Quando o ônibus azul e vermelho da chapa Kamala-Walz começar a zanzar, na tarde desta quarta-feira, pelas áreas rurais no sudeste do decisivo estado da Geórgia, os democratas pisarão no acelerador em uma das apostas mais ousadas de sua até agora impressionante campanha presidencial. Ao passarem por localidades que não votam democrata, em alguns casos, desde Jimmy Carter, ex-governador do estado, em 1976, mandam ao menos três recados importantes para os adversários.
O primeiro é que, ao contrário da campanha da reeleição, creem ser possível repetir a vitória de Joe Biden em 2020 na Geórgia e assim levar os 16 votos do estado no Colégio Eleitoral. Mais: o fazer por margem menos apertada — pouco mais de 11 mil votos — do que a contestada por Donald Trump há quatro anos. O então presidente responde na Justiça pela tentativa de interferir no resultado.
O segundo é acreditar estarem prontos para dar passo à frente à máquina de mobilização de eleitores negros e latinos azeitada na última década pela ex-deputada democrata, e preta, Stacey Abrams. Poucas derrotas viraram História como a sua, quando perdeu a eleição para governador por pouco mais de 50 mil votos em 2018 em unidade da federação dominada pelo Partido Republicano há meio século. Mas sua nova derrota, por margem ligeiramente maior, há dois anos, para o mesmo adversário republicano que é uma das poucas pedras no sapato de Trump no partido, indicou ser preciso ir além dos votos urbanos de Atlanta, Savannah, Columbus, Augusta e seus arredores, subúrbios onde vivem eleitores de classe média alta assustados com o trumpismo. O resultado desanimou os arquitetos da candidatura Biden.
Aí entra o terceiro recado do passeio de ônibus de Kamala e Walz no calor de 40 graus do verão na Geórgia. A chapa aposta, para aumentar a margem de vitória no estado, em usar parte do impressionante montante arrecadado em doações de campanha — R$ 2,9 bilhões em julho, contra R$ 1,8 bilhão de Trump — em áreas rurais. Em localidades que nenhum dos lados, testemunharam nesta quarta-feira moradores às redes de tevê locais, se dignam a visitar. Nem em época de eleição. “Partem do princípio de que aqui todo mundo vota com os republicanos e pronto”, disse à CNN uma eleitora de um condado que deu, há quatro anos, 70% dos votos para Trump. Ela revelou estar curiosa com a chegada ao lugarejo do “ônibus da Kamala e do técnico Walz”.
O “técnico” Walz é central na estratégia. A romaria eleitoral de ônibus por locais pouco populosos deixa aliados e republicanos coçando a cabeça. Uma das razões das viagens é justamente a de que o governador do Minnesota, criado em uma cidadezinha do Nebraska, dá, dizem os democratas, muita liga com moradores de áreas rurais nos sete estados que decidirão a disputa. Caberá a ele traduzir a ideia de “economia da oportunidade” lançada por Kamala na convenção. E a presidente vai tratar de outro tema central, direitos reprodutivos (aborto e tratamentos de inseminação) pela retórica de não se tratar de questão ideológica, mas de direito individual de saúde que os republicanos querem retirar de mulheres e famílias país afora. Foi assim, contam, no primeiro passeio, pelos cafundós da Pensilvânia, pouco antes da Convenção Democrata, com resultados positivos.
Mas por que tanto esforço, a dois meses e meio das eleições, em regiões onde os democratas não sonham em vencer em novembro? Não é dinheiro jogado fora? No patamar simbólico, há a mensagem de que Kamala e Walz não oferecem um plano de país apenas para as duas costas liberais e as grandes cidades. Na prática, buscam reduzir ao máximo as margens de Trump nessas localidades. De olho nos mapas eleitorais, calculam que o republicano, por exemplo, precisa de cerca de 70% dos votos nos grotões da Geórgia para contrabalançar a imensa vantagem democrata onde a maioria dos votos se concentra.
No estado sulista, o reverendo Raphael Warnock, que é preto, como cerca de 25% dos moradores da zona rural da Geórgia, ensaiou algo semelhante, com bem menos recursos, na disputa apertada para o Senado há dois anos. Venceu por 97 mil votos. Sua campanha era comandada pelo mesmo Quentin Fulks, agora um dos líderes nacionais da de Kamala-Walz.
“Aprendemos que aparecer naqueles locais e, a partir daí, abrir um comitê, modesto que seja, diminui em até 10 pontos percentuais as margens de vitória do adversário”, contou o estrategista ao site Politico. O ônibus tem sete paradas obrigatórias, nos novos escritórios de campanha criados pós-convencão, com 50 funcionários contratados.
Fulks conta que o ônibus pintado com a frase “Uma nova maneira de se seguir em frente” irá em seguida passear com os candidatos pelas zonas rurais da Pensilvânia (onde os governadores Josh Shapiro e o senador John Fetterman se beneficiaram de estratégias semelhantes) e da Carolina do Norte. O périplo sempre termina com um discurso em uma cidade maior, para mobilizar a base, como Savannah nesta quinta-feira.
A Carolina do Norte é importante pois tem características demográficas similares à da Geórgia e oferece outros preciosos 16 votos no Colégio Eleitoral, conquistados por Obama em 2008 mas que Biden não levou em 2020. Há quatro anos, Trump venceu no estado sulista por apenas 1,34 ponto percentual
A rede NBC fez as contas e comparou as duas disputas no detalhe: há 17 distritos eleitorais com população negra de pelo menos 35% do total, boa parte vivendo em zonas rurais. Nestes, Obama venceu com vantagem de 15,5 pontos percentuais, enquanto a margem de Biden foi de 11,2. Ou seja, é a redução da margem de vitória nas áreas republicanas, estúpido, diria o estrategista democrata James Carville, que cunhou a frase-símbolo da vitória de Bill Clinton em 1992 com a economia como mote. Ou, em português claro, todo político, creem, precisa ir aonde o eleitor está.