Depois de meses de polêmicas e problemas, o independente Robert Kennedy Jr. anunciou a suspensão de sua campanha à Casa Branca, um dia após o fim da Convenção Nacional Democrata que consagrou Kamala Harris como rival de Donald Trump em novembro. O agora ex-candidato afirmou que não estará nas cédulas em estados considerados decisivos, e pediu a seus apoiadores que votem em Trump nesses locais. Um movimento que, em tese, pode beneficiar o republicano, mas ainda não está claro até que ponto. No começo da noite, ele participou de um comício com o ex-presidente no Arizona.
— Não estou encerrando minha campanha, estou simplesmente a suspendendo e não a encerrando. Meu nome permanecerá na cédula na maioria dos estados — afirmou Kennedy, em declarações à imprensa no Arizona.
Kennedy anunciou que entrará com pedidos para que não apareça nas cédulas em 10 estados, e declarou apoio a Donald Trump. Pouco antes do discurso, a rede CNN revelou que um desses pedidos foi feito na Pensilvânia, onde a disputa deve ocorrer voto a voto.
— Três grandes causas me levaram a entrar nesta corrida em primeiro lugar, principalmente, e estas são as principais causas que me persuadiram a deixar o Partido Democrata e concorrer como independente, e agora a dar meu apoio ao [ex-]presidente Trump — disse. — No meu coração, não acredito mais que tenho um caminho realista de vitória eleitoral diante dessa censura implacável e sistemática e controle da mídia.
Com a voz embargada, Robert Kennedy Jr. atacou o Partido Democrata, do qual saiu em outubro do ano passado, afirmando que não era mais a mesma sigla do passado, e que não traduzia mais seus valores. Também agradeceu aos apoiadores e voluntários pelos “sacrifícios que fizeram, porque amam seu país”.
— Em um sistema honesto, acredito que teria vencido a eleição — declarou, em meio a ataques contra a imprensa e ao Partido Democrata, que, segundo o ex-candidato, “está lançando uma guerra” contra Trump e contra ele. Kennedy ainda comparou a eleição nos EUA ao sistema eleitoral na Rússia, onde, segundo ele, o presidente, Vladimir Putin, afasta das urnas qualquer voz de oposição.
Em discurso em Las Vegas, o primeiro depois da Convenção Democrata, Trump agradeceu o apoio de Robert Kennedy, e disse que ele é um “grande cara”, e que eles já conversaram nos últimos dias.
— Acabamos de ter um apoio muito bom de RFK (Robert Fitzgerald Kennedy) Jr, Bobby, e eu vou falar sobre isso… vamos para o Arizona, vamos falar sobre isso. Quero agradecer a Bobby, foi muito bom. Isso é importante. Ele é um cara ótimo, respeitado por todos — disse Trump. — Acho que ele acrescenta muito à eleição, e acho que acrescenta muito se vencermos. Quero dizer, ele tem algumas ideias muito interessantes e boas.
Horas depois, os dois estavam lado a lado em um comício do republicano no Arizona, um dos estados que onde a eleição deve ser decidida — antes do anúncio da desistência de Kennedy, Trump disse que levaria “um convidado surpresa” ao evento.
— Bobby fez uma campanha extraordinária. Se tivesse tido permissão para entrar nas primárias democratas, ele teria derrotado Joe Biden facilmente — afirmou o ex-presidente, apesar de pesquisas jamais terem sugerido essa possibilidade. — [Ele] levantou questões críticas que foram ignoradas por muito tempo. Acho que nunca apresentei alguém que tenha recebido tantos aplausos quanto ele.
Filho de Bobby Kennedy, pré-candidato democrata à Presidência assassinado em 1968, e herdeiro de uma das famílias mais tradicionais do partido, Robert Kennedy Jr. ampliou sua plataforma política durante a pandemia da Covid-19, quando foi uma das mais ativas vozes do movimento antivacina, e quando abraçou uma longa lista de teorias da conspiração. Em 2023, em uma decisão até certo ponto surpreendente, ele se lançou pré-candidato democrata à Presidência, no momento em que a presença de Biden nas urnas em novembro contra Trump era considerada certa.
