Uma ativista turco-americana solidária à causa pró-Palestina morreu após ser atingida por um tiro na cabeça enquanto participava de uma manifestação em Beita, próximo à cidade de Nablus, na Cisjordânia ocupada, palco de incursões realizadas pelo Exército israelense há dez dias. Em Jenin e no campo de refugiados vizinho, também alvo da operação “antiterrorismo”, um rastro de destruição mostrou o impacto da ação dos militares, que deixaram a cidade nesta sexta-feira. Segundo um balanço do Exército, pelo menos 14 “terroristas” foram mortos nos últimos dias no local.
A ativista foi identificada pelas autoridades turcas e americanas como Aysenur Ezgi Eygi, de 26 anos. Ela participava de um protesto contra os assentamentos judaicos no território quando foi atingida, informou uma colega e um morador à CNN. Hisham al-Dweikat, morador de Beita que participou do protesto, contou que alguns manifestantes atiraram pedras em soldados israelenses, que responderam disparando gás lacrimogêneo e alguns, segundo afirmou à CNN, “tiros de verdade” enquanto as pessoas fugiam. Os manifestantes, então, recuaram cerca de 200 metros para os arredores da cidade, para longe das tropas, acrescentou.
Segundo o relato à CNN de Vivi Chen, que atua na mesma organização que Eygi, Faza’a, e o testemunho de Jonathan Pollak, um ativista israelense de extrema esquerda, a morte da jovem ativista ocorreu cerca de 30 minutos depois, quando a maioria das pessoas já havia se dispersado e não havia confrontos na área. Os dois descreveram a veículos de mídia diferentes que os soldados israelenses dispararam apenas dois tiros, e que um deles acertou a ativista. Segundo Chen, o disparo foi “de propósito”.
— Estávamos todos na base da colina, e o Exército israelense estava no topo. Havia dois voluntários sentados atrás de uma lixeira, e eles [os soldados] dispararam um tiro contra a lixeira. O tiro atingiu um objeto de metal. Depois, houve outro disparo e eles acertaram a cabeça dela — descreveu Chen à CNN, acrescentando que o disparo “não foi por acaso”. — Eles são um dos exércitos mais avançados do mundo. Eles têm armas dos Estados Unidos. Estávamos todos parados, sem nos mexer.
Pollak conta que chegou a tentar estancar o sangue da cabeça de Eygi com as mãos, mas sem sucesso. A jovem turco-americana foi levada às pressas para uma clínica local em Beita antes de ser levada de ambulância para Nablus. Quando chegou, ela já não estava mais respirando, disse Fuad Nafaa, diretor do hospital.
O Exército admitiu ter atirado contra manifestantes, mas não explicou se havia homens armados na multidão. As Forças Armadas afirmaram em nota que “responderam com fogo contra um instigador principal da atividade violenta que atirou pedras nas forças e representou uma ameaça a elas”, informaram, acrescentando que estão investigando o caso.
Cemal Birden, tio de Eygi, disse que ainda estava em estado de choque. A família dela havia se mudado de Antalya, na costa sul do Mediterrâneo da Turquia, para os EUA quando ela tinha menos de 1 ano de idade, contou. Birden disse que tentou alertar a sobrinha, que estudou Psicologia, que ir a Jerusalém era muito perigoso.
— Minha sobrinha era uma criança tão pura e tão boa — disse Birden em uma entrevista por telefone.
Protestos em Beita são comuns e, às vezes, violentos. Começaram antes da guerra entre Israel e o grupo terrorista palestino Hamas, quando colonos israelenses tomaram o topo de uma colina próxima em 2021, erguendo um posto avançado conhecido como Evyatar em terras reivindicadas pela vila. O assentamento desencadeou meses de protestos, nos quais vários moradores de Beita foram mortos e dezenas ficaram feridos.
O posto avançado era ilegal até pela lei israelense quando foi estabelecido, pois não tinha autorização do governo. Mas em junho, o Gabinete de Netanyahu, que se sustenta no apoio da extrema direita, concordou em legalizar retroativamente cinco desses postos avançados, incluindo Evyatar. A exigência foi do ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, que está por trás da expansão de assentamentos judaicos na Cisjordânia. A política de colonização dos territórios palestinos ocupados por Israel desde 1967 é considerada ilegal pela legislação internacional e, em junho, a Corte Internacional de Justiça, órgão da ONU sediado em Haia, afirmou que a presença israelense na região deve ser encerrada “o mais rapidamente possível”.
