O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu retomar o ciclo de alta da Taxa Selic nesta quarta-feira, elevando os juros básicos em 0,25 ponto percentual, de 10,50% para 10,75% ao ano. Esse é o primeiro aumento da Selic do terceiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva e vai na contramão dos Estados Unidos, que deram o pontapé inicial no processo de corte de juros após quatro anos, também nesta quarta.
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A decisão foi tomada por unanimidade no colegiado, que atualmente é liderado pelo presidente Roberto Campos Neto. O movimento de aperto da Selic ainda coincide com a primeira reunião após a indicação do atual diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, à presidência do órgão no ano que vem — ele ainda será sabatinado e precisará ter seu nome aprovado pelo Senado.
Em relação aos passos futuros, o BC deixou claro que iniciou um ciclo de alta de juros, mas não quis se comprometer com o ritmo de aumento nem com a magnitude total do ajuste, deixando a porta aberta para novas altas. A próxima reunião acontece em novembro.
“O ritmo de ajustes futuros na taxa de juros e a magnitude total do ciclo ora iniciado serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta e dependerão da evolução da dinâmica da inflação, em especial dos componentes mais sensíveis à atividade econômica e à política monetária, das projeções de inflação, das expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos.”
Com a retomada do ciclo de alta, a Selic volta aos patamares de maio deste ano, antes da reunião que causou alvoroço no mercado financeiro devido ao racha entre os diretores indicados por Lula, favoráveis naquele momento a um juro mais baixo, e aqueles que já estavam no comitê no governo de Jair Bolsonaro. A taxa básica ficou parada em 10,50% em junho e julho.
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De 126 instituições financeiras e consultorias ouvidas pelo Valor Data, 108 aguardavam aumento da Selic nesse ritmo, enquanto seis viam elevação de 0,50 ponto, para 11% e outras 12 esperavam manutenção.
No comunicado sobre a decisão, o BC destacou que o cenário atual é marcado por resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto positivo (economia operando acima do potencial), elevação das projeções de inflação e expectativas de inflação distantes da meta. Isso, segundo o Copom, demanda “uma política monetária mais contracionista”. O hiato positivo indica que a economia está operando acima de sua capacidade, geralmente com utilização total de recursos (mão de obra e capital), o que pode gerar pressões inflacionárias.
A projeção oficial do BC para a inflação no horizonte relevante, que atualmente é o primeiro trimestre de 2026, é de 3,5% (considerando a Selic do Boletim Focus), já bastante acima da meta de 3,0%. No Copom anterior, era de 3,2% no cenário com Selic constante e 3,4% no cenário de referência (Focus, que considerava queda da Selic para 9,50% no fim do ano que vem). Para 2024 e 2025, as estimativas atuais do Copom são de 4,3% e 3,7%, contra 4,2% e 3,6% anteriormente.
Em relação à inflação corrente, o BC fez uma avaliação negativa: “A inflação medida pelo IPCA cheio assim como medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes.
Após a surpresa com o aumento de 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre, a autoridade monetária avaliou que o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho tem apresentado dinamismo maior do que o esperado.
Isso, segundo o Copom, levou a uma reavaliação do hiato do produto, que mede como a economia está se comportando em relação ao seu potencial. Anteriormente, o BC estimava que havia um equilíbrio, ou seja, a economia não tinha ociosidade nem estava superaquecida. Agora, passou a prever que está no campo positivo, ou seja, acima do potencial, o que traz pressões inflacionárias.
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Esse foi um dos fatores que levou o balanço de riscos para a inflação a ficar assimétrico em direção a uma alta. Ou seja, o BC avalia que o risco é maior de a projeção atual para a inflação ficar mais elevada do que atualmente.
Os riscos de alta considerados já estavam presentes em julho, mas, naquele momento, o BC considerava que, mesmo numericamente superiores, os riscos de alta estavam equilibrados com os de baixa. Os riscos de alta são:
- uma desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado
- uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado;
- uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada.
O BC não faz menção a quais seriam essas políticas internas e externas, mas as incertezas fiscais aqui no Brasil têm afetado o câmbio nos últimos meses. Sobre as contas públicas, o Copom afirmou que monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros.
“A percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal, junto com outros fatores, tem impactado os preços de ativos e as expectativas dos agentes”, disse, repetindo que “uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”.
