A Rússia lançou um ataque “maciço” com mais de 200 mísseis e drones contra a Ucrânia nesta segunda-feira, no que foi a maior ofensiva contra solo ucraniano desde o início de uma incursão das forças de Kiev em território russo, no começo do mês. Explosões abalaram cidades importantes, levaram milhares de pessoas a abrigos, e causaram estragos na infraestrutura energética, incluindo uma usina hidrelétrica, repetindo um enredo visto desde o início da guerra. Segundo as autoridades ucranianas, 7 pessoas morreram e 47 ficaram feridas, incluindo quatro crianças.
“Mais de 100 mísseis de diferentes tipos e uma centena de [drones] Shahed” foram usados nesta segunda em “um dos maiores ataques” russos contra a Ucrânia, escreveu o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky em comunicado no Telegram. “Em diversas regiões ucranianas, poderíamos fazer muito mais para proteger vidas se a aviação de nossos vizinhos europeus trabalhasse junto dos nossos F-16 na defesa aérea. Se essa união funcionou tão bem no Oriente Médio, deveria funcionar também na Europa. A vida tem o mesmo valor em todos os lugares”, continuou o mandatário, em aparente referência à ajuda dos EUA a Israel para derrubar projéteis iranianos.
Alertas de ataque aéreo soaram em quase todas as regiões do país, desde as da linha de frente, como Kharkiv e Dnipro, até a cidade portuária de Odessa, além da capital. “Terroristas russos mais uma vez atacaram a infraestrutura energética”, escreveu o primeiro-ministro da Ucrânia, Denys Shmyhal, indicando que de 15 a 24 regiões foram alvo de drones, mísseis de cruzeiro e mísseis hipersônicos Kinzhal. A empresa nacional de energia ucraniana, Ukrenergo, foi forçada a implementar cortes de energia emergenciais para estabilizar o sistema.
— O inimigo não abandona seus planos de privar os ucranianos de eletricidade — disse Shmyhal. O ministro da Defesa da Ucrânia, Rustem Umerov, prometeu uma resposta aos bombardeios, com “armas de produção própria”, sugerindo ações com drones.
De acordo com o Serviço de Emergências ucraniano, 7 pessoas morreram e 47 — incluindo quatro crianças — ficaram feridas na série de ataques.
“As equipes de resgate extinguiram 22 incêndios. Duas pessoas foram salvas. No total, cerca de 740 equipes de resgate e 176 unidades estiveram envolvidas na eliminação das consequências do bombardeio”, afirmou o órgão, em publicação no Telegram.
Em comunicado, o ministério da Defesa da Rússia assumiu ter realizado um “ataque em massa usando armamento de longo alcance e alta precisão” contra a infraestrutura energética ucraniana. O órgão declarou ter atingido todos os seus alvos. Os ataques ocorreram um dia após uma série de ofensivas na cidade oriental de Kramatorsk. Um membro da agência Reuters foi morto quando um míssil atingiu o hotel onde ele estava hospedado. Dois jornalistas também da Reuters ficaram feridos.
Após a ofensiva russa, o Exército polonês anunciou que um “dispositivo voador”, provavelmente um drone, sobrevoou nesta segunda-feira o território da Polônia, membro da Otan, a aliança militar do Ocidente, e depois desapareceu dos radares. O general Maciej Klisz, comandante operacional das Forças Armadas do país, disse que “o objeto foi confirmado por radiolocalização por pelo menos três estações de radar”.
O ataque desta segunda-feira foi o maior desde o início da incursão ucraniana na região russa de Kursk, na fronteira entre os dois países, no começo do mês. Em termos numéricos, as forças de Kiev ocupam uma área relativamente pequena, cerca de mil km², mas o impacto prático e moral foi considerável: segundo o Instituto para o Estudo da Guerra, o comando militar russo deslocou tropas de regiões na Ucrânia onde não há grandes ações para ajudar a repelir a invasão ucraniana, mas ainda não foram vistas movimentações em áreas como Donetsk, hoje foco dos esforços da Rússia.
Por meio de declarações vagas, o Kremlin vinha sinalizando que responderia de forma contundente à invasão, a primeira realizada por forças estrangeiras desde a Segunda Guerra Mundial: horas antes dos drones e mísseis atingirem os alvos, o secretário de Imprensa da Presidência, Dmitry Peskov, disse, se referindo à situação em Kursk, que “tais ações hostis não poderiam ficar sem uma resposta apropriada”, e que “definitivamente haveria uma resposta”.
