O presidente dos EUA, Joe Biden, tinha apenas começado a tentar reverter o momento desfavorável de sua campanha de reeleição, quando o atentado contra o ex-presidente Donald Trump mudou os rumos da disputa pela Casa Branca. Mais do que as repercussões diretas para o republicano, atingido por um tiro na orelha, o ataque afetou todos os aspectos da campanha — no caso do democrata, retirou uma de suas principais apostas: atacar diretamente o comportamento do seu adversário e sua possível agenda em um segundo mandato.
Tentando afastar os questionamentos sobre sua saúde mental e diminuir a pressão dentro do próprio partido — de setores que pedem sua saída da disputa — Biden fez um discurso enérgico em Detroit, na sexta-feira, prometendo “colocar os holofotes” sobre Trump, uma estratégia que planejava explorar até o dia da eleição. Em 24 horas, tudo mudou.
Pouco depois da cena no comício republicano em Butler, na Pensilvânia, com Trump sendo retirado do palco por agentes do Serviço Secreto, sangrando, a campanha democrata precisou rever a estratégia. De imediato, cancelou a reprodução de peças publicitárias com foco negativo no ex-presidente, em respeito ao clima nacional de comoção e para evitar possíveis reações adversas do eleitorado. O foco das manifestações também mudou para uma defesa da normalização da política.
Se por um lado, o movimento de retração da campanha atrapalha os planos de Biden para reverter a desvantagem que tem diante de Trump, sendo superado nas pesquisas de intenção de voto por uma margem curta, mas constante, por outro lado, a tentativa de homicídio ofereceu ao democrata um alívio por parte da imprensa quanto às suas condições físicas e mentais, após o desempenho no debate televisivo do mês passado. Também deu ao presidente uma chance de falar com o público nacionalmente.
Trump fica ferido em comício na Pensilvânia e é escoltado por seguranças
Em um discurso no domingo, Biden apareceu perante os eleitores americanos não como candidato, mas como um chefe de Estado. Atrás da Mesa do Resolute, um símbolo da democracia americana, usada pela maioria dos presidentes desde 1880, ele não se dirigiu aos temas de campanha em si, e usou de uma linguagem pacificadora e moderada para pedir a união dos americanos e o respeito às instituições. Em seis minutos, nenhuma característica física do presidente ou gafe mereceu destaque — o que é uma exceção em suas últimas aparições públicas.
— Não podemos, não devemos, seguir este caminho na América — disse Biden, usando o Salão Oval pela terceira vez apenas, desde que foi eleito. — Não há lugar na América para este tipo de violência, para qualquer violência, nunca. Ponto. Sem exceções. Não podemos permitir que esta violência seja normalizada. O poder de mudar a América deveria estar sempre nas mãos do povo, não nas mãos de um pretenso assassino.
O presidente planeja reforçar sua condenação à violência contra o principal adversário — mantendo-se temporariamente afastado dos temas de campanha — nesta segunda-feira, quando será entrevistado em horário nobre pelo apresentador Lester Holt, na NBC News. A entrevista vai ao ar na mesma hora em que estará acontecendo a Convenção Nacional Republicana, em Milwaukee, onde Trump vai discursar.
Embora a atuação como estadista possa ter efeitos positivos para Biden — o impacto do atentado e de suas repercussões ainda não foi captado pelas pesquisas de opinião —, a campanha do democrata vai retomar o caminho dos temas eleitorais em breve.
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Um funcionário da campanha de Biden, ouvido em anonimato pela Bloomberg, afirmou que os democratas pretendem continuar a campanha, passado o momento de crise, reforçando as diferenças entre Biden e Trump. Ainda de acordo com o funcionário, o atual presidente não vai hesitar em falar sobre o que está em jogo nestas eleições — ao longo do mandato, ele já disse que o radicalismo republicano estaria deturpando os valores americanos.
A Casa Branca também anunciou oficialmente uma retomada da campanha em breve. Biden planeja viajar para Las Vegas, para conversar com grupos de defesa de negros e latinos na terça e quarta-feira. Ele também deve conceder novas entrevistas em breve, retomando o foco para a disputa. (Com Bloomberg e NYT)