O assessor presidencial russo Nikolay Patrushev, um aliado de primeira ordem do presidente Vladimir Putin, acusou a Otan e os serviços especiais do Ocidente de participação direta na incursão ucraniana no oeste do país. A declaração de Patrushev, feita em uma entrevista à imprensa russa, é a primeira a abordar abertamente o assunto, em um momento em que Kiev tenta manter sua ofensiva e ocupação do território inimigo.
— Foi o Ocidente que levou a junta criminosa ao poder na Ucrânia. Os países da Otan enviaram armas e instrutores militares para a Ucrânia, eles continuam a fornecer dados de inteligência e controlam as ações de grupos neonazistas — disse Patrushev em uma entrevista ao diário Izvestia, reproduzido por agências internacionais, como Reuters e Tass. — A operação na região de Kursk também foi planejada com a participação da Otan e de serviços especiais ocidentais.
A participação direta do Ocidente na ação ucraniana contra o território russo vem sendo discutida nos últimos dias, sobretudo pelo emprego de equipamentos militares cedidos por países aliados da Otan às forças de Kiev. Fontes ucranianas e ocidentais fizeram menção ao uso de uma série de itens do arsenal ocidental, como tanques britânicos Challenger 2 e sistemas de lançamento de mísseis Himars, americanos.
Oficialmente, os países ocidentais negaram participação. Pouco após o começo da incursão, na semana passada, a Casa Branca afirmou não ter participação no ataque, e também que não havia recebido nenhum aviso antecipado sobre a ação militar ucraniana. Na entrevista ao jornal russo, o assessor de Putin rejeitou a versão americana e especulou sobre o motivo da suposta participação americana e ocidental no ataque.
— Este empreendimento criminoso foi motivado pela percepção do regime neonazista de Kiev de seu iminente colapso iminente — disse Patrushev, acrescentando posteriormente: — É comum que os Estados Unidos digam uma coisa e façam exatamente o oposto. Sem sua participação e endosso direto, Kiev nunca teria ousado pisar em território russo.
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Ao longo da guerra, autoridades ocidentais foram reticentes sobre o tipo de equipamento a ser enviado à Ucrânia e que tipo de reação provocariam na Rússia. Um dos principais pontos em discussão foi sobre o uso dos equipamentos em ataques diretos contra o território russo — algo que motivou, em certa altura, temores de uma escalada nuclear, autorizada pela doutrina russa em caso de risco ao próprio território.
Algumas flexibilizações foram feitas. O presidente americano, Joe Biden, e outros líderes ocidentais, que inicialmente afirmaram que suas armas deveriam ser usadas apenas para aplicações defensivas, defenderam posteriormente que a escolha de como empregar os equipamentos deveria ser feita pela Ucrânia, considerando admissível ataques contra o território russo, desde que correlatos com a guerra no país.
Após a ofensiva contra Kursk, o Pentágono declarou que Kiev fez um uso “aceitável” das armas dos EUA para atacar dentro da Rússia. A porta-voz do Departamento de Defesa americano, Sabrina Singh disse que, à medida que o Exército ucraniano detecta a realização de ataques na fronteira, “eles devem ter a capacidade de responder”.
— Vamos continuar a apoiar a Ucrânia com as capacidades e os sistemas de que precisam — disse Singh em entrevista coletiva. — Não sentimos que isso seja de forma alguma uma escalada. A Ucrânia está fazendo o que precisa para ter sucesso no campo de batalha.
A situação no solo é diferente nos dois lados da fronteira. Enquanto se defende em Kursk, onde os ucranianos afirmam controlar cerca de 1 mil km² e estabeleceram um escritório administrativo — algo que sinaliza ao menos o plano de uma ocupação de maior duração —, as tropas russas avançam na região de Donetsk.
O Ministério da Defesa russo afirmou nesta sexta-feira ter tomado o controle da vila de Sergiivka, uma cidade próxima à cidade de Pokrovsk, que fica em uma estrada importante que liga várias cidades que formam um arco defensivo protegendo a parte de Donetsk que ainda está sob controle ucraniano.
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Especialistas militares dizem que um dos objetivos do ataque surpresa da Ucrânia em Kursk é obrigar Moscou a desviar tropas do front ucraniano para reforçar sua própria região de fronteira. Mas até agora, a Rússia retirou apenas um número limitado de unidades do campo de batalha, priorizando o envio de tropas menos experientes na contenção da situação em seu próprio território, dizem analistas e autoridades dos Estados Unidos.
O Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla em inglês), um think tank sediado em Washington que monitora os desenvolvimentos do campo de batalha, escreveu na quinta-feira que “as forças russas estão mantendo seu ritmo ofensivo relativamente alto” na região de Donetsk. Ao fazer isso, o comando militar russo está demonstrando que “continua priorizando avanços no leste da Ucrânia, mesmo com a Ucrânia pressionando as forças russas” na região de Kursk, escreveu. (Com NYT e AFP)