Os Estados Unidos condenaram nesta sexta-feira uma decisão do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela, que nesta quinta-feira validou a contestada reeleição do presidente Nicolás Maduro, afirmando que todas as evidências apontam para a vitória do candidato opositor Edmundo González Urrutia. Em comunicado, o porta-voz do Departamento de Estado americano, Vedant Patel, disse que a medida do órgão “carece totalmente de credibilidade” e que “a vontade do povo venezuelano deve ser respeitada”.
Na sequência, dez países latino-americanos condenaram a decisão da Justiça venezuelana. Argentina, Costa Rica, Chile, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai emitiram um comunicado conjunto, que ainda contou com assinatura dos EUA. As nações disseram rejeitar “categoricamente o anúncio” do TSJ, “que indicou ter concluído uma suposta verificação dos resultados do processo eleitoral de 28 de julho, emitido pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), e que pretende validar os resultados sem apoio do órgão eleitoral”.
Eles acrescentaram que “já haviam manifestado o desconhecimento da validade da declaração do CNE após o impedimento do acesso da oposição à contagem oficial, a não publicação das atas e a posterior negativa em realizar uma auditoria imparcial e independente”. Os Estados Unidos, por sua vez, consideram que “agora é o momento” de as partes “iniciarem conversas sobre uma transição respeitosa e pacífica” na Venezuela. “As contínuas tentativas de reivindicar fraudulentamente a vitória de Maduro só aumentarão a crise atual”, escreveram.
A principal líder da oposição, María Corina Machado, saudou a nota. “A esta altura, ninguém acredita na manobra grosseira do TSJ para esconder as atas que demonstram a esmagadora vitória” de González Urrutia, escreveu ela no X. “O regime cometeu um erro: o que o TSJ sentenciou foi sua cumplicidade com a fraude do CNE. Longe de ‘fechar o caso’, aceleraram o processo que isola e afunda cada vez mais Maduro”.
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O governo da Venezuela reagiu tachando de “inaceitável ato de ingerência” o repúdio de Estados Unidos e dez países latino-americanos à decisão doTSJ, segundo comunicado lido pelo chanceler Yván Gil.
A Venezuela “rejeita nos termos mais enérgicos o grosseiro e insolente comunicado” no qual o grupo de países americanos condenou a sentença da Suprema Corte, disse Gil. “Pretendem continuar violando o direito internacional cometendo um ato inaceitável de ingerência em assuntos que apenas competem aos venezuelanos”, acrescentou.
Também nesta sexta-feira, uma declaração assinada por 30 ex-chefes de Estado e governo da Iniciativa Democrática da Espanha e das Américas (Idea) classificou a validação do resultado eleitoral na Venezuela por parte da Suprema Corte como “um típico golpe de Estado contra a soberania popular“.
Por sua vez, o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, disse que aguardará a publicação das atas de votação para reconhecer a reeleição de Maduro. Em entrevista coletiva na manhã desta sexta-feira, o mexicano afirmou que não teve contato com o líder chavista após as eleições do país e indicou que só conversou sobre o tema com seus homólogos brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e colombiano, Gustavo Petro.
Na semana passada, Lula endureceu o discurso e propôs duas soluções: a formação de um governo de coalizão que integre membros do chavismo e da oposição ou a realização de novas eleições, ambas rejeitadas por ambas as partes.
A União Europeia (UE) também anunciou que não reconhecerá a decisão do TSJ da Venezuela até que as atas eleitorais sejam entregues e possam ser verificadas. O alto representante do bloco para Assuntos Exteriores e Política de Segurança, Josep Borrell, disse que “todo o mundo precisa poder constatar qual é o resultado de uma eleição”, algo que “ainda não aconteceu, e já perdemos a esperança de que aconteça”. Ele pontuou que os Estados-membros da UE tentam fixar uma posição sobre o assunto, que será anunciada no máximo semana que vem.
Após o anúncio da Justiça venezuelana, o presidente do Chile, Gabriel Boric, afirmou na quinta-feira que a decisão “consolida o golpe eleitoral” nas eleições. Ele escreveu no X que o “regime de Maduro obviamente acolhe com entusiasmo a sentença, que estará marcada pela infâmia. Não há dúvida de que estamos diante de uma ditadura que falsifica eleições, reprime quem pensa diferente e é indiferente ao maior exílio do mundo, comparável apenas ao da Síria, causado pela guerra”.
Na mesma linha, o chefe de Estado do Uruguai, Luis Lacalle Pou, afirmou que “o regime de Maduro confirma o que a comunidade internacional vem denunciando: a fraude. Uma ditadura que fecha todas as portas para uma vida institucional e democrática para seu povo”. O presidente do Paraguai, Santiago Peña, considerou “inaceitável” a decisão do TSJ sem uma revisão “exaustiva e independente” dos votos. O líder da Guatemala, Bernardo Arévalo de León, também classificou o pleito como um “golpe eleitoral”.
Por outro lado, o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, parabenizou seu aliado nesta quinta-feira e afirmou que foi um “dia histórico na Venezuela, porque hoje foi confirmada a vitória do povo de [Simón] Bolívar, do povo de [Hugo] Chávez, do povo de Nicolás Maduro“. E o ministro cubano das Relações Exteriores, Bruno Rodríguez, classificou como “vitória” a sentença do TSJ, afirmando que “as decisões das instituições venezuelanas devem ser respeitadas”.
No início deste mês, o número dois do líder venezuelano, Diosdado Cabello, disse à imprensa que a comunidade internacional não deve se intrometer “nos assuntos internos” do país. Em resposta aos pedidos para que a administração chavista apresente as atas do pleito, ele afirmou que esses dados nunca são publicados. A fala ocorreu enquanto Maduro se apresentava à Suprema Corte do país. O próprio líder chavista entrou com recurso no TSJ solicitando que o órgão esclarecesse tudo referente às eleições presidenciais.
— [Que o tribunal] se encarregue de dirimir esta tentativa de golpe de Estado e esclareça tudo o que for necessário sobre esses ataques e esse processo — disse o mandatário na ocasião, referindo-se a uma suposta tentativa de ataque hacker no dia da eleição, algo descartado pelo Centro Carter, um dos poucos institutos a atuar como observador da votação.
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Maduro foi proclamado pela autoridade eleitoral como presidente reeleito para um terceiro mandato de seis anos com 52% dos votos, frente a 43% de González Urrutia. Horas após o primeiro boletim, manifestações estouraram em Caracas e outras cidades do país, inclusive em bairros pobres e historicamente chavistas.
Enquanto os órgãos oficiais se recusam a divulgar as atas das mesas de votação, a oposição alega ter comprovantes de que González Urrutia derrotou Maduro por ampla margem (67% contra 30%). Segundo o Centro Carter, as atas da oposição são “consistentes”, afirmando que mostram claramente que o vitorioso seria o opositor.
— O chavismo está impregnado no Estado venezuelano de tal forma que está presente nas instituições que deveriam ser independentes — disse Ian Batista, analista eleitoral na missão de observação do Centro Carter. — Não há instituições que poderiam balancear os poderes. A Constituição prega algum nível de independência, mas, como o chavismo está impregnado em todos os lugares, eles controlam todos os altos cargos.