Falando a uma multidão barulhenta e, segundo jornalistas no local, com mais energia do que demonstrou na noite anterior — embora ainda intercalando as frases com uma tosse insistente devido a um resfriado, segundo assessores —, Biden usou os poucos minutos no palco para atacar Trump de forma contundente e reafirmar o argumento de que seu retorno à Casa Branca seria uma ameaça à democracia.
— Eu sei que não sou um homem jovem, para dizer o óbvio. Sei que não caminho tão facilmente como antes, não falo tão bem como antes, não debato tão bem como antes, mas sei o que sei. Eu sei dizer a verdade — disse o presidente em tom firme. — Dou minha palavra como Biden. Eu não estaria concorrendo novamente se não acreditasse de todo o meu coração e alma que posso fazer esse trabalho. Porque, francamente, os riscos são muito altos.
Ao contrário da noite anterior, quando deixou Trump à vontade e não conseguiu responder à altura, as críticas ao adversário foram mais duras dessa vez, descrevendo-o como uma “onda de crimes de um homem só”, em referência aos inúmeros problemas legais que o ex-mandatário enfrenta na Justiça. E procurou repetidamente definir a eleição como uma escolha entre o certo e o errado, a moralidade e a criminalidade, um homem honesto e um criminoso condenado.
Um dos momentos em que Biden tentou se impor na noite do debate foi quando Trump tentou minimizar os impactos negativos de seus problemas legais ao comparar sua situação à de Hunter Biden, o filho do presidente que foi condenado por mentir sobre uso de drogas ao comprar arma nos EUA. Além disso, Trump também tentou reverter o rótulo de criminoso, acusando repetidamente Biden de sê-lo.
— O único criminoso condenado no palco ontem à noite [quinta-feira] foi Donald Trump. Quando pensei em suas 34 acusações por crimes graves, sua agressão sexual a uma mulher em um lugar público e sua multa de US$ 400 milhões por fraude empresarial, pensei comigo mesmo: Donald Trump não é apenas um criminoso condenado — disse Biden no comício. — É uma onda de crimes de um homem só.
Esse comentário levou a multidão de apoiadores a gritar “prendam-no!”, ecoando os mesmos gritos que se popularizaram nos comícios de Trump em 2016, quando o republicano atacava sua oponente, a democrata Hillary Clinton, por supostas violações da lei.
‘Eu não debato tão bem quanto costumava’, diz Biden após duelo com Trump
Quem abriu o comício foi a primeira-dama, que enalteceu o desempenho do presidente no debate, assim como fizera na noite anterior, apesar dos temores crescentes entre a base democrata.
— Não há ninguém que eu preferisse ter no Salão Oval agora além do que meu marido — disse a primeira-dama. — O que vocês viram ontem à noite no palco do debate foi Joe Biden, um presidente com integridade e caráter, que disse a verdade. E Donald Trump falou mentira atrás de mentira atrás de mentira.
O discurso de Biden não durou mais do que 15 minutos, mas foi recebido com aplausos e gritos dos eleitores. Na saída, deixou o púlpito em Raleigh ao lado de Jill com uma “corridinha” tímida e acenos à plateia. O pronunciamento, porém, não alcançou a mesma audiência do debate organizado pela CNN. Segundo o Instituto Nielsen, o duelo com Trump atraiu 48 milhões de telespectadores — com exceção de eventos esportivos, a maior audiência do ano.
O comício ocorre em meio aos receios na base democrata após seu desempenho frágil no primeiro debate eleitoral contra Trump, que fez com que a hipótese de uma troca de candidato antes das eleições de novembro ganhasse força internamente no partido, segundo analistas políticos e conselheiros da legenda, que falaram publicamente sobre o assunto. Embora possível, a substituição é difícil, sobretudo sem contar com a vontade do próprio Biden de desistir antes da realização da convenção do partido, entre 19 e 22 de agosto.
Em um comício de campanha em Chesapeake, na Virgínia, Trump descartou a hipótese de Biden abandonar a disputa.
— Muitas pessoas estão dizendo que, depois do desempenho de ontem à noite, Joe Biden está deixando a disputa. Mas eu realmente não acredito nisso porque ele se sai melhor nas pesquisas do que qualquer um dos democratas sobre os quais eles estão falando — disse num pronunciamento posterior ao comício do presidente dos EUA.
