Depois de três tentativas frustradas em conceder à iniciativa privada a operação da BR-381, que liga Belo Horizonte a Governador Valadares, em Minas Gerais, a estrada foi finalmente leiloada. A gestora 4UM venceu a disputa para operar a BR-381, conhecida como Rodovia da Morte pelo alto índice de acidentes. O certame aconteceu nesta quinta-feira, na sede da B3, em São Paulo.
A gestora paranaense apresentou o maior desconto sobre a tarifa de pedágio, critério escolhido para definir o vencedor: 0,94% de deságio. A 4UM disputou a rodovia com a gestora do Oportunity, que ofereceu desconto de 0,10%.
A 4UM Investimentos tem sede em Curitiba e soma mais de R$ 7 bilhões sob gestão. Com a vitória, entrou no segmento de infraestrutura. Especializada em investimentos de longo prazo, a 4UM concluiu no mês de agosto a estruturação de um fundo de investimento em participações para atuar nos próximos leilões de rodovias, começando com a BR-381. Entre os cotistas desse fundo, estão as famílias Malucelli, Salazar, Federmann e Backheuser, acionistas das empresas MLC, Aterpa, Senpar e Carioca Engenharia.
Leonardo Boguszewski, CEO da 4Um, agradeceu o apoio dos investidores no fundo de investimento e disse que o compromisso é trabalhar para que a rodovia passe a ser chamada de ‘Rodovia da Vida’.
— Vamos trabalhar para que isso se concretize aos longos dos próximos anos — disse antes de bater o martelo na B3 comemorando a vitória.
Estiveram presentes no leilão, o ministro dos Transportes, Renan Filho; das Minas e Energia, Alexandre Silveira, além do governador de Minas Gerais, Romeu Zema.
Renan Filho destacou o trabalho conjunto do governo federal e dos estados para construir um ambiente institucional para fortelecer os investimentos públicos e privado.
— Precisamos achar soluções novas para problemas antigos do Brasil e a BR-381 é um desses casos. Estamos dando uma solução nova, com menos problemas, que o Brasil precisa — disse.
Renan afirmou que mudanças no edital como a retirada de dois lotes da rodovia na saída de Minas Gerais, além de trechos com questões geológicas, reduzindo riscos ao parceiro privado, foram importantes. O ministro firmou que entre R$ 800 milhões a R$ 900 milhões serão investidos pelo governo nesses trechos para acabar com os problemas da BR -381.
Além disso, o aumento da Taxa de Retorno ao investidor também teve papel fundamental na atração de interessados.
— Precisamos mudar a visão do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério dos Transportes para verem que essa é a lógica do mercado de capitais. Não podemos imaginar leiloar um ativo mais simples com menos retorno do que uma ativo mais complexo — frisou.
O ministro afirmou que o desconto não teve ‘folga muito grande, nem aperto muito grande, sinal que o setor privado sabe fazer conta. Ele afirmou que não adianta ter leilões com desconto muito grande, mas o projeto se inexequível —e a obra não ser entregue.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) fez pelo menos três tentativas anteriores de leiloar a BR-381 aconteceram em 2021, 2022 e 2023, com diferentes modelagens, mas não apareceram interessados. Segundo especialistas, trata-se de um projeto complexo, que oferecia muitos riscos ao operador privado.
Rafael Rodrigues, diretor geral da ANTT, disse que esta era uma batalha há muito tempo esperada pelo governo federal e também pelo governo de Minas.
Felipe Lisboa, advogado especialista em projetos de infraestrutura do escritório Toledo Marchetti Advogados, avaliou o resultado do leilão como positivo, já que atraiu novos operadores, como a 4UM.
— O leilão da BR 381 é uma ótima notícia para o mercado, principalmente pelo seu sucesso após três tentativas, e por ter despertado o interesse de novos players, como o caso da vencedora 4UM.
