passado. Em dezembro, o Tribunal Constitucional decidiu restituir o indulto de 2017 e determinar a “libertação imediata” do ex-ditador, que deixou o presídio de Barbadillo, nos arredores de Lima, acompanhado pelos filhos Keiko e Kenji. A Corte Interamericana de Direitos Humanos se opôs à decisão, e pediu a Lima que aguardasse a análise sobre a legalidade da decisão do Tribunal, mas a presidente, Dina Boluarte, decidiu ordenar a libertação mesmo assim.
Fora do cárcere, Fujimori seguiu como um tema polarizador da sociedade peruana. Em julho, Keiko anunciou que seu pai seria candidato à Presidência em 2026, apesar do estado cada vez mais crítico de saúde dele. Na semana passada, foi a uma clínica em Lima, e nas horas que antecederam o anúncio da morte um sacerdote foi visto entrando na casa onde ele vivia, além de políticos, parentes e aliados políticos.
— Está delicado. Ele está passando por um momento difícil, mas estamos seguros de que conseguirá superar — disse a jornalistas o porta-voz do partido de Fujimori, o Força Popular, Miguel Torres. — Oremos por ele.
Horas depois, a família se pronunciou no X.
“Depois de uma longa batalha contra o câncer, nosso pai, Alberto Fujimori, acaba de sair ao encontro do Senhor. Pedimos aos que o apreciaram que nos acompanhem com uma oração pelo descanso eterno de sua alma. Obrigado por tanto, pai!”, disseram seus filhos Keiko, Hiro, Sachie e Kenji Fujimori na rede social.