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O embaixador americano em Israel, Jack Lew, ofereceu aos familiares e amigos da jovem ativista as “mais profundas condolências” e disse que a embaixada estava “reunindo urgentemente mais informações sobre as circunstâncias de sua morte”. O porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, também expressou “profundas condolências” aos familiares de Eygi, descrevendo sua morte como “trágica”, mas sem atribuir responsabilidade neste momento.
O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, informou que Washington entrou em contato com Israel para pedir mais informações sobre o caso e solicitar uma investigação, informou a Reuters.
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, condenou o que chamou de “intervenção bárbara de Israel”. Em uma publicação no X, ele acrescentou: “Rezo pela misericórdia de Deus para nossa cidadã Aysenur Ezgi Eygi, que perdeu a vida no ataque”. Mais cedo, a Chancelaria turca também lamentou e condenou morte da jovem “cometida pelo governo [do primeiro-ministro Benjamin] Netanyahu.
“Israel está tentando intimidar todos aqueles que vêm em auxílio do povo palestino e que lutam pacificamente contra o genocídio. Esta política de violência não funcionará”, afirmou o Ministério das Relações Exteriores turco em comunicado citado pela Reuters. A Turquia recebe altos integrantes do Hamas e não classifica o grupo como terrorista, como já faziam Israel e as potências ocidentais mesmo antes dos ataques de 7 de outubro do ano passado ao território israelense.
— Dizemos à comunidade internacional que esta mulher tinha cidadania americana — afirmou o governador de Nablus, Ghassan Daghlas, a jornalistas durante uma visita ao Hospital Rafidia, citado pela CNN. — Mas as balas não diferenciaram entre um palestino, uma criança, um velho ou uma mulher, e entre uma nacionalidade e outra.
Jenin, por sua vez, amanheceu cheia de escombros após a retirada das forças israelenses. Em seu campo de refugiados, um bastião de grupos armados palestinos, muitas casas foram danificadas ou destruídas pelas escavadeiras israelenses, que também reviraram a superfície das estradas, segundo o Exército em busca de explosivos. Vários guindastes retiravam os escombros e, em algumas ruas, havia crianças brincando.
— Graças a Deus [as crianças] foram embora no dia anterior. Elas ficaram com nossos vizinhos aqui — contou o pai de sete filhos Aziz Taleb, de 48 anos, acrescentando que sua casa foi invadida pelos militares: — Se tivessem ficado, teriam sido mortas sem aviso nem nada.
O Exército, o serviço de inteligência interna israelense (Shin Bet) e os guardas de fronteira “têm realizado atividades antiterroristas na área de Jenin há uma semana e meia”, disse o Exército israelense em comunicado no Telegram. Desde então, para além dos mortos, “mais de 30 suspeitos foram presos, aproximadamente 30 explosivos plantados sob estradas foram desmantelados e quatro ataques aéreos foram realizados na área”. Um soldado foi morto na cidade em 31 de agosto.
Apesar disso, a retirada não significa o fim da operação, a qual o Exército continua realizando “para atingir os objetivos”. Para além de Jenin, os militares têm realizado incursões em Nablus (onde a ativista foi morta), Tulkarem e Tubas, bem como em um campo de refugiados, desde o dia 28. O Ministério da Saúde palestino informa que até 36 palestinos entre 13 e 82 anos morreram na operação, considerada a primeira deste tipo desde a Segunda Intifada (levante palestino de 2000 a 2005). Jenin concentra a maior parte dessas mortes.
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O Hamas e a Jihad Islâmica, as principais facções palestinas na região, afirmaram que pelo menos 14 mortos eram combatentes.
Incursões militares são comuns na Cisjordânia, território ocupado por Israel desde 1967, mas a guerra entre o Estado judeu e o Hamas, iniciada após o ataque terrorista do grupo ao país, que matou 1,2 mil pessoas e fez 251 reféns, contribuiu para uma escalada da situação. Desde o início do conflito, tropas israelenses ou colonos mataram pelo menos 661 palestinos na Cisjordânia, de acordo com o Ministério da Saúde palestino. Os encarceramentos também aumentaram.
