Executivas e empresárias rebateram ontem o empresário e influenciador digital Tallis Gomes, fundador do aplicativo Easy Taxi e CEO da G4 Educação. Na noite de quinta-feira, ele declarou, em postagem na rede social Instagram, que as mulheres não deveriam assumir o comando de empresas, no cargo de CEO, equivalente a presidente no jargão do mundo corporativo. Segundo o influencer de 37 anos, isso as afastaria dos cuidados com a casa, os filhos e o marido.
Também pelas redes, houve um movimento de clientes afirmando ter cancelado cursos da escola de negócios G4 Educação. O Instituto Caldeira, entidade gaúcha sem fins lucrativos dedicada a fomentar discussões sobre inovação empresarial, anunciou o cancelamento de uma palestra de Gomes prevista para a semana que vem, em Porto Alegre.
A presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, Luiza Trajano, foi uma das primeiras a reagir à declaração. Disse em postagem no LinkedIn que “não concorda em nada com o posicionamento” de Gomes.
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“Criei três filhos trabalhando muito, inclusive como CEO do Magalu. Soube cuidar deles e dos idosos da família. Tenho amigas íntimas que optaram por ficar em casa para criar seus filhos mais de perto. Simplesmente escolheram outro estilo de vida, e nunca as critiquei. Tanto os meus filhos quanto os delas são felizes, comprometidos e legais. Sempre digo: não há receita para criar uma família. De uma coisa tenho certeza: nós, mulheres, podemos ser aquilo que queremos e optamos ser.”
O empresário, depois da repercussão das suas declarações fez novo posto se retratando: “Reconheço que minhas palavras foram mal colocadas e que os termos utilizados não refletiram meus valores pessoais nem os da minha empresa, o G4 Educação. Estou profundamente arrependido e gostaria de reiterar minhas sinceras desculpas a todos que se sentiram ofendidos.”
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Para Chieko Aoki, presidente da rede hoteleira Blue Tree Hotels, a posição de Gomes não pode ser considerada um padrão no mundo corporativo, e não faltam motivos para as mulheres seguirem ganhando espaço na alta administração das empresas:
— Precisamos ter CEOs que entendam de gente. O mundo está precisando de gente que entenda de gente, e as mulheres entendem e cuidam de gente.
A CEO da rede de pet shops Petlove, Talita Lacerda, lamentou que existam pessoas com a mentalidade de Gomes. A Petlove tem 43% de mulheres em cargos de liderança e pretende chegar a 50% até 2026.
— Tenho duas filhas e sempre tive muito apoio, mas o primeiro ponto é essa capacidade de sonhar e não se colocar em uma caixinha — afirmou Talita, rebatendo uma das declarações de Gomes, para quem as mulheres aproveitariam melhor a “energia feminina” se permanecessem dedicadas aos afazeres domésticos e aos cuidados com os filhos.
Paula Lindenberg, CEO da Diageo Brasil, fabricante de bebidas dona das marcas Johnnie Walker, Tanqueray e Smirnoff, se disse orgulhosa de estar à frente de uma empresa em que mulheres são 50% dos cargos de liderança:
— Sou líder de uma empresa que acredita que ambientes diversos e inclusivos são bons para o negócio, para as pessoas e sociedade — afirmou. — Nossa CEO global é uma mulher. Tenho certeza de que nossas conquistas em equidade refletem como entendemos o espaço da mulher na sociedade: com liberdade para ser o que quiser.
A empresária e influenciadora digital Bianca Andrade, conhecida como Boca Rosa, escreveu nas redes sociais que Gomes “falou bastante absurdo, não foi pouco”.
“O que me chamou a atenção é entender que esse cara falou no lugar de: ‘Estou cuidando de você, ó, mulher. Olha como penso em você. Vamos cuidar das mulheres, porque, senão, não é justo para elas.’ Muitos homens não entendem que a opinião deles é só mais uma opinião de mais uma pessoa no planeta, não é a realidade. Então, mulheres, sejam CEOs, sejam o que vocês quiserem”, disse Bianca.
Mulheres ocupam cargos de liderança no mercado
Incorporadoras, construtoras e corretoras de imóveis apostam cada vez mais na capacidade feminina para liderar times e comandar os negócios
O pouco espaço para as mulheres na alta direção das empresas apareceu em pesquisa do Instituto Ethos divulgada nesta semana: apenas 27,4% dos cargos executivos, que incluem diretores e CEOs, são ocupados por mulheres, apesar de elas serem mais da metade dos trainees.
Ana Lúcia Melo, diretora-adjunta do Instituto Ethos, chamou a atenção para o fato de que, na edição mais recente da pesquisa, foi verificado um aumento da preocupação com o problema. Ou seja, os executivos de alto escalão reconhecem que é preciso dar mais espaço para as mulheres, embora essa preocupação ainda não se traduza em mudanças na prática.
Para Ana Lúcia, a visão de Gomes é um lembrete de que ainda há obstáculos culturais e sociais para a divisão equilibrada das posições de poder na sociedade:
— Essa visão de que a mulher foi feita para servir o lar, a família, a casa, é bastante ultrapassada, mas ao mesmo tempo é a que surge quando passamos a discutir mais o papel da mulher exercendo aquilo que ela quer, inclusive profissionalmente. Isso revela também o desafio que ainda está colocado.
Para Silvia Fazio, presidente da WILL — Women in Leadership in Latin America, organização com foco em apoiar e promover o desenvolvimento de carreira das mulheres, “esse tipo de visão, que infelizmente ainda existe tanto no Brasil como no mundo, mina a evolução da nossa busca por um ambiente corporativo mais igualitário”:
— Fecha portas para mulheres e pode acabar gerando questionamentos em mulheres que estão enfrentando momentos mais desafiadores.