O presidente da Bolívia, Luis Arce, convocou os bolivianos nesta quarta-feira a se mobilizar contra uma tentativa de “golpe de Estado” e nomeou um novo comando militar horas depois de ter pedido respeito à democracia ao denunciar “mobilizações irregulares” de militares em frente ao Palácio Queimado, a sede presidencial em La Paz, na Praça Murillo. Em meio à movimentação das tropas, Arce anunciou o general José Wilson Sánchez Velázquez como novo comandante das Forças Armadas, sucedendo ao general Juan José Zúñiga, que liderou o levante fracassado. Ao assumir, Sánchez ordenou o regresso das tropas a seus quartéis, que procederam a se desmobilizar da praça. A tentativa de golpe foi condenada por todo o espectro político boliviano e pela comunidade internacional.
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Depois das 17h na Bolívia (18h em Brasília), Arce fez um pronunciamento desde a Casa Grande do Povo, um edifício adjacente à sede do governo, para transmitir uma mensagem de união e calma à população. Ao lado dos ministros de seu Gabinete e da vice-presidente David Choquehuanca, enfatizou a necessidade de “aplacar os apetites inconstitucionais”.
— Convocamos o povo boliviano a se mobilizar e a manter a calma contra o golpe de Estado, em favor da democracia — disse Arce. — Todos juntos vamos derrotar qualquer intentona golpista.
Mais tarde, depois que os militares começaram a deixar a praça, Arce discursou perante centenas de seguidores desde o balcão do palácio presidencial:
— Ninguém pode nos tirar a democracia que conquistamos — afirmou. — Estamos seguros que vamos seguir trabalhando.
Ao ordenar o retorno das tropas aos quartéis, o novo comandante militar nomeado por Arce afirmou que “o general Zúñiga foi um bom comandante, e lhe pedimos que não derrame o sangue de nossos soldados”.
— Sejamos cientes de que o governo legalmente constituído permanece, de acordo com as normas do Estado — afirmou Sánchez, em referência à Constituição.
No início do levante na Praça Murillo, o general Zúñiga, que estava no cargo desde novembre de 2022, declarou que “a mobilização de todas as unidades militares” buscava expressar seu descontentamento “com a situação do país”.
Mais cedo, Zúñiga, que estava no cargo desde novembre de 2022, declarou que “a mobilização de todas as unidades militares” buscava expressar seu descontentamento “com a situação do país”, alertando que não permitiria uma possível nova candidatura em 2025 do ex-presidente Evo Morales, que governou a Bolívia de 2006 a 2019.
— As Forças Armadas pretendem reestruturar a democracia que seja uma verdadeira democracia, não de uns donos que já estão 30 e 40 anos no poder — afirmou antes de entrar em um veículo blindado.
O comandante destituído também afirmou que o Exército pretendia liberar o que classificou como presos políticos, referindo-se a tenentes-coronéis e capitães, além da ex-presidente Jeanine Añez, presos em 2021 sob a acusação de tentativa de golpe contra Morales em 2019.
No início da mobilização militar, alguns soldados tentaram derrubar uma porta do palácio presidencial com um veículo blindado, testemunharam jornalistas da AFP, pela qual entrou brevemente Zúñiga antes de sair momentos depois. Na Praça Murillo, também lançaram gás lacrimogêneo contra um grupo de apoiadores do governo, que gritavam: “Lucho (apelido de Arce), você não está sozinho”.
Presidente da Bolívia denuncia ‘mobilizações irregulares’ de militares
— Já basta. Não pode haver essa deslealdade — afirmou, acrescentando que continuava obedecendo ao presidente Arce “por enquanto”, mas que tomaria medidas para “mudar o Gabinete de governo”.
Zúñiga foi destituído de seu cargo na terça-feira após fazer declarações polêmicas sobre a possível candidatura de Morales, afirmando que prenderia Morales se insistisse na candidatura apesar de ter sido inabilitado pela justiça eleitoral. Em uma entrevista na segunda-feira a um canal de televisão, o general disse que não permitiria “que a Constituição fosse pisoteada, que desobedecesse ao mandato do povo”: “Esse senhor está inabilitado, não pode voltar a ser de novo presidente deste país”, afirmou.
As declarações atraíram várias críticas, e o presidente Arce convocou Zúñiga para informá-lo de sua destituilção. Previamente, Morales havia solicitado em suas redes sociais que Arce tomasse providências.
Nesta quarta-feira, em declarações no X, Morales conclamou a população a “defender a democracia frente ao golpe de Estado gestado sob a liderança” do general Zúñiga. “Neste momento, pessoal das Forças Armadas e blindados estão posicionados na Plaza Murillo. Convocaram uma reunião de emergência no Estado-Maior do Exército, em Miraflores, às 15h, em uniformes de combate.”
A imprensa local começou a relatar a presença de tanques e e de militares em torno da sede do governo por volta das 16h30 (horário de Brasília). Zúñiga teria chegado armado ao local num veículo blindado, informaram os jornais bolivianos.
Pouco após a movimentação iniciar, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, condenou os acontecimentos por meio de uma postagem no X. “O Exército deve submeter-se ao poder civil legitimamente eleito. Enviamos nossa solidariedade ao presidente da Bolivia, Luis Arce Catacora, ao seu governo e a todo o povo boliviano. A comunidade internacional, a OEA e a secretaria-geral não tolerarão qualquer violação da ordem constitucional legítima na Bolívia ou em qualquer outro lugar.”
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também se manifestou e disse que está torcendo para que a democracia prevaleça na Bolívia e que “golpe nunca deu certo”.
— Como eu sou um amante da democracia, eu quero que a democracia prevaleça na América Latina, golpe nunca deu certo — disse o presidente, acrescentando que pediu ao ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, que procurasse obter mais informações.