Uma comissão da ONU que investiga os ataques do grupo terrorista Hamas em 7 de outubro de 2023 e a guerra subsequente na Faixa de Gaza acusou nesta quarta-feira Israel e os grupos armados palestinos de cometerem crimes de guerra, com o painel de três membros afirmando que o Estado judeu também cometeu crimes contra a Humanidade na condução do conflito no enclave, controlado pelo Hamas desde 2007.
O relatório da comissão, criada em maio de 2021 pelo Conselho de Direitos Humanos após um conflito de 11 dias entre Israel e o Hamas, forneceu a avaliação mais detalhada da organização até agora sobre os acontecimentos desde os ataques de 7 de outubro, quando o Hamas deixou quase 1,2 mil mortos, incluindo mais de 800 civis, e fez 252 reféns, incluindo 36 menores, ao invadir o sul israelense.
Apesar de nenhuma penalidade decorrer do relatório em si, o documento apresenta a análise jurídica de ações no conflito em Gaza que provavelmente será levada em conta por procedimentos criminais internacionais como o da Corte Internacional de Justiça, que avalia uma acusação de genocídio feita pela África do Sul contra Israel.
A comissão — liderada por Navi Pillay, ex-alta-comissária para Direitos Humanos, e também formada por Chris Sidoti, um especialista australiano na lei de direitos humanos, e Miloon Kothari, um especialista indiano em direitos humanos e política social — disse que o governo israelense não cooperou com a investigação e lhe negou acesso aos territórios de Israel, Gaza e da Cisjordânia ocupada.
O relatório diz que o braço militar do Hamas e outros seis grupos armados palestinos — auxiliados de alguma forma por civis palestinos — mataram e torturaram pessoas durante o ataque do ano passado.
“Muitos sequestros foram realizados com violência física, mental e sexual significativa e com tratamento degradante e humilhante, incluindo, em alguns casos, a exibição dos sequestrados”, afirma o relatório. “Mulheres e corpos de mulheres foram usados como troféus de vitória por perpetradores do sexo masculino.”
Apesar de ter identificado “esquemas de violência sexual”, que visaram em particular as mulheres israelenses, a comissão afirmou não ter sido capaz de “verificar de forma independente” alegações feitas por jornalistas e autoridades israelenses de que combatentes palestinos cometeram estupros. Segundo o relatório, a ausência de cooperação de Israel, com “falta de acesso às vítimas, testemunhas e a obstrução de suas investigações por autoridades israelenses”, teria impedido a averiguação.
A comissão também cita evidências significativas de profanação de cadáveres, incluindo sexual, decapitações, lacerações, cortes de partes dos corpos e queimaduras.
Mas Israel, durante sua campanha de oito meses em Gaza para destruir o Hamas, também cometeu crimes de guerra, disse a comissão, como o uso de fome como arma por meio de um cerco total ao território.
O relatório afirma que o uso de armas pesadas por Israel em áreas densamente povoadas equivaleu a um ataque direto à população civil e continha os elementos essenciais de um crime contra a Humanidade, ignorando a necessidade de distinguir entre combatentes e civis e causando um número desproporcionalmente elevado de vítimas civis, particularmente entre mulheres e crianças.
O conflito matou ou mutilou dezenas de milhares de crianças palestinas, uma escala e uma taxa de vítimas “sem paralelo nos conflitos das últimas décadas”, afirmou a comissão. Outros crimes contra a Humanidade cometidos por Israel, disse a comissão, incluem “extermínio, assassinato, perseguição de gênero contra homens e meninos palestinos; transferências forçadas, atos de tortura e tratamentos desumanos e cruéis”.
Ao contrário do genocídio, os crimes contra a Humanidade não têm necessariamente de estar voltados contra um grupo específico da população, mas podem ser direcionados contra qualquer população civil, segundo a ONU. No entanto, devem ser cometidos como parte de ataques em larga escala, ao contrário dos crimes de guerra, que podem ser atos isolados.
O painel disse que as forças israelenses usaram violência sexual e com base no gênero, incluindo nudez forçada e humilhação sexual, como “um procedimento operacional” contra palestinos no curso de deslocamentos e detenções. “Vítimas femininas e masculinas foram submetidas a tal violência sexual”, disse o relatório, mas “homens e meninos foram intencionalmente sexualizados como um ato de retaliação pelo ataque [de 7 de outubro]”.
Na Cisjordânia, a comissão constatou que as tropas israelenses “cometeram atos de violência sexual, tortura, tratamentos desumanos ou cruéis e atentados contra a dignidade pessoal, que constituem crimes de guerra”. Também afirmou que o governo e as tropas israelenses “permitiram, encorajaram e incitaram uma campanha de violência por parte dos colonos”.
“É imperativo que todos os que cometeram crimes sejam responsabilizados”, afirmou em um comunicado Pillay, que também foi presidente do Tribunal Penal Internacional (TPI) para Ruanda e juíza do TPI. “A única maneira de acabar com os ciclos recorrentes de violência, incluindo as agressões e as represálias das duas partes, é garantir o respeito estrito do direito internacional”.
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Em um comunicado em resposta ao relatório, a missão de Israel na ONU em Genebra denunciou o que chamou de “discriminação sistêmica anti-Israel”, afirmando que a comissão desconsiderou o uso de escudos humanos pelo Hamas e fez uma tentativa “ultrajante e repugnante” de criar uma falsa equivalência entre o Hamas e o Exército de Israel em relação à violência sexual.
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A comissão baseu suas descobertas em entrevistas com sobreviventes e testumunhas, conduzidas de forma remota ou pessoalmente em visitas à Turquia e ao Egito, e em imagens de satélite, registros médico forenses e dados de fontes abertas, incluindo fotos e vídeos feitos por soldados israelenses e compartilhados nas redes sociais.
A comissão disse que identificou os principais responsáveis por crimes de guerra ou crimes contra a Humanidade, incluindo membros graduados do Hamas e outos grupos palestinos e autoridades políticas e militares de Israel, incluindo de seu Gabinete de guerra. A comissão disse que continuará suas investigações centradas naqueles com responsabilidade criminal individual ou responsabilidade superior ou de comando. (Com New York Times e AFP)