Perante um dos momentos mais difíceis da guerra contra a Rússia, a Ucrânia confirmou nesta quarta-feira sua maior troca de ministros desde o início da invasão russa, revelando a insatisfação do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, com o atual rumo do governo e a preocupação com o futuro de seu país no campo de batalha e nos caminhos para a adesão a órgãos internacionais, como a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), a aliança militar liderada pelos EUA que é a maior parceira na luta contra os russos.
A carta de renúncia de maior destaque veio do chanceler, Dmytro Kuleba, uma das faces mais conhecidas do governo ucraniano. Os rumores sobre sua saída começaram a surgir em agosto do ano passado, mas nas últimas horas a imprensa local começou a dar como certa a mudança no comando da diplomacia. O substituto seria o vice-chanceler, Andrii Sybiha.
— Precisamos de nova energia hoje. E essas etapas (reorganização) estão relacionadas apenas ao fortalecimento do nosso Estado em vários setores. A política internacional e a diplomacia não são exceção — afirmou Zelensky, ao lado do premier da Irlanda, Simon Harris, que está em Kiev. — Não posso prever hoje o que exatamente alguns ministros farão. As respostas virão quando lhes forem oferecidas certas posições.
Além de Kuleba, outros cinco ministros e vice-primeiros-ministros puseram seus cargos à disposição, além do chefe do Fundo de Propriedade Estatal (um cargo de segundo escalão). Com a exceção do chanceler, cuja análise da renúncia foi adiada, quatro demissões foram confirmadas pelo Parlamento — não houve votos, porém, para aprovar as saídas do chefe do Fundo de Propriedade Estatal, Vitaliy Koval, e da vice-primeira-ministra e ministra da Reintegração, Iryna Vereshchuk.
— É uma grande mudança. Era esperada havia muito tempo — disse ao Kyiv Post Oleksandr Merezhko, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Parlamento. — À nossa frente estão tempos difíceis, um outono e inverno difíceis. Talvez essa reforma esteja de alguma forma relacionada ao novo período de desafios para a Ucrânia.
Diante de um terceiro ano de invasão russa que traz mais preocupações do que sinais positivos para o futuro, Zelensky tem realizado mudanças estratégicas na formação do governo. Em março, anunciou trocas em sua equipe de assessores, afastando aliados de longa data, como Serhiy Shefir, com quem trabalhou nos tempos em que era apenas um ator de comédia. Houve mexidas no comando militar, com a saída de Valeriy Zalujny, principal general do país, em fevereiro, e de Yuri Sodol, chefe das Forças Conjuntas das Forças Armadas, em junho.
Na época, ele afirmou que mais trocas ocorreriam “em breve”.
— O outono será extremamente importante para a Ucrânia. E nossas instituições estatais devem ser organizadas de tal forma que o país alcance todos os resultados de que precisamos, para todos nós. Para fazer isso, precisamos fortalecer algumas áreas no governo, e decisões sobre pessoal foram preparadas — afirmou Zelensky, na terça-feira.
Na fala, o presidente defendeu novas políticas para fortalecer a indústria de Defesa, de preferência com a atração de parcerias externas, e pontuou que a diplomacia ucraniana deve intensificar o diálogo para a futura adesão à União Europeia e à Otan.
Conseguir o sinal verde para usar as armas ocidentais em ataques em larga escala dentro de solo russo, algo até agora vetado pela organização, é um outro objetivo crucial, e que ele espera concretizar após as mudanças no comando da política externa.
— Precisamos de um novo nível de trabalho de informação simultânea, cultural e diplomática. E um novo nível de relações com a comunidade ucraniana global. Agora é a hora de dar nova força às instituições governamentais da Ucrânia, e sou grato a todos que ajudarão — disse o líder ucraniano.
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Centralização das decisões
Com as trocas, Zelensky sinaliza ainda que quer consolidar em torno de si o processo decisório sobre a guerra, no momento em que as vitórias são escassas e enquanto a Rússia avança com ataques cada vez mais agressivos.
Na região de Donetsk (leste), as tropas se aproximam de Pokrovsk, um ponto estratégico de transportes na área que permitiria ataques contra as posições da Ucrânia na vizinha região de Zaporíjia, parcialmente ocupada por Moscou. Nem mesmo a incursão ucraniana em Kursk, na Rússia, parece ter abalado os avanços das tropas de Vladimir Putin — segundo analistas, a decisão de invadir o território russo teria desguarnecido algumas posições defensivas de Kiev e não trouxe resultados militares e diplomáticos práticos.
— Nas próximas duas semanas, é muito provável que a Ucrânia perca quase toda sua linha de frente em Zaporíjia se não mobilizar todas as suas reservas de algum lugar ou não iniciar um novo avanço [em solo russo] — disse à al-Jazeera Nikolay Mitrokhin, pesquisador na Universidade de Bremen.
A chegada do inverno também deve dificultar movimentações terrestres, ao mesmo tempo em que a Rússia dá sinais de que intensificará sua campanha de ataques aéreos. De acordo com o Instituto para o Estudo da Guerra, é “iminente” a chegada de carregamentos de mísseis iranianos de curto alcance às forças russas. Segundo relatório do Instituto, militares da Rússia realizam no Irã treinamentos para usar as armas, que ajudariam a preservar os arsenais do país. Apesar das negativas de Teerã, seus drones já são usados em ações contra áreas urbanas, apontam observadores militares.
Na terça-feira, 53 pessoas morreram quando mísseis atingiram um prédio militar e um hospital na cidade de Poltava, na região central do país. Nesta quarta, o alvo foi Lviv, no Oeste ucraniano: segundo as autoridades locais, sete pessoas morreram em um ataque com drones e mísseis de cruzeiro, incluindo uma mulher e suas três filhas — da família, apenas o pai sobreviveu.
“Não sei que palavras dizer para apoiar Yaroslav — o pai. Hoje estamos todos com você”, escreveu o prefeito de Lviv, Andriy Sadovy, em suas redes sociais. Em comunicado, a Chancelaria ucraniana perguntou “quantas famílias mais serão mortas antes que a Ucrânia tenha todos os meios e decisões para destruir a máquina de guerra da Rússia?”.
De acordo com Maxim Kozitsky, chefe da administração militar de Lviv, 38 pessoas ficaram feridas, incluindo cinco crianças. Ele afirmou ainda que nenhum alvo militar foi atingido pelos russos, mas que 50 edifícios e casas foram danificados, incluindo clínicas médicas e escolas — algumas das estruturas estavam localizadas dentro do centro histórico da cidade, que integra a lista de patrimônios culturais da Humanidade da Unesco.
Ao comentar o ataque, Zelensky, além de agradecer o envio de equipamentos de defesa aérea, voltou a cobrar os aliados ocidentais para que permitam o uso de armas fornecidas por eles em ataques mais profundos dentro da Rússia.
“Cada um dos nossos parceiros no mundo que ajudam a Ucrânia na defesa aérea é um verdadeiro defensor da vida. E todos os que convencem os parceiros a dar mais autonomia à Ucrânia, a fim de responder ao terror de forma justa, trabalham para evitar tais ataques terroristas russos nas cidades ucranianas”, escreveu o presidente ucraniano no Telegram. “O terror deve ser interrompido.”