Em outubro do ano passado, ele desistiu de enfrentar Biden nas primárias e anunciou que concorreria como independente, angariando algum sucesso: no fim de 2023, uma pesquisa nacional da Reuters, em parceria com o instituto Ipsos, chegou a apontá-lo com 14% dos votos, um patamar pouco abaixo do obtido por Ross Perot, o último independente a ameaçar o bipartidarismo na Casa Branca, em 1992.
Até meados de julho, ele se mantinha em um patamar confortável para um candidato independente, por volta de 10% dos votos nacionais, e posições consistentes em estados-pèndulo, como o Arizona e a Geórgia — no final de junho, ele protestou contra o veto da rede CNN à sua presença no debate entre Trump e Biden, e exigiu ser convidado para embates futuros.
Contudo, a campanha já começava a dar sinais de desgaste.
O discurso conspiracionista cada vez mais amplo, que incluia teorias sobre a morte de seu pai, sobre as redes de telefonia 5G e até sobre uma suposta fraude nas eleições de 2004, limitava seu crescimento. Nem mesmo o clã Kennedy o queria ver nas cédulas: no mês passado, uma reportagem da revista Vanity Fair apontou que a maioria dos 105 membros da família era contra. Em comunicado, divulgado na rede social X, cinco irmãos e irmãs de Robert Kennedy afirmam que o endosso a Trump “foi uma traição aos valores que nosso pai e nossa família têm como mais sagrados”, e que o anúncio desta sexta-feira “é um triste fim para uma história trágica”.
Polêmicas recentes, como a que envolvia a carcaça de um urso que apareceu misteriosamente no Central Park, em Nova York, também não ajudaram a melhorar sua imagem.
O golpe final foi a desistência de Biden e a entrada de Kamala Harris na corrida. Segundo a média das pesquisas elaborada pelo site FiveThirtyEight, no dia em que o presidente desistiu da reeleição, 21 de julho, Kennedy caiu de 8,7% para 4,9% das intenções de voto, um patamar que permanece inalterado.
Segundo analistas, boa parte do apoio de Robert Kennedy deve migrar para Donald Trump, e isso independente do endosso ao ex-presidente. Uma sondagem da NBC News mostrou que, em julho, 33% dos republicanos tinham visões favoráveis a ele, enquanto 33% dos independentes e 53% dos democratas o veem de maneira desfavorável.
Muitos dos que declararam voto no agora ex-candidato eram trumpistas desiludidos, e que agora podem rever suas posições.No discurso em que anunciou a desistência, Kennedy usou alguns argumentos similares aos de Trump, como ao questionar os processos contra o republicano na Justiça, e as decisões que o barraram de algumas votações, como em Nova York. Também criticou Kamala Harris por não ter realizado entrevistas coletivas desde sua entrada na campanha.
O real impacto pode ser sentido nos estados-pêndulo, que mais uma vez devem decidir a eleição. No Novo México, uma pesquisa da consultoria Redfield e Wilton o colocava com 8% dos votos, contra 44% de Kamala Harris e 37% de Donald Trump. Em Nevada, onde a sondagem aponta empate técnico entre Kamala e Trump, Kennedy Jr. tem 5%. Em uma votação que será definida voto a voto, a migração de votos poderá ser crucial para a vitória ou a derrota.
Mas analistas sugerem cautela. Um número considerável de eleitores de Kennedy rejeita os dois candidatos, e pode escolher outro nome independente ou nem sair de casa para votar. Ao mesmo tempo em que muitos eleitores do sexo masculino do agora ex-candidato afirmem preferir Trump a Kamala, um fenômeno oposto ocorre entre mulheres e jovens, apontam pesquisas. E há o fator matemático puro e simples: a entrada de Kamala Harris reduziu a base de Kennedy, e há menos votos à disposição.
— Havia alguns eleitores democratas que simplesmente achavam que Biden era velho demais ou que não gostavam dele, e Kamala é uma candidata mais atraente para esse tipo de pessoa — disse Kyle Kondik, editor-chefe do Sabato’s Crystal Ball no Centro de Política da Universidade da Virgínia, ao site Vox. — Apesar de toda a conversa sobre terceiros partidos, uma combinação da desistência do candidato mais proeminente de um terceiro partido, além da crescente popularidade dos dois principais candidatos do partido, significa que haverá menos mercado para candidatos “de fora”.