Mas, na contramão de coibir e até erradicar grupos extremistas, o aumento da violência e da repressão no território palestino não só tem aumentado a simpatia de muitos moradores dos territórios pelas facções, como também tem elevado a adesão de jovens.
Do outro lado, pelo menos 23 israelenses, incluindo das forças de segurança, foram mortos em ataques palestinos no território durante o mesmo período, de acordo com autoridades de Israel.
Nesta sexta-feira, a ministra alemã das Relações Exteriores, Annalena Baerbock, disse que “uma abordagem puramente militar não é solução para a situação em Gaza”, referindo-se à recuperação dos corpos de seis reféns recém-assassinados pelo Hamas anunciada no domingo. A chanceler também alertou contra os apelos de membros da extrema direita do Gabinete de Israel para que os militares adotem uma abordagem semelhante à de Gaza na Cisjordânia.
— Quando os próprios membros do governo israelense pedem a mesma abordagem na Cisjordânia e em Gaza, é exatamente isso que põe em risco a segurança de Israel — disse Baerbock aos repórteres.
Já o chanceler israelense, Israel Katz, afirmou que o Irã quer “armar” a Cisjordânia e culpou o Hamas pelo impasse nas negociações para um acordo de cessar-fogo: “Ninguém quer um acordo para libertar os reféns e um cessar-fogo mais do que Israel.”
A retirada dos militares de Jenin ocorreu em um momento em que o Estado judeu está em desacordo com seu principal aliado, os EUA, sobre as negociações para uma trégua em Gaza, em uma guerra que já está quase completando um ano. Na quinta-feira, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, pediu a Israel e ao Hamas que finalizassem as negociações, afirmando que, “com base no que vi, em 90% [das questões] estão de acordo”. Netanyahu, porém, rebateu a afirmação em uma entrevista à Fox News, dizendo que o acordo “não está próximo”.
Washington, juntamente com outros mediadores nas negociações, Catar e Egito, tem promovido uma proposta para preencher as lacunas entre os dois lados. O novo impasse concentra-se sobre a presença militar ou não de Israel no chamado Corredor Filadélfia, uma faixa de 14 quilômetro ao longo da fronteira de Gaza com o Egito apontada como caminho para que o Hamas se rearme após a guerra ou reconstrua túneis.
Netanyahu quer manter os militares na região, o que para o Hamas é considerado inaceitável, já que o grupo exige uma retirada israelense completa, alegando ter concordado meses atrás com um acordo de trégua delineado pelo presidente americano, Joe Biden. O premier está sob crescente pressão tanto externa quanto interna, com os israelenses enfurecidos e de luto depois que os corpos dos seis reféns foram retirados de Gaza, há cinco dias. Em protestos, os críticos de Netanyahu o culparam pelas mortes dos cativos, dizendo que o premier se recusou a fazer as concessões necessárias para chegar a um acordo.
Na noite de quinta-feira, o Hamas divulgou um vídeo do refém americano-israelense Hersh Goldberg-Polin, um dos seis reféns mortos, no qual ele pedia a Biden, a Blinken e aos seus compatriotas americanos que “façam tudo o que estiver ao seu alcance para parar a guerra, parar essa loucura e me levar de volta para casa agora”. Três dias antes, o grupo divulgara o vídeo de Eden Yerushalmi, de 24 anos, cujo corpo também foi recuperado em Gaza.
O ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023 resultou na morte de 1.205 pessoas, a maioria civis, incluindo alguns reféns mortos em cativeiro, de acordo com dados oficiais israelenses. Dos 251 reféns capturados por terroristas palestinos durante o ataque, 97 permanecem em Gaza, incluindo 33 que os militares israelenses dizem estar mortos. Muitos deles foram libertados durante uma trégua de uma semana em novembro. A ofensiva retaliatória de Israel em Gaza matou até agora pelo menos 40.878 pessoas, de acordo com o Ministério da Saúde do território administrado pelo Hamas. A maioria dos mortos são mulheres e crianças, de acordo com a ONU. (Com AFP e NYT)