O advogado Eduardo Schiefler, do Schiefler Advocacia especialista em Direito Administrativo, diz que houve interesse desta vez com as mudanças feitas pelo governo no edital. O aspecto mais relevante foi a adequação dos riscos a serem assumidos pela futura concessionária ao retorno previsto. A Taxa Interna de Retorno do projeto também passou de 9,88% para 11,97%.
— No atual projeto, a duplicação do trecho entre Belo Horizonte e Caeté vai ficar a cargo do poder concedente. Esse trecho tem elevado risco geológico e problemas relacionados à desapropriação de famílias que vivem às margens da rodovia, o que vinha afastado potenciais interessados porque o retorno previsto não era compatível — explica Schiefler.
O especialista afirma que o governo compreendeu que projetos de infraestrutura são, para os agentes privados, projetos de investimento, e quando o retorno previsto não compensa os riscos assumidos, os investidores vão buscar outros investimentos mais seguros, inclusive outras concessões.
A duplicação e concessão neste trecho rodovia é uma novela antiga, diz o advogado. Ele lembra que em 2013 houve o loteamento de trechos da rodovia para a duplicação com recursos próprios do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), sem que houvesse concorrentes.
Em 2021 e 2022 o governo federal tentou fazer a concessão de um grande pacote com a BR-381/MG e a BR-262/MG-ES, também sem conseguir atrair investidores em razão dos riscos elevados nas duas rodovias e o expressivo volume de investimentos exigido. Em 2023 houve nova tentativa, desta fez apenas da BR-381/MG, também frustrada por falta de interessados.
Aline Klein, sócia de infraestrutura e regulatório do escritório Vernalha Pereira, observa que a grande quantidade de leilões até o fim do ano é uma das explicações para que houvessem apenas dois interessados na BR-381.
— Com tantos projetos sendo licitados em curto espaço de tempo, é natural que o mercado seja seletivo e cada empresa escolha os projetos em que concentrará os seus esforços. Além disso, o projeto da 381 demanda um volume elevado de investimentos já nos primeiros anos, o que pode ser mais difícil para empresas que já têm vários projetos na fase de investimentos — explicou.
A concessão de rodovias é um processo complexo que envolve diversos fatores, especialmente em rodovias consideradas complicadas ou perigosas, como a Rodovia BR-381, explica Marco Botter, CEO da Telar Engenharia .
— São muito aspectos como manutenção da rodovia e sua geometria, já que curvas acentuadas, aclives e declives podem aumentar o risco de acidentes. A composição do tráfego (caminhões, carros de passeio, veículos pesados) também pode afetar a segurança e o desgaste da pista. E além de considerar a viabilidade econõmica, através da cobrança dos pedágios, é preciso avaliar como a concessão afetará o meio ambiente — explica.
A BR-381 é importante porque liga São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo. Trata-se de um corredor de escoamento da produção agrícola e de minérios para exportação e de transporte de mercadorias que entram pelo litoral capixaba.
O trecho que está sendo leiloado faz a ligação entre a Região Metropolitana de Belo Horizonte e a Região Metropolitana do Vale do Aço, chegando até Governador Valadares.
Cinco praças de pedágio
Com um traçado sinuoso (e perigoso) e tráfego intenso de veículos pesados, a Rodovia da Morte tem a duplicação prometida desde a década de 1990. Com a concessão, a rodovia deverá receber investimentos de R$ 5,5 bilhões para melhorias, além de R$ 3,7 bilhões para despesas operacionais.
Entre as melhorias, estão previstos 106 quilômetros de duplicação, 83 quilômetros de faixas adicionais, 51 correções de traçado, além de áreas de escape, pontos de parada e descanso para caminhoneiros e 23 passarelas para a travessia de pedestres.
Para percorrer todo o trecho concedido, o motorista terá que desembolar no total R$ 60,45, segundo preços de pedágio definidos pelo edital. São cinco praças de cobrança na cidades de Caeté, João Monlevade, Jaguaraçu, Belo Oriente e Governador Valadares. A concessão tem prazo de 30 anos e as obras devem gerar 80 mil empregos.