Quando o Exército de Israel emitiu nesta quarta-feira uma nova ordem para que os moradores da Cidade de Gaza se movessem mais para sul, em direção ao centro do enclave às margens do Mar Mediterrâneo, o palestino Um Nimr al-Amal já sabia o que fazer. Há nove meses impactado pelo conflito, seguir as ordens israelenses virou um processo repetidamente cansativo.
— É a 12ª vez que fugimos. Quantas vezes ainda precisaremos aguentar isso? Mil vezes? — disse o palestino à AFP.
A nova ordem indica a possibilidade de escalada das operações terrestres na área contra o que o Exército israelense descreveu como uma renovada insurgência do Hamas— em janeiro, o comando militar chegou a apontar a cidade como uma zona livre do grupo terrorista. Também ocorre um dia depois de um ataque do lado de fora de uma escola transformada em abrigo em Khan Younis, no sul de Gaza, ter deixado ao menos 27 mortos, segundo autoridades do enclave, que é controlado pelo Hamas.
Um vídeo compartilhado pela rede catari Al-Jazeera e verificado pelo jornal americano The New York Times registrou o instante do bombardeio, que aconteceu quando meninos jogavam bola em uma quadra da escola Al-Awda. Na gravação, ouvem-se o barulho de uma grande explosão e os gritos de um homem: “Fujam, fujam, Al-Awda foi atingida!”
Enquanto a pessoa que grava o vídeo corre para a entrada da escola, a câmera registra uma cena de devastação, com corpos em meio aos destroços. O Exército israelense disse que o ataque tinha como alvo um membro do Hamas que participou dos ataques de 7 de outubro, que deram início ao conflito. O Exército não informou a identidade do combatente nem anunciou se foi morto, afirmando que “examinava os relatos de que houve danos aos civis”.
O bombardeio foi o quarto, nos últimos quatro dias, a atingir diretamente (ou os arredores) de alguma área utilizada como abrigo por pessoas deslocadas pelo conflito, segundo uma contagem feita pela rede britânica BBC.
‘Corredores de segurança’
Quanto à ordem de retirada da Cidade de Gaza, Israel já havia emitido ordens para alguns bairros e zonas específicas da localidade, e não ficou claro se a notificação desta quarta era para um deslocamento total — o que corresponderia à primeira do tipo desde o mês de outubro, de acordo com a publicação israelense Haaretz. Panfletos lançados sobre o local afirmaram que “todas as pessoas presentes na Cidade de Gaza” devem deixar a região em direção ao sul através de quatro “corredores de segurança”.
“A Cidade de Gaza permanecerá como uma perigosa zona de combate”, disse o Exército de Israel em um comunicado divulgado nas redes sociais.
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Soldados israelenses voltaram a entrar na Cidade de Gaza em dias recentes, no último caso de retorno das forças do país a locais dos quais haviam se retirado após garantir sua segurança. Analistas afirmaram que a falta de vontade israelense de instalar uma administração alternativa em Gaza criou um vácuo de poder, permitindo ao Hamas se reagrupar.
Em uma publicação na rede social X (antigo Twitter), as Forças Armadas de Israel informaram na terça-feira ter eliminado mais de 150 do que chamou de “terroristas” no bairro de Shejaiya, além de ter implodido seis túneis e apreendido dezenas de documentos de inteligência e armamentos. Na terça, um franco-atirador palestino matou um suboficial israelense durante as operações no bairro de Tel al-Hawa, segundo o comando militar.
Além de expor gargalos no plano tático, a ordem de retirada na Cidade de Gaza, que divide o território entre o norte e o sul, agrava ainda mais a situação dos civis palestinos, que, assim como al-Amal, têm de se deslocar repetidamente. Uma estimativa divulgada pela ONU na semana passada apontou que cerca de 1,9 milhão dos 2,2 milhões de habitantes de Gaza (número pré-guerra) foram deslocados desde o começo do conflito.
No caso da ordem atual na cidade de Gaza, o “corredor de segurança” com direção ao sul deve levar os civis palestinos a Deir al-Balah, uma área que foi alvo de pelo menos um bombardeio na semana passada.
Em deslocamento pela 12ª vez, al-Amal se pergunta até quando vai conseguir atender às ordens israelenses.
— Aonde vamos parar? Já não tenho forças. Já não consigo mais — afirmou. (Com AFP)