A Casa Branca afirmou que o anúncio de um plano para suspender os combates entre Israel e o grupo xiita libanês Hezbollah por 21 dias, feito na véspera, foi coordenado com o governo israelense de Benjamin Netanyahu, cujo Gabinete afirmou nesta quinta-feira que nem “sequer respondeu” à proposta. A aparente desconexão ocorre em meio à continuidade do conflito, com o disparo de 150 foguetes do Hezbollah contra o território israelense e bombardeios de 220 alvos do grupo libanês por Israel no Líbano e perto da fronteira com a Síria, uma ação que teria como objetivo impedir que armas iranianas cheguem ao movimento xiita. De acordo com o governo libanês, 1.572 pessoas morreram no Líbano desde o início das hostilidades com Israel, em outubro do ano passado — deste total, mais de 800 desde a semana passada.
Durante entrevista coletiva na Casa Branca, a secretária de Imprensa, Karina Jean-Pierre, não conseguiu esconder certa confusão com as muitas versões que circulam nas últimas horas sobre o plano, anunciado no final da noite de quarta-feira e que previa a pausa de 21 dias para permitir ações diplomáticas rumo a um cessar-fogo duradouro. E ela foi clara ao apontar para o lado israelense.
— O que estamos tentando fazer com isso é um apelo claro por um cessar-fogo temporário. Queremos fornecer espaço [para o diálogo] — disse Jean-Pierre.— A declaração foi de fato coordenada com o lado israelense. Não posso falar por eles. Eles terão de falar por si mesmos. Estou apenas expondo o que sabemos, como isso aconteceu e qual é nosso objetivo final.
Oficialmente, o Gabinete de Netanyahu afirmou que um suposto aval aos planos de cessar-fogo, liderados por EUA e França, “era incorreto”, acrescentando, em comunicado, que a ordem do premier era para que o Exército “continue a lutar com força total e de acordo com os planos apresentados a ele”.
Confronto entre Hezbollah e Israel continua
Mas nos bastidores, a história é um pouco diferente. Segundo o Canal 12, Netanyahu chegou a concordar com a proposta antes de embarcar rumo aos EUA, onde discursará na Assembleia-Geral da ONU na sexta-feira.
A mudança de rumo ocorreu durante o voo: como revelou o jornal Haaretz, citando fontes no governo, o premier e o ministro de Assuntos Estratégicos, Ron Dermer, próximo a Netanyahu, cederam diante de críticas de elementos de dentro do Gabinete ministerial, que são favoráveis à expansão da guerra no Líbano. Um deles, Itamar Ben-Gvir, que comanda a pasta da Segurança Interna, disse que entregaria o cargo e que seu partido deixaria o governo caso houvesse um cessar-fogo. Bezalel Smotrich, titular das Finanças, disse que só há duas escolhas: a rendição do Hezbollah ou a guerra. Expoentes da extrema direita no governo, os dois juntos comandam 13 cadeiras no Parlamento e sua saída da coalizão derrubaria Netanyahu, que tem uma maioria escassa de 64 dos 120 deputados, apenas três acima do mínimo necessário.
Segundo o Canal 12, antes do “levante”, um discurso no qual o premier declararia que continuaria a luta contra o Hezbollah, mas louvaria a possibilidade de retorno dos civis ao norte de Israel sob uma trégua, já estava sendo preparado. Entre cumprir o acordado com a Casa Branca e manter seu governo (e seu cargo), a segunda opção foi vista como a mais adequada.
— O presidente dos Estados Unidos não lideraria um processo como esse sem o acordo do primeiro-ministro Netanyahu. Esse retrocesso destrói completamente o que resta das relações com a administração Biden — disse um integrante do governo israelense ao Canal 12.
Esse não foi um episódio isolado.
— Os americanos se viram diante de algo similar com Netanyahu durante as negociações sobre o acordo para os reféns em Gaza — afirmou um diplomata ocidental ao Haaretz. — Ele ficou assustado com a resistência de seu governo e deu meia-volta.
Em entrevista coletiva em Nova York, nesta quinta-feira, o secretário de Estado, Antony Blinken, evitou atacar o premier, que está cada vez mais desconectado do governo Biden, e disse que continuará a trabalhar pela diplomacia.
— Não posso falar por ele. Posso apenas dizer que o mundo está falando claramente, com praticamente todos os países-chave na Europa e na região pedindo um cessar-fogo — disse Blinken. — Temos mantido contato próximo com autoridades israelenses durante a semana e continuaremos trabalhando com elas e todas as partes hoje.
Netanyahu agora deixa clara sua escolha não apenas por uma guerra que pode englobar todo o Oriente Médio, mas também por posições de seus ministros mais beligerantes, que querem soluções “duradouras” para o norte do país. O premier exige que o grupo xiita deixe a fronteira e limite sua capacidade de atingir as cidades da área — e como disse seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, na semana passada, a solução passa por uma operação militar de grande porte, como a que está em curso hoje.
— Israel não quer uma solução temporária de cessar-fogo que não atenda às suas necessidades e signifique que, daqui a dois anos, eles terão de fazer tudo de novo — explicou Michael Stephens, especialista em Oriente Médio do Royal United Services Institute, um centro de estudos com sede em Londres, ao New York Times. — O pensamento deles é: por que negociar um cessar-fogo de 21 dias para obter boas relações públicas se isso não resolve nenhuma das preocupações de segurança que nos levaram a esse ponto?
Sem pausa nos combates, Israel ampliou os bombardeios ao redor do território libanês, incluindo na capital, Beirute, onde um dos comandantes da unidade de drones do Hezbollah foi morto. Houve ainda ataques contra posições do grupo na fronteira com a Síria, no que as Forças Armadas dizem ter sido uma ação para conter o fluxo de armas enviadas pelo Irã ao Hezbollah — oficialmente, Teerã afirma que não tem qualquer envolvimento com o conflito, apesar de apoiar publicamente a organização, inclusive nas Nações Unidas.
— Nós agora vamos impedir qualquer possibilidade de transferência de armas do Irã, em face do que vimos até agora do Hezbollah — afirmou o chefe da Força Aérea israelense, Tomer Bar, durante uma reunião com oficiais na Base Aérea de Tel Nof — Esta é uma missão que está se tornando a primeira na ordem de prioridades.
Além dos bombardeios, unidades de reservistas foram convocadas e enviadas ao norte na quarta-feira, enquanto líderes militares pediram prontidão para uma eventual operação terrestre israelense contra o sul do Líbano.
O Hezbollah também disparou novos ataques. Ao menos 150 projéteis foram lançados contra o território de Israel. O movimento libanês disse ter mirado um complexo militar em Haifa, principal cidade no norte do país. Até o momento, o grupo não dá sinais de que os bombardeios e as mortes de centenas de pessoas, incluindo seus comandantes, nos últimos dias tenham mudado os cálculos para o conflito. O grupo não comentou a proposta de cessar-fogo de 21 dias de EUA e França, e suas lideranças, incluindo Hassan Nasrallah, líder da organização, afirmam que vão interromper os ataques contra o território israelense se os combates na Faixa de Gaza tiverem fim.