O Exército israelense informou nesta sexta-feira que matou três combatentes do grupo terrorista Hamas, com quem trava uma guerra na Faixa de Gaza desde outubro, durante uma operação em larga escala lançada contra a Cisjordânia desde quarta-feira. As mortes foram causadas em um ataque aéreo perto da cidade de Jenin, no norte do território palestino ocupado, e elevam para 19 o número de mortos ao longo desses três dias — balanço que converge com o divulgado pelo Ministério da Saúde Palestino. Entre os combatentes “eliminados” estaria um líder da filial do grupo em Jenin, identificado como Wassem Hazem.
“[Hazem] foi identificado ao lado de uma célula terrorista em um veículo na área”, explicaram as Forças Armadas de Israel em uma publicação no X, acompanhada de um vídeo do momento do ataque aéreo. O combatente “esteve envolvido na execução e direção de ataques a tiros e bombas e promoveu continuamente atividades terroristas na área da Judeia e Samaria” (usando os nomes bíblicos pelo qual chamam a Cisjordânia, ocupada por Israel desde 1967).
Testemunhas relataram à AFP um bombardeio israelense contra um carro em Zababdeh, ao sudeste da cidade de Jenin, e que os soldados israelenses inspecionaram o veículo após o ataque. Um correspondente da AFP observou a retirada de corpos do automóvel. As forças israelenses comunicaram a morte de outros dois combatentes que tentaram fugir do veículo em que estavam com Hazem. Segundo os militares, Maysara Masharqa e Arafat Amer eram subordinados do líder da filial em Jenin e “participaram de ataques a tiros contra comunidades israelenses.”
“Fuzis M16, uma pistola, cartuchos, explosivos, granadas de gás e milhares de shekels em fundos terroristas foram encontrados no veículo dos terroristas e em sua posse”, concluíram. Até o momento, o Hamas não anunciou a morte de qualquer integrante.
A Cisjordânia é parcialmente administrada pela Autoridade Nacional Palestina (ANP), e o partido que a domina, o Fatah, é rival do Hamas, embora a animosidade não tenha evitado que o grupo palestino estabelecesse alguns comitês na região. Um artigo do Conselho de Relações Exteriores de agosto deste ano explicou que o Hamas, até então impopular tanto em Gaza (onde governa desde 2007) quanto na Cisjordânia, viu seu apoio quase quadruplicar nesse último território palestino em outubro, de acordo com uma pesquisa divulgada em dezembro passado, dois meses após explodir a guerra em Gaza. O que não significa, porém, apoio majoritário nessas regiões.
Analistas ouvidos pelo Washington Post explicaram que o Hamas e a Jihad Islâmica — cujo comandante da sua filial em Tulkarem, Muhammad Jabber, foi morto na quinta-feira — são as principais facções palestinas na região, embora o Hamas tenha menos destaque no território palestino. Sua atuação na Cisjordânia estaria mais voltada, explicaram os analistas, aos ataques a colonos israelenses. O ex-chefe de assuntos civis palestinos para o Exército israelense Michael Milshtein disse ao jornal americano que ambos os grupos estão ganhando força e que o novo líder do Hamas na Cisjordânia está promovendo um “enorme esforço… para inflamar o campo”.
Londres e Madri condenam operação
Israel iniciou incursões coordenadas na madrugada de quarta-feira contra as cidades de Jenin, Tubas Tulkarem e Nablus, além de dois campos de refugiados, em uma operação chamada de “antiterrorismo” pelo Exército israelense — no que se acredita ser a primeira vez desde a Segunda Intifada (levante palestino de 2000 a 2005) em que várias cidades palestinas foram alvo ao mesmo tempo.
O ministro das Relações Exteriores da Espanha, José Manuel Albares, disse nesta sexta que a situação na Cisjordânia é “claramente inaceitável”.
— No momento, há um aumento da violência [na Cisjordânia] contra os palestinos que é claramente inaceitável — disse Albares durante uma entrevista coletiva, acrescentando que “isso não contribui em nada para o retorno da paz” e “é outro elemento que põe em risco a solução de dois Estados”. O país, ao lado da Irlanda e da Noruega, reconheceu formalmente a soberania do Estado da Palestina em maio.
O Reino Unido também se manifestou, dizendo que estava “profundamente” preocupado com a operação e pedindo que o Israel “exerça contenção” e cumpra o direito internacional. “Reconhecemos a necessidade de Israel se defender contra ameaças à segurança, mas estamos profundamente preocupados com os métodos empregados por Israel e com os relatos de vítimas civis e destruição de infraestrutura civil”, disse um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores britânico. E advertiu que o risco de instabilidade regional era sério, e “a necessidade de desescalada era urgente”.
As tropas israelenses se retiraram de outras cidades da Cisjordânia no final da quinta-feira, como no campo de refugiados de al-Far’a, nos arredores da cidade de Nablus, após completarem o que descreveram como o “objetivo de frustrar o terror, expor a infraestrutura terrorista e eliminar terroristas armados”, informou a BBC. Mas os combates continuaram nos arredores de Jenin, há muito tempo um centro de atividade de facções palestinas.
