O líder do grupo xiita libanês Hezbollah, Hassan Nasrallah, acusou Israel nesta quinta-feira de violar “todas as convenções e leis”, classificando as detonações de walkie-talkies e pagers-bomba nos últimos dois dias de “declaração de guerra” contra o povo do Líbano. Sem detalhar como pretende retaliar, o chefe do principal grupo armado libanês descreveu os ataques atribuídos a Israel — que não se pronunciou sobre o caso — de “massacre” e disse que o movimento, aliado do Irã no chamado Eixo da Resistência, instaurou comitês para determinar as causas que permitiram as explosões.
Também nesta quinta, o chefe da Guarda Revolucionária, força de elite do Irã, Hossein Salami, afirmou que Israel sofrerá uma “resposta esmagadora do Eixo de Resistência“, também composto pela Síria, pelo grupo terrorista Hamas em Gaza, pelos rebeldes houthis do Iêmen e por milícias xiitas no Iraque. Teerã exerce um papel central no eixo, uma aliança informal entre países e movimentos extremistas islâmicos espalhados pelo Oriente Médio. Os integrantes compartilham entre si a oposição à influência do Ocidente na região e à existência do Estado de Israel.
Ao prestar condolências às famílias das vítimas e parabenizar o país pela união após o ataque, o líder do Hezbollah detalhou que 4 mil pagers foram detonados, chamando a ação de “ato terrorista” por ter posto em risco uma quantidade indeterminada de civis, uma vez que aparelhos estavam em circulação em espaços públicos, incluindo hospitais. Nesta quinta-feira, o número de mortos pelos dois dias consecutivos de explosões subiu para 37, informou o ministro da Saúde do Líbano, Firass Abiad, que também afirmou que há 3.539 feridos — sendo 608 nas explosões de walkie-talkies na quarta-feira. Dos mortos, 12 foram nas detonações dos pagers na terça-feira, incluindo oito integrantes do Hezbollah e duas crianças, e os outros 25 na explosão de quarta, incluindo 20 do grupo libanês.
O primeiro pronunciamento de Nasrallah desde as explosões ocorreu um dia depois de o Estado judeu ter anunciado que mudava o “centro de gravidade” da guerra contra seus inimigos regionais para o norte, onde está a fronteira com o Líbano, aumentando temores de escalada do conflito. Nesta quinta, Israel anunciou ter bombardeado cerca de 100 alvos no Líbano para “degradar as capacidades terroristas e de infraestrutura do Hezbollah”. Dois soldados israelenses morreram nesta quinta-feira “em combate” perto da fronteira norte do país com o Líbano, informou o Exército em comunicado. Além disso, dois israelenses ficaram feridos em um ataque de drone, enquanto outros oito ficaram feridos pelo disparo de mísseis antitaque do Hezbollah a partir do Líbano contra o norte de Israel.
Enquanto o discurso de Nasrallah era transmitido em rede nacional, caças israelenses cortaram os céus de Beirute. Um repórter do New York Times descreveu o “rugido” das aeronaves como intenso e contou ao menos três rastros deixados pelos aviões acima da capital libanesa.
Para Nasrallah, Israel violou “todas as convenções, leis e linhas vermelhas” ao realizar o ataque com a detonação remota dos equipamentos civis — algo que autoridades internacionais, incluindo aliadas do Estado judeu, condenaram nesta quarta-feira.
Apesar de não ter um cargo público, Nasrallah se tornou uma das figuras mais influentes do Líbano ao assumir o comando do Hezbollah em 1992, após o assassinato do então líder do grupo, Sayyad Abbas Musawi, por Israel. Sob sua gestão, o movimento cresceu tanto em poder militar quanto em influência política, por meio de uma série de iniciativas sociais para comunidades xiitas, chegando inclusive a receber pastas ministeriais em governos. À frente do grupo durante a última guerra entre Líbano e Israel, em 2006, ele classificou o ataque atual como “sem precedentes”.
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— Não há dúvida de que sofremos um grande golpe, tanto em termos de segurança quanto de humanidade, um golpe sem precedentes na história da resistência no Líbano pelo menos — disse Nasrallah em seu discurso televisionado. — Sem precedentes na História do Líbano, e pode ser sem precedentes na história do conflito com o inimigo israelense em toda a região, talvez até sem precedentes no mundo.
Ao mesmo tempo em que ressaltou a amplitude do ataque e o que classificou como um interesse criminoso de fazer vítimas civis, Nasrallah afirmou que as capacidades bélicas do Hezbollah não foram diretamente afetadas pelas detonações e que as lideranças do grupo não foram atingidas porque não usavam os pagers do carregamento adulterado com explosivos.
Também avaliou que o ataque fortaleceu a unidade do grupo em torno do objetivo de confrontar Israel, prometendo retaliação, uma resposta direta em caso de invasão do Líbano e um apoio contínuo ao Hamas até que a guerra em Gaza seja interrompida.
— Dizemos a [ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin] Netanyahu e [ao ministro da Defesa israelense, Yoav] Gallant… e ao governo, Exército e sociedade do inimigo: a frente libanesa não vai parar até que a agressão a Gaza cesse — afirmou o chefe do Hezbollah. — Estamos dizendo isso há 11 meses. Podemos estar nos repetindo, mas esta declaração vem depois desses dois grandes golpes… Eu digo claramente: não importam os sacrifícios, as consequências ou as possibilidades futuras, a resistência no Líbano não vai parar de apoiar Gaza.
O chefe do movimento libanês também reiterou promessas de retaliação feitas nos últimos dias, em meio aos ataques. Nasrallah prometeu que a recíproca seria uma “punição justa” às ações israelenses, mas se negou a discutir detalhes.
— Não falarei sobre tempo, forma ou lugar — afirmou o líder do grupo xiita. — Essa retribuição virá.
Ele também pareceu endereçar parte de seu discurso às autoridades israelenses que, ao anunciarem a mudança de foco na guerra, disseram que o objetivo no norte seria permitir o retorno às suas casas de 70 mil moradores deslocados de áreas perto da fronteira — número similar de pessoas também foi retirado de território libanês na região. Nasrallah disse que o retorno, porém, não aconteceria.
— Nenhuma escalada militar, nenhum assassinato ou guerra total trará os residentes de volta à fronteira — afirmou, acrescentando que qualquer invasão israelense no sul do Líbano seria combatida prontamente pelo grupo e que esse cenário ofereceria uma “oportunidade” ao Hezbollah.
Ele também revelou que o grupo instaurou uma comissão para investigar as falhas de segurança que permitiram que os dispositivos fossem detonados, dizendo que nenhuma conclusão seria tirada antes de todas as informações serem reunidas. O Exército do Líbano — que é uma força estatal, sem relação direta com o Hezbollah — anunciou nesta quinta que iniciou a detonação controlada de itens eletrônicos sob suspeita. (Com AFP e New York Times)