O Brasil corre o risco de perder R$ 500 bilhões em investimento da indústria de transformação, até 2027, caso o governo não tome medidas para conter a avalanche de produtos chineses que estão sendo importados, entre eles aço, automóveis, brinquedos. A previsão é da Coalizão Brasil, grupo que representa 14 entidades de 13 setores da indústria da transformação, da construção civil e do comércio exterior.
Segundo a Coalização, estão previstos R$ 825,8 bilhões em investimentos desses setores no ciclo 2023 e 2027. Mas esse número está ameaçado se o cenário atual de invasão de produtos chineses se mentiver e 57% do total de investimentos pode ser cortado.
Os representantes desses setores defendem uma taxa de juros competitiva, que permita a retomada dos investimentos (atualmente uma empresa paga em média 23% de juros ao ano), um sistema de impostos mais justo (que tem como pano de fundo a reforma tributária) e condições de competição equânimes, mas sem protecionismo da indústria nacional.
— Existe um verdadeiro ‘tsunami’ chinês em curso e há uma grande preocupação com essas importações predatórias. Num primeiro momento, isso pode parecer choro de empresários que estão defendendo seu setor. Mas isso está acontecendo em diversos segmentos. A indústria brasileira está sob ataque — disse Marco Polo de Mello Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil, que integra a Coalização.
Os setores têm conversado com o governo de forma sistemática sobre o problema e afirmam sua posição de não ‘terem contra a China’. Diversos integrantes do grupo têm tido encontros com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para explicar como estão sendo afetados. Mas eles reafirmam que é preciso ter uma decisão política por parte do governo para que os investimentros e empregos sejam preservados no país.
Os integrantes da Coalizão lembram que com baixo crescimento, o governo chinês tem adotado uma posição de exportar o excedente de produção, vendendo com preços abaixo do mercado e com margens negativas. Portanto, dizem, trata-se de uma ação do estado chinês.
— Estamos dispostos a discutir com o governo brasileiro o melhor mecanismo a ser adotado. Um acordo Mercosul/China, por exemplo, que tem sido aventado, é considerado um desastre para a indústria nacional — disse Mello Lopes, que lembrou que mecanismos como cotas de importação e tarifas podem ser adotados, desde que haja disposição política do governo. Os representantes de cada setor observaram que diversos países impuseram barreiras aos produtos chineses.
Por aqui, os setores que estão sendo afetados pelas importações chinesas representam 43,3% do PIB da indústria, o equivalente a US$ 572 bilhões. E são responsáveis por 57% das exportações da indústria de manufaturados, o equivalente a US$ 335 bilhões anuais.
A Coalização Brasil, que é aparditária e foi criada em 2018, defende também a retomada do crescimento econômico de forma sustentável do país e redução do chamado Custo Brasil, que representa R$ 1,7 trilhão em gastos excedentes para produzir no Brasil em relação aos países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Também está na agenda da Coalizão a transição energética e descarbonização.
Setores relatam crescimento das importações
No setor têxtil, por exemplo, Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), lembrou que as importações de têxteis cresceram 13% no primeiro semestre, dez vezes mais do que a produção nacional, que teve expansão de 3%.
No caso de automóveis, Marcio de Lima Leite, presidente da Anfavea, que representa uma parte das montadoras do país, observou que as importações de veículos cresceram 35% no ano entre os já emplacados, e 70% considerando os que estão em estoque nas montadoras e concessionarias.
— Considerando apenas os veículos importados da China, o crescimento foi de 800% — afirmou.
No setor de brinquedos, Synésio Batista, presidente da Abrinq, lembra que a produção física tem queda de 14,7% até agosto deste ano, enquanto a geração de empregos recuou 16,45%. Já as importações de brinquedos crescem 18% no ano, enquanto os preços desses itens caíram 28%.
— A queda dos preços mostra que há subfaturamento. Declaram preços menores e crescem o volume de importação — afirmou.
Estudo confirma preços mais baixos
Os economistas do Itaú também detectaram num estudo um aumento do volume de importações da China, com queda de preços em muitos casos. Os setores cujos produtos experimentaram aumento de volume importado e queda de preços foram, segundo o levantamento, produtos químicos, metais semi-acabados, plásticos e borrachas, têxtil e automotivo. O estudo compara as importações realizadas entre os períodos de 2022/2023 a 2017/2019.
Segundo o levantamento, a dinâmica da economia chinesa não é mais a mesma da década passada. A crise estrutural no setor imobiliário, o cenário geopolítico conturbado e a demografia estão impactando as perspectivas de crescimento. Taxas de crescimento de dois dígitos, não são mais esperadas, diz o estudo. O Itaú projeta crescimento de 4,8% para a China neste ano e 4,5% no próximo.
Ontem, a China anunciou um programa de estímulo à economia, que vem sendo considerado o maior da história.
Por conta dessa desaceleração, a orientação da política econômica tem sido estimular, entre outros setores, a indústria de transformação, com foco nas exportações. No caso de resinas plásticas, por exemplo, as importações para o Brasil cresceram mais de 300%. Fios sintéticos tiveram mais de 200% de alta e itens de aços mais de 100%.
O levantamento mostra que houve queda na produção nacional de itens que tiveram crescimento das importações entre 2019 e 2023. Produtos de metalurgia tiveram crescimento das importações de 98% no período, enquanro a produção nacional encolheu 1%. A importação de produtos farmacêuticos cresceu 25% enquanto a produção local decaiu 18%. Já o item produtos químicos teve alta de 23% nas importações, enquanto na indústria local a produção encolheu 6%.
— A exportação de manufatura da China acontece para vários países. Há um excesso da capacidade e a venda é feita com preços menores. Por aqui, o governo colocou cotas de importação de aço, mas o espaço que o Brasil tem para colocar barreiras é menor do que os EUA e a União Europeia porque a China é o maior parceiro comercial do país e isso tende a ser mais custoso — diz o economista Igor Barreto, do Itaú, que aponta a necessidade de o Brasil promover uma agenda de competitividade, melhoria no ambiente de negócios, com reformas como simplificação tributária, redução da burocracia, melhoria da infraestrutura, além de garantir uma estabilidade macroeconômica duradoura.