A destruição provocada pela incursão foi significativa, especialmente em Tulkarem, onde as forças israelenses disseram ter matado cinco pessoas no campo de refugiados Nur Shams, incluindo Jabber. O governador Mustafa Taqatqa descreveu os ataques como “sem precedentes” e um “sinal perigoso”. Moradores expressaram choque e desespero nesta sexta com o resultado de um ataque israelense: paredes crivadas de balas, casas destruídas e pilhas de blocos de concreto.
— Somos outra Gaza, especialmente nos campos de refugiados — disse Nayef Alaajmeh, morador de Nur Shams.
Um porta-voz militar disse que “dez indivíduos procurados foram presos” na Cisjordânia, embora o grupo de defesa Palestinian Prisoners’ Club fale em pelo menos 45 detidos nos últimos três dias. Desde o ataque terrorista liderado pelo Hamas contra o sul de Israel em 7 de outubro, que deixou 1,2 mil pessoas mortas e 251 sequestradas, desencadeando o conflito em Gaza, as forças de segurança israelenses prenderam milhares de palestinos suspeitos de envolvimento com grupos armados.
Mas não foram apenas os encarceramentos que aumentaram no território palestino ocupado: nos últimos quase 11 meses, entre 580 e 640 pessoas foram mortas por tropas israelenses ou colonos. Na contramão de coibir e até erradicar grupos extremistas, o aumento da violência e da repressão no território não só tem aumentado a simpatia de alguns palestinos pelas facções palestinas, como também tem elevado a adesão de jovens.
Do lado israelense, pelo menos 20 pessoas, incluindo soldados, foram mortos em ataques palestinos ou durante operações do exército no mesmo período, de acordo com dados oficiais israelenses.
Três milhões de palestinos vivem na Cisjordânia, assim como meio milhão de judeus israelenses em assentamentos considerados ilegais pelo direito internacional. Na quinta-feira, ao exigir a “interrupção imediata” dessas ações, o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou para o fomento de “uma situação já explosiva na Cisjordânia ocupada”.
‘O que aconteceu com a humanidade básica?’
“O que aconteceu com nossa humanidade básica?”, questionou a chefe interina do escritório humanitário da ONU, Joyce Msuya, em meio à continuação da guerra em Gaza e a dificuldade de atuação encontrada pelas equipes de ajuda humanitária. Paralelo à Cisjordânia, o enclave segue sob ataque. Nesta sexta, um jornalista da AFP disse que Israel bombardeou áreas na Cidade de Gaza, no norte, e a Defesa Civil do território anunciou duas mortes no campo de refugiados de Jabalia, o maior de Gaza. Na outra ponta do enclave, uma fonte médica do Hospital Nasser disse que um ataque israelense matou três pessoas perto da cidade de Khan Younis.
No dia anterior, a Organização Mundial da Saúde (OMS) informou que o Estado judeu concordou com pelo menos três dias de “pausas humanitárias” em partes de Gaza, a partir de domingo, para facilitar uma campanha de vacinação contra a poliomielite após o primeiro caso da doença ser registrado em 25 anos. Mas o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, salientou que as medidas “não são um cessar-fogo” na guerra.
A ONU teve que interromper o movimento de ajuda e de trabalhadores humanitários dentro de Gaza na segunda-feira devido a uma nova ordem de deslocamento israelense para a área de Deir el-Balah, que havia se tornado um centro para seus trabalhadores.
— Mais de 88% do território de Gaza foram submetidos a uma ordem [israelense] de deslocamento em algum momento — disse Msuya, acrescentando que os civis eram forçados a entrar em apenas 11% de Gaza, que já era um dos territórios mais densamente povoados do mundo antes da guerra. — O que testemunhamos nos últimos 11 meses (…) coloca em questão o compromisso do mundo com a ordem jurídica internacional que foi criada para evitar essas tragédias. Isso nos força a questionar: o que aconteceu com nosso senso básico de humanidade?
A resposta militar de Israel ao ataque terrorista do Hamas matou pelo menos 40.602 pessoas em Gaza, de acordo com o Ministério da Saúde do território, que é controlado pelo grupo desde 2007. O escritório de direitos humanos da ONU afirma que a maioria dos mortos são mulheres e crianças. A guerra devastou o enclave palestino, deslocou repetidamente a maior parte de seus 2,3 milhões de habitantes e provocou uma crise humanitária.
Na região central de Gaza, alguns palestinos retornaram a partes de Deir el-Balah depois que os militares suspenderam uma ordem de deslocamento anterior. Mohamed Abu Thuria disse à AFP que “encontrou destruição maciça por toda parte”. Ibrahim al-Tabaan, outro deslocado de Gaza que voltou a Deir el-Balah, disse: