— O objetivo é muito claro: trazer de volta os residentes do norte — disse Halevi nesta quarta-feira aos soldados, referindo-se aos estimados 60 mil israelenses forçados a deixar a região desde outubro do ano passado. — Para fazer isso, estamos preparando o processo de manobras, e a importância disso são suas botas militares, botas entrando no território do inimigo, nas vilas que o Hezbollah preparou como um grande destacamento militar, com infraestrutura subterrânea, com pontos de lançamento para ataques dentro do território israelense contra civis do país.
Em meio à continuidade de ataques dos dois lados, com o Líbano registrando nesta quarta-feira 72 mortos e 392 feridos em bombardeios contra 280 alvos do grupo xiita no sul e na região do Vale do Bekaa, ao leste, os Estados Unidos tentam um novo esforço diplomático para evitar que os dois lados entrem em uma guerra total — algo que poderia abarcar toda a região. O risco de que as hostilidades se espalhem ficou visível com o lançamento nesta quarta de drones contra a cidade israelense de Eilat pela Resistência Islâmica no Iraque, um grupo também pró-Irã. Um deles chegou à cidade, ferindo de forma leve duas pessoas.
Esforço pelos dois conflitos
Como parte da tentativa de mediação, que pela primeira vez desde 7 de outubro do ano passado tenta amarrar em um único esforço diplomático o conflito em Gaza e no Líbano, os EUA e a França buscam vários canais para persuadir Israel e o Hezbollah a cessar as hostilidades por 21 dias, permitindo negociações para a libertação dos reféns mantidos pelo grupo terrorista Hamas há mais de 11 meses, um fim para a guerra no enclave palestino e um acordo diplomático que inclua a retirada do grupo xiita libanês da área de fronteira. Às margens da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, os presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e da França, Emmanuel Macron, se encontraram nesta quarta-feira para discutir os caminhos para um cessar-fogo “e evitar uma guerra maior”, disse um comunicado.
Segundo o jornal israelense Haaretz, o esforço de EUA e França inclui vários países árabes, como o Egito e o Catar, que já negociavam a libertação dos reféns em troca de prisioneiros palestinos. Apesar de avaliarem que a concentração de forças israelenses na fronteira seja apenas uma estratégia para pressionar o Hezbollah por concessões, os EUA estão diretamente instando Israel a evitar uma invasão terrestre do Líbano ao mesmo tempo em que pressionam Beirute a convencer o Hezbollah a parar os disparos e concordar com uma retirada tática.
A França mantém diálogo com o governo libanês e tem um contato direto com o Hezbollah e o Irã. Em seu discurso perante a Assembleia Geral da ONU nesta quarta-feira, o presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou que seu chanceler, Jean-Noël Barrot, visitará Beirute para tentar alcançar um cessar-fogo. Um diplomata ocidental alertou que qualquer acordo que não inclua Gaza alcançaria somente um cessar-fogo temporário com o Hezbollah — o grupo xiita já advertiu diversas vezes que não vai parar os disparos enquanto não houver uma trégua no enclave.
A pedido da França, o Conselho de Segurança da ONU fará uma reunião de emergência nesta quarta-feira em Nova York, onde a preocupação com a escalada entre o Exército israelense e o Hezbollah vem dominando os debates da Assembleia Geral.
— Israel está empurrando a região para uma guerra aberta — alertaram os chefes da diplomacia do Egito, Iraque e Jordânia, que condenaram a “agressão israelense” no Líbano.
Segundo o principal porta-voz militar de Israel, Daniel Hagari, desde segunda-feira, o dia mais letal no conflito de décadas entre os dois lados, Israel atacou mais de 2 mil alvos no Líbano. Os ataques espalharam pânico e desespero no país e, desde segunda-feira, forçaram o deslocamento de mais de 90 mil pessoas, de acordo com informações da ONU nesta quarta-feira — desde que as hostilidades começaram entre as partes, em outubro do ano passado, 113 mil libaneses já haviam deixado a área de fronteira.
Carros civis congestionam as principais estradas que levam a Beirute, enquanto muitos na capital buscaram segurança em montanhas ou mais ao norte do país. Segundo a ONU, milhares fugiram do Líbano para a Síria em dias recentes, em uma reversão do fluxo de refugiados em mais de uma década para a direção contrária.
A tensão disparou entre os dois países desde a semana passada, quando foram detonados milhares de pagers e centenas de walkie-talkies que os membros do Hezbollah usavam para se comunicar, deixando dezenas de mortos e milhares de feridos. Na sexta-feira, um bombardeio israelense matou em Beirute Ibrahim Aqil, que era chefe das operações militares do Hezbollah e comandante interino da força de elite Radwan, e cerca de 50 pessoas, incluindo outros 15 membros do grupo.
Nesta quarta-feira, o primeiro-ministro de Israel reiterou que o esforço militar será mantido até que os israelenses forçados a sair do norte do país possam voltar a suas casas — o retorno das dezenas de milhares de pessoas para a região de fronteira foi incluído como objetivo de Israel no conflito em 16 de setembro.
“Estamos desferindo golpes no Hezbollah que ele nunca imaginou. Estamos fazendo isso com força e astúcia. Posso prometer uma coisa: não descansaremos até que [as pessoas deslocadas no norte] retornem para suas casas”, disse o premier em comunicado.
Apesar do disparo do míssil na direção de Tel Aviv nesta quarta, a resposta do Hezbollah até agora vem sendo restrita, com lançamento de projéteis em frações mínimas do que é capaz de disparar. Especialistas especulam que a resposta limitada poderia ter a ver com a desorganização sofrida pelo movimento após o ataque contra os dispositivos de comunicação da semana passada ou mesmo a uma pressão do Irã por contenção.
Vídeos gravados em solo israelense mostram diversos projéteis sendo interceptados durante o voo e sirenes de alerta ecoando pela região. Segundo o Hezbollah, o principal projétil disparado contra o Estado judeu era um míssil Qader 1, de fabricação iraniana, com alcance operacional estimado em 300 km (Tel Aviv está a cerca de 100 km da fronteira com o Líbano). O alvo, disseram fontes libanesas, seria a sede do Mossad, o serviço secreto israelense, apontado como o responsável pela detonação dos pagers e walkie-talkies. Apesar de o míssil não ter deixado danos ou feridos em Tel Aviv, a parte central do núcleo urbano densamente povoado de Israel, seu lançamento representa um marco inquietante na escalada rápida do conflito.
À rede americana CNN, o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby, disse que a Casa Branca considerou o ataque do Hezbollah em Tel Aviv “muito preocupante”, embora ainda pense que uma solução diplomática seja possível. Em declarações separadas ao “Today Show”, da NBC, o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, também apelou a uma solução diplomática para o conflito, afirmando que “o que todos querem é ter um ambiente seguro onde as pessoas possam ir para casa”.
— A melhor maneira de conseguir isso não é por meio da guerra, não é por meio de uma escalada, seria por meio de um acordo diplomático — disse Blinken, também citando as negociações de cessar-fogo entre o Hamas e Israel.
O diretor da agência das Nações Unidas para os refugiados palestinos (UNRWA), Philippe Lazzarini, temer “uma guerra total” que faça o Líbano virar uma nova Faixa de Gaza, e o papa Francisco denunciou a “terrível escalada” no Líbano, que chamou de “inaceitável”. O pontífice ainda pediu à comunidade internacional que faça todo o possível para acabar com a crise. (Com AFP)