Quando o ex-candidato presidencial venezuelano Edmundo González Urrutia rumou para o exílio na Espanha, no sábado, seus amigos e colaboradores que estão na Venezuela receberam mensagens de membros da oposição acusando o diplomata aposentado de “covarde”. Um desses amigos contou ao GLOBO, sob condição de anonimato, que “muitas pessoas não entenderam a decisão de Edmundo, e a interpretaram como uma rendição. Segundo ele, hoje predomina um clima de desânimo e desorientação entre os opositores.
Os comentários críticos sobre a saída de González do país são feitos apenas em conversas informais. Publicamente, todos os dirigentes da oposição que se referem ao exílio do ex-candidato presidencial falam em “continuar a luta no exterior”, e na necessidade de manter o apoio ao homem que, em palavras da própria líder opositora María Corina Machado, “assumirá o poder no próximo dia 10 de janeiro”.
As declarações de María Corina e outros opositores devem ser entendidas num contexto profundamente desafiador para a oposição venezuelana. O exílio de González foi, segundo uma fonte que o conhece há muitos anos, “uma decisão pessoal, consultada apenas com sua família”. O ex-candidato presidencial, disse a fonte, “estava muito agoniado, pressionado e influenciado pela mulher, Mercedes, e suas duas filhas.
— Edmundo estava preocupado e considerou que os riscos para sua família eram muito grandes — disse a fonte.
Uma das filhas de González Urrutia ficou em Caracas, com seu marido e filhos. A outra mora em Madri, e recebeu os pais domingo passado. Horas depois de aterrissar na capital espanhola, o diplomata aposentado conversou por telefone com um amigo venezuelano, e disse, segundo contou esse amigo, estar “profundamente aliviado”. Ele afirmou que González está numa casa fornecida pelo Estado espanhol, e que “nos próximos dias deverá entender quais são as regras de seu asilo, e o que poderá fazer na Espanha. O ideal seria que pudesse dar aulas, ou trabalhar em alguma coisa.
— Em princípio, atuar em política será delicado, sabemos que serão impostas limitações.
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‘Posse é ficção fictícia’
Em Caracas e no exterior, dirigentes da oposição esperam que González assuma uma liderança similar a de outros nomes como Leopoldo López ou Antonio Ledezma, ambos exilados. Mas, segundo fontes próximas ao ex-candidato presidencial, “ainda não está claro como será o exílio de Edmundo.
— O que sim temos certeza é de que ele não formará um governo no exílio, e pensar numa eventual posse em janeiro é ficção científica.
Cada dia fica mais claro que existem diferenças entre María Corina e González Urrutia. Em Caracas, comenta-se que essas diferenças incomodavam profundamente a esposa do ex-candidato e suas filhas. O diplomata aposentado, comentou uma das fontes, “não é uma liderança política, e não tem ambições políticas.
— Ser candidato não foi para ele um presente do céu e sim do inferno — afirmou a fonte ao GLOBO.
A liderança de María Corina continua sendo sólida nos discursos públicos, mas, internamente, existem diferenças cada vez maiores entre a presidente do partido Vem Venezuela e outros dirigentes opositores. O grande desafio é evitar que o desânimo entre alguns setores se torne generalizado. A própria líder opositora admitiu, em entrevista recente ao GLOBO, que o grande risco é que a ditadura de Maduro imponha um clima no qual a oposição se sinta desmoralizada.
María Corina assegurou, na mesma entrevista, que “a Venezuela já vive uma transição”. No entanto, analistas políticos como John Magdaleno apontam exatamente o contrário. Em entrevista ao jornalista Vladimir Villegas, o analista afirmou que a Venezuela está longe de uma transição, “está entrando numa fase pré totalitária”.
Segundo Villegas, “setores da oposição estão desorientados, e sentem que com a saída de Edmundo perdeu-se uma batalha”. A visita a Caracas, esta semana, do vice-chanceler colombiano Jorge Rojas, acentuou o clima de frustração. Também em entrevista a Villegas, o vice-chanceler do governo de Gustavo Petro destacou a importância de “reativar os mecanismos da relação bilateral”, e fortalecer especialmente o comércio entre os dois países. Rojas não se reuniu com membros da oposição, apenas do governo Maduro. As tentativas de mediação entre o Palácio Miraflores e a oposição, das quais também participa o Brasil, parecem ter perdido força.
Em Madri, uma das filhas do ex-candidato presidencial leu uma carta do pai na qual González Urrutia diz que “lutarei até o final junto a María Corina”. Em Caracas, seus amigos dizem que o diplomata aposentado está “assoberbado”, e “mais preocupado em saber como será sua vida daqui em diante”.