É madrugada em Caracas, as ruas estão desertas e agentes de segurança privados podem ser avistados. Está prestes a sair de sua casa a líder opositora María Corina Machado, de 56 anos, principal figura da oposição desde que venceu as primárias de outubro do ano passado — não reconhecidas oficialmente —, com mais de 90% dos votos. Seu destino é a cidade de Maracaibo, capital do estado de Zulia, a 700 km de Caracas, onde a oposição pisa forte há muitos anos. Lá será o último comício no interior do candidato à Presidência Edmundo González Urrutia, de 74, principal rival do presidente Nicolás Maduro na eleição deste domingo, apoiado por María Corina.
Na última terça-feira, a reportagem do GLOBO acompanhou a caravana opositora que durou mais de dez horas e na qual foi possível observar em primeira mão o fenômeno eleitoral venezuelano que colocou o chavismo diante de sua eleição mais difícil após 25 anos no poder.
Para muitos venezuelanos, as cenas das caravanas opositoras trazem à memória a campanha do líder bolivariano Hugo Chávez, em 1998, que o levou ao Palácio Miraflores em janeiro de 99. Quando a luz do dia começou a aparecer, também o fizeram muitos moradores de pequenos vilarejos em estados como Yaracuy, Carabobo, Lara e, finalmente, Zulia.
Se, na primeira metade do trajeto, María Corina permaneceu em sua caminhonete blindada, na segunda desceu em vários pontos para cumprimentar seguidores eufóricos. Pessoas choravam e abraçavam uma mulher que até pouco tempo atrás era vista como parte da elite venezuelana, pedindo-lhe que “traga meu filho de volta” — uma referência à promessa de trazer de volta os milhões de compatriotas que nos últimos anos foram embora.
Para esses moradores da Venezuela profunda, pobre e abandonada, a mulher de classe alta, que construiu uma conexão emocional com seus seguidores sem fazer promessas de ajuda econômica, tornou-se a esperança de uma vida melhor. Seu principal compromisso, diz, é devolver a liberdade aos venezuelanos.
As caravanas refletem as dificuldades que enfrenta a oposição na Venezuela. Sob o risco de não conseguir abastecer nos postos do interior pelas ameaças do governo a seus donos, dizem oposicionistas, os carros levam sua própria gasolina. María Corina tampouco pode hospedar-se em hotéis nem pegar voos comerciais. Segundo ela, não há dinheiro para alugar voos privados. A estrada é a única opção, e essa estrada acabou se transformando em uma via de conexão com amplos setores da sociedade que sentem abandonados pelo chavismo.
Candidatos de oposição fazem carreata pela Venezuela antes das eleições
À medida que a caravana se aproximava de Maracaibo, a maré humana se avolumou com carros e mais carros, motos com até quatro pessoas e caminhonetes com as traseiras cheias de seguidores empunhando bandeiras do país. Controles de segurança montados pela Guarda Nacional Bolivariana e pela Polícia Nacional Bolivariana se viram inibidos perante a quantidade de pessoas, que acabaram se tornando uma espécie de escudo humano.
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Os controles afrouxaram, o que sinalizou, para observadores atentos que conhecem a História recente do país, que algumas coisas, de fato, estão mudando. Respira-se menos medo.
— A amamos, é nossa única esperança — diz Rubi Rojas, de 55 anos, exibindo seus braços com a pele arrepiada.
Rubi, que mora no pequeno vilarejo de Palmarito, na fronteira entre os estados de Mérida e Zulia, mostra que, na multidão de apoio a María Corina, está o padre da cidade:
— Nós a protegemos, nada vai lhe acontecer.
Ao longo da viagem, os outdoors da campanha de Maduro estão por toda parte. Da oposição, zero. O contraste é notório, o mesmo que se vê nos meios de comunicação. Os grandes canais de TV, jornais e rádios do país não entrevistam o candidato opositor. Mas, nas estradas, a presença de María Corina tem repercussão imediata, mesmo após a repressão às ondas de protestos de 2014 e 2017.
— Muitos nos perguntamos de onde sai tanta gente, como essa campanha aconteceu? Após 25 anos, a sociedade se transformou. Num país de supermachos, de Chávez e Bolívar, os homens choram com María Corina, expressam sua tristeza — afirma o sociólogo Tulio Hernández, que foi professor da Universidade Central da Venezuela (UCV) e, após anos de perseguição, exilou-se na Colômbia.
A líder que faz campanha, mas não é candidata, é vista, aponta Oswaldo Ramírez Colina, da ORC Consultores, como “diferente do resto da oposição”.
— As pessoas confiam em María Corina e também em González. O que vemos é o poder das redes sociais somado à fadiga social — afirma.
A líder da oposição conta ter modificado sua própria personalidade para se adaptar a um novo momento político e social que, segundo ela, é parte de uma profunda transformação da sociedade venezuelana.
— As pessoas me contam seus problemas, choram comigo. Sempre fui uma pessoa fechada, seca, mas comecei a me abrir, o povo me modificou — comenta María Corina, numa das paradas da caravana.
Para chegar a Maracaibo, é preciso atravessar uma grande ponte que muitos imaginaram que estaria bloqueada pelas forças de segurança. Apesar de a travessia ter demorado alguns minutos, a barreira policial foi rapidamente suspensa por causa da aglomeração pró-oposição. Ao chegar à cidade, conhecida por suas temperaturas sufocantes, um apagão deixou uma casa reservada pela campanha sem ar-condicionado, transformando o local em verdadeira sauna. Além disso, os equipamentos de som contratados não chegaram, porque as empresas que deviam fornecer o serviço foram alvo de perseguição, segundo membros da equipe opositora.
O candidato e María Corina, que o tornou conhecido em um processo de transferência de votos poucas vezes visto na América Latina, desfilaram na principal avenida da cidade em silêncio. Só os pedidos de liberdade, bradados pelos venezuelanos a partir das ruas, tetos de prédios, comércios e até mesmo postes de luz, eram ouvidos.
— Estamos fazendo uma campanha histórica — afirma González, suando e com sua característica voz baixinha, ao lado de sua esposa e sua filha, num caminhão que transportava mais de 30 pessoas.
Ao longo dos 700 km que separam Caracas da capital de Zulia, fica claro por que o chavismo enfrenta sua eleição presidencial mais difícil. Casas de barro, comércios fechados e abandonados, pessoas que vivem na pobreza (a taxa oficial está acima de 50%), perderam a esperança nos últimos anos e, nesta campanha, voltaram a acreditar que a vida pode melhorar.
Zulia é um estado pouco hostil aos opositores, governado por Manuel Rosales, ex-candidato presidencial e que chegou a se inscrever para disputar o pleito deste ano, mas desistiu da corrida, segundo comenta-se no mundo opositor, por pressões de María Corina. O governador dialoga com o chavismo há muito tempo e não conta com a confiança da mulher que, hoje, manda na oposição venezuelana.
No estado, onde vivem cerca de 5 milhões de pessoas, estima-se que votarão pelo menos 1,5 milhão de eleitores. É um número significativo, numa disputa na qual analistas estimam que, no melhor dos casos, participarão entre 13 milhões e 16 milhões.