O fundador do WikiLeaks, Julian Assange, desembarcou nesta quarta-feira no aeroporto de Camberra, na Austrália, em um desfecho para uma saga de quase 14 anos, que inclui sete anos confinado na embaixada do Equador em Londres e cinco em uma prisão de segurança máxima perto da capital londrina, após ser acusado de vazar documentos secretos de países estrangeiros. Na segunda-feira, Assange fechou um acordo com a justiça americana, e compareceu, um dia depois, a um tribunal federal das Ilhas Marianas, no Pacífico, quando foi declarado pelas autoridades como “um homem livre”.
Assange pousou na capital australiana durante uma noite fria, em um jato particular. Ele acenou para fotógrafos e curiosos e reencontrou o pai, John Shipton, e a esposa, Stella — que atuou como uma espécie de porta-voz durante o deslocamento do marido, do Reino Unido para as Ilhas Marianas do Norte, e em seguida para a Austrália. O voo foi o mais monitorado na terça-feira em todo o mundo, de acordo com o site de monitoramento aéreo FlightRadar24.
Assange é oficialmente ‘um homem livre’ após formalização de acordo com Justiça americana
O fundador do WikiLeaks, de 52 anos, deixou a prisão de segurança máxima perto de Londres, onde permaneceu detido por cinco anos, na manhã de segunda-feira. Após embarcar no aeroporto de Stansted, Assange pousou em Bangcoc, Tailândia, na tarde de terça, para uma escala técnica, antes de seguir para as Ilhas Marianas — um arquipélago americano próximo à Austrália, onde foi apresentado a um tribunal federal.
Na audiência, a juíza Ramona Manglona considerou que os 62 meses cumpridos por Assange na prisão britânica de segurança máxima já foram uma sentença “justa e razoável” e, dessa forma, ele pôde sair do tribunal em liberdade.
Antes de proferir a decisão, Manglona questionou Assange inúmeras vezes se ele se declararia culpado e se entendia as consequências, que incluem não poder mais entrar nos Estados Unidos. O australiano admitiu ter obtido e divulgado informações relativas à defesa nacional americana, incentivando uma fonte a fornecer material confidencial.
Ao pisar em solo australiano, o fundador do WikiLeaks não fez nenhum pronunciamento ou conversou com a imprensa. Sua esposa e sua equipe de advogados, no entanto, concederam uma entrevista a jornalistas sobre todo o processo ao qual ele foi submetido e sobre seus planos futuros.
— Julian precisa de tempo para se recuperar, para se acostumar com a liberdade. Vocês precisam entender o que ele passou — disse Stella Assange a repórteres. — [Ele] continua com princípios e sem medo.
Seus advogados também comemoraram a volta para casa, mas falaram sobre a gravidade de sua condenação por uma prática jornalística, apontando para o risco que a decisão representa para a liberdade de imprensa.
— Isso é criminalização do jornalismo — afirmou Jennifer Robinson, uma das advogadas de Assange, que o acompanhou nos voos dos últimos dias, classificando o caso como um “precedente perigoso” para a imprensa em geral.
O primeiro-ministro da Austrália, Anthony Albanese, também falou com repórteres após a chegada de Assange ao país e agradeceu aos EUA e ao Reino Unido pela cooperação para encerrar o caso. Questionado sobre o custo da operação de retorno de Assange, o premier disse que o governo atuou com objetivo de auxiliar um cidadão australiano.
— Eu acredito em defender os cidadãos australianos. Como primeiro-ministro da Austrália, você tem oportunidade de fazer a diferença — disse.
O premier e Assange também conversaram por telefone, segundo o próprio Albanese. Na conversa, o fundador do WikiLeaks agradeceu ao primeiro-ministro pela intervenção junto às autoridades estrangeiras sobre o seu caso e disse que Albanese “salvou a sua vida”. Assange terá que reembolsar US$ 520 mil (R$ 2,8 milhões) ao governo australiano pelo avião que o transportou. Sua esposa pediu doações para fazer o pagamento.
E embora esteja de volta ao seu país de origem, o fundador do WikiLeaks ainda tem assuntos pendentes com relação a todo o processo. Stella Assange afirmou que o marido irá pedir um perdão presidencial a Joe Biden — em uma iniciativa para evitar um precedente que pode prejudicar a atuação de jornalistas.
— Acho que ele será perdoado se a imprensa se unir para resistir a este precedente — disse Stella, referindo-se à condenação do marido pela lei de espionagem, algo que disse ter potencial para interferir na divulgação de informações “mesmo que verdadeiras”.
- Bernardo Mello Franco: Acordo de Biden para soltar Assange é bom tema para novo vazamento do WikiLeaks
Nos EUA, o advogado Barry Pollack, parte da equipe jurídica de Assange, descreveu o caso como uma “acusação que nunca deveria ter sido instaurada”, e reafirmou que o uso da lei de espionagem para perseguir um jornalista e editor de notícias era um caso sem precedentes.
— Ninguém deveria passar um dia na prisão por fornecer ao público informações importantes e de interesse jornalístico — afirmou.
O australiano foi acusado de divulgar, a partir de 2010, mais de 700 mil documentos confidenciais sobre as atividades militares e diplomáticas dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão, entre outros países. Entre os documentos há um vídeo, filmado em julho de 2007 a partir de um helicóptero, que mostra civis sendo atingidos por tiros, incluindo um jornalista da Reuters e seu motorista, que morreram na ação.
O acordo assinado por Assange com os EUA impõe que ele instrua o WikiLeaks a destruir as informações retidas e a fornecer uma declaração juramentada confirmando o procedimento. Os procuradores dos EUA estão convencidos de que Assange fez isso, informou o jornal britânico, acrescentando que o governo americano também não pretende realizar qualquer confisco a Assange. (Com AFP)