Nas redes sociais, a campanha do republicano explorou a fragilidade de Biden no debate e a reação de seus correligionários para atacá-lo e reforçar teorias de que o democrata não tem mais condições físicas e psíquicas para governar o país em um novo mandato.
Na noite anterior, Biden foi recebido com música alta, aplausos e gritos de guerra após o debate, que ocorreu em Atlanta, Geórgia. Antes de sua chegada, um DJ animava os apoiadores do partido. As TVs que transmitiram o debate foram desligadas, sem reverberar os muitos questionamentos de analistas sobre o desempenho do candidato. Lá, Biden não falou sobre o seu desempenho errático. Preferiu falar sobre a atuação de Trump, que aproveitou-se do formato do debate para apresentar sua narrativa sobre uma série de temas, nem sempre baseados em fatos.
— Não consigo pensar em nada que ele tenha dito que fosse verdade — disse Biden. — Vamos vencer esse cara. Precisamos vencer esse cara e preciso de vocês para vencê-lo.
O clima de otimismo, contudo, era avesso ao encontrado entre os democratas de outras partes do país. Em Washington e em outros centros, alguns democratas graduados manifestaram preocupações sobre o desempenho hesitante de Biden. Van Jones, ex-assessor de Barack Obama e comentarista político da CNN, afirmou que o desempenho do presidente foi “doloroso” e sugeriu a troca de sua candidatura.
— Eu amo Joe Biden. Trabalhei para Joe Biden. Ele não se saiu nada bem. (…) Ele está fazendo o melhor que pode. Mas ele tinha um teste para realizar esta noite para restaurar a confiança do país e da base. E ele falhou em fazer isso — disse Jones. — Acho que muitas pessoas vão querer vê-lo considerar um curso diferente agora. Ainda estamos longe de nossa convenção, e há tempo para este partido descobrir um caminho diferente a seguir, se ele nos permitir fazer isso.
O comentário de Jones estava mais alinhado à reação pós-debate do que à euforia do evento promovido pela campanha de Biden em Atlanta. Entre os colunistas do jornal americano New York Times, a opinião quase unânime é de que o atual presidente deve se retirar da disputa e abrir espaço para um novo candidato — ou ao menos que enfrentará uma forte pressão do partido para tal.
Thomas L. Friedman, um dos analistas políticos mais influentes e com acessos ao Partido Democrata no país, escreveu um artigo com uma mensagem clara desde o título: “Joe Biden é um bom homem e um bom presidente. Ele deve sair da disputa“. Friedman classificou o debate como “o momento mais doloroso da campanha presidencial americana” em seu tempo de vida, declarando que Biden não tem “nada a ver” com a reeleição.
Por hora, as insatisfações não têm efeito prático. Biden já deixou claro que não tem intenção de deixar o páreo e liberar a candidatura para alguém mais jovem. Além do compromisso com os doadores da campanha democrata, o presidente conta também com o respaldo de líderes importantes dentro do partido.
Em uma postagem no X (antigo Twitter), o ex-presidente Barack Obama, de quem Biden foi vice, minimizou a importância de suas dificuldades no palco da CNN na noite anterior. “Noites de debate ruins acontecem”, escreveu Obama. “Esta eleição ainda é uma escolha entre alguém que lutou pelas pessoas comuns durante toda sua vida e alguém que só se preocupa consigo mesmo. Entre alguém que fala a verdade; que distingue o certo do errado e o transmitirá diretamente ao povo americano, e alguém que mente descaradamente em seu próprio benefício”, completou.
Integrantes da ala mais radical do Partido Republicano e ex-candidatos à Presidência, que disputaram com Trump a indicação da legenda durante as primárias, também reagiram ao debate. Nikki Haley, ex-embaixadora dos EUA na ONU no primeiro mandato do republicano, fez uma publicação no Twitter questionando a real intenção de Biden de disputar as eleições.
“Guardem minhas palavras… Biden não será o candidato democrata. Republicanos, mantenham-se atentos!”, escreveu. (Com New York Times.)