Dentre os riscos de baixa, o BC manteve uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e os impactos do aperto monetário sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado.
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No dia que o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) reduziu os juros americanos pela primeira vez desde 2020, em um ritmo de 0,50 ponto percentual, o Copom considerou que o ambiente externo “permanece desafiador”. Na reunião anterior, o colegiado classificava o ambiente internacional como “adverso”. Na avaliação do BC, há dúvidas sobre a intensidade da desaceleração da economia americana e da desinflação no país, o que traz incertezas sobre a postura do Fed.
“Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. O Comitê avalia que o cenário externo, também marcado por menor sincronia nos ciclos de política monetária entre os países, segue exigindo cautela por parte de países emergentes.”
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Em julho, o Copom tinha deixado a porta aberta para uma possível alta de juros, preocupado com o aumento das expectativas de inflação e dos riscos negativos no cenário.
“O Comitê, unanimemente, reforçou que não hesitará em elevar a taxa de juros para assegurar a convergência da inflação à meta se julgar apropriado”, disse, na oportunidade, explicando que iria avaliar os dados para se decidir pelo melhor movimento no Copom deste mês.
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Após a reunião de julho, Galípolo liderou o discurso duro de combate à inflação entre os membros do Copom, em contraste com a sua postura anterior, na avaliação de participantes do mercado financeiro.
A transformação do discurso de Galípolo foi bem avaliada, uma vez que o grande receio do mercado financeiro é de que ele não resista às pressões do governo por juros mais baixos. Desta vez, o próprio Lula, tinha “liberado” um movimento de aperto monetário, que atua para esfriar a economia.
— Se o Galípolo chegar um dia para mim e disser que tem que aumentar a taxa de juros, ótimo, aumente — afirmou no fim de agosto.
No mesmo dia, Campos Neto sinalizou que uma eventual elevação da Selic seria gradual:
— Se e quando houver um ciclo de ajuste nos juros, esse ciclo será gradual.
Depois do comunicado, contudo, a sinalização é de que é mais provável uma aceleração no ritmo de alta de juros, segundo economistas consultados pelo GLOBO.
— Em minha opinião, o comunicado é duro e seria bastante compatível com uma alta de 0,50 p.p. na próxima reunião. Provavelmente a opção por 0,25 p.p. (nesta reunião) e não 0,50 p.p. foi devido à procura por consenso (entre os membros do Copom) — disse o economista-chefe do Banco Pine, Cristiano Oliveira, destacando que a questão do consenso deve ficar clara na ata.
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O economista já espera alta para 11,25% no próximo encontro, em novembro, apostando em um ciclo total de 1,50 p.p., para 12%. Mesmo que o dólar caia, em meio ao início do processo de queda de juros pelo Fed, Oliveira afirma que a apreciação do câmbio brasileiro teria de ser significativa para compensar o hiato do produto positivo e a distância das expectativas de inflação das metas, conforme o Boletim Focus.
O economista-chefe da Truxt Investimentos, Arthur Carvalho, destaca que o BC não se comprometeu com um ritmo gradual, de 0,25 p.p., nem com o tamanho do ciclo. Para ele, a probabilidade maior é de alta de 0,50 p.p. em novembro.
— O Copom disse que vai fazer o que for preciso para garantir a convergência da inflação para a meta. Nesse sentido, mostra uma disposição diferente, inclusive, do ciclo que levou a Selic de 2% para 13,75% (entre 2021 e 2022), em que falavam em pequeno ajuste ou indicavam que a Selic ficaria abaixo do nível neutro (que não acelera nem estanca a inflação) ou acima. Naquela época, nunca falavam que iriam fazer o necessário.
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Além da avaliação de superaquecimento da economia, Carvalho afirma que o Copom deu um recado implícito sobre a política fiscal do governo, ao repetir que a percepção do mercado sobre as contas públicas têm afetado os preços dos ativos. O economista também diz que nem o cenário externo foi considerado um elemento mais favorável pelo Copom, mesmo com o corte pelo Fed.
Para Carvalho, o comunicado duro do Copom em meio à transição entre Campos Neto e Galípolo no BC mostra que o indicado de Lula está querendo mostrar comprometimento com a missão de colocar a inflação na meta.
— Se alguém ainda tem dúvida, está querendo mostrar que está altamente comprometido. Não só ele, mas o comitê. Mostra uma união do comitê. A sinalização é boa.