A Justiça francesa autorizou a libertação do fundador do Telegram, Pavel Durov, nesta quarta-feira sob o pagamento de uma fiança de 5 milhões de euros e a condição de se apresentar duas vezes por semana à polícia e não deixar o país, anunciou o Ministério Público de Paris em comunicado. Ele estava detido preventivamente desde sábado e a medida, cuja duração máxima é de 94 horas, estava prestes a expirar.
Durov, de 39 anos, foi indiciado nesta quarta-feira pelos 12 crimes citados na investigação inicial, incluindo envolvimento com o crime organizado, informou a promotora de Paris, Laure Beaccuau. A Justiça francesa acusa o CEO do Telegram de ser cúmplice de atos criminosos cometidos por meio da plataforma — como pornografia infantil, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro — devido à ausência de moderação às ferramentas oferecidas. Durov também foi acusado de se recusar a compartilhar documentos exigidos pelas autoridades.
Separadamente, ele também é investigado por suspeita de “atos graves de violência” contra um de seus filhos enquanto ele e uma ex-parceira, a mãe do menino, estavam em Paris, disse uma fonte à AFP. A mulher já havia apresentado outra queixa contra Durov na Suíça no ano passado.
O bilionário franco-russo foi preso há quatro dias no aeroporto de Le Bourget, no norte de Paris, logo após desembarcar do Azerbaijão. A operação ocorreu no âmbito de uma investigação judicial aberta em julho, inicialmente contra “uma pessoa não identificada”, após uma apuração preliminar dos promotores de Paris contra crimes cibernéticos cometidos na rede de mensagens criptografas.
Durante sessão em um tribunal de Paris nesta quarta-feira, o advogado de Durov, David-Olivier Kaminski, afirmou ser “totalmente absurdo” associar o CEO aos atos criminosos cometidos por meio da sua plataforma.
— É totalmente absurdo pensar que o chefe de uma rede social poderia estar envolvido em atos criminosos — disse o advogado, reiterando uma declaração que já havia sido feita pela empresa um dia após a prisão do CEO. — O Telegram está em conformidade em todos os pontos com as regras europeias sobre o digital, é um moderador com as mesmas regras que outras redes sociais.
No domingo, a empresa disse, em comunicado, que Durov não tinha “nada a esconder”. “Sua ação de moderação está dentro do padrão da indústria”, acrescentou na ocasião.
De acordo com uma fonte próxima ao caso, confirmando uma história publicada pela primeira vez no jornal americano Politico, tanto Pavel Durov quanto seu irmão mais velho Nikolai — uma figura de menor visibilidade vista como o cérebro matemático por trás do Telegram — estavam sendo procurados pela França desde março.
Na segunda-feira, o presidente francês Emmanuel Macron negou que a operação tivesse caráter político:
“A prisão do presidente do Telegram em território francês ocorreu no marco de uma investigação judicial em curso. Não é uma decisão política. Cabe aos juízes determiná-la”, escreveu Macron na rede social X.
Segundo o diário francês Le Monde, Durov se encontrou com Macron em várias ocasiões antes de receber a nacionalidade francesa em 2021, por meio de um procedimento especial reservado para aqueles que fizeram grandes contribuições financeiras para a França. O Wall Street Journal acrescentou que, em um almoço em 2018, Macron — que é um usuário ávido do Telegram — sugeriu que a sede da empresa fosse em Paris, mas Durov recusou a proposta.
Uma figura enigmática que raramente fala em público, Durov nasceu na Rússia e, além da França, também tem nacionalidade dos Emirados Árabes Unidos, onde o Telegram está sediado. A revista Forbes estima que sua fortuna atual seja de US$ 15,5 bilhões.
Durov, que vivia em Dubai antes da prisão, deixou a Rússia há uma década, quando ainda estava montando o Telegram, em meio a uma disputa sobre a propriedade do seu primeiro projeto, a rede social russa VKontakte. Mas sua saída da Rússia não foi um exílio abrupto: de acordo com o site de notícias Vazhnye Istorii, citando dados de fronteira que vazaram, ele visitou o país mais de 50 vezes entre 2015 e 2021.
Inúmeras questões foram levantadas sobre o momento e as circunstâncias da detenção de Durov, com seus apoiadores vendo-o como um defensor da liberdade de expressão e seus detratores como uma ameaça que deliberadamente permitiu que o Telegram — que hoje tem mais de 900 milhões de usuários — saísse do controle.
A Rússia saiu em defesa do CEO, classificando a prisão como uma “tentativa de intimidação” e de “restringir a liberdade de comunicação”.
— As acusações apresentadas são muito graves e exigem provas igualmente sólidas — declarou à imprensa o porta-voz da presidência russa, Dmitri Peskov. — Caso contrário, será evidente que se trata de uma tentativa de restringir a liberdade de comunicação (…) e até mesmo de uma intimidação direta contra o chefe de uma grande empresa.
Entre os que manifestaram apoio a Durov está o magnata da tecnologia e executivo-chefe da rede social X, Elon Musk, que postou comentários sob a hashtag #FreePavel.
O Telegram tem se posicionado como uma alternativa “neutra” às plataformas americanas, como as redes controladas pela Meta, que foram criticadas e, em alguns casos, processadas pela exploração comercial dos dados pessoais dos usuários.
A rede de mensagens também tem desempenhado um papel fundamental para comunicações relacionadas à guerra entre Rússia e Ucrânia, sendo usado ativamente por políticos e observadores de ambos os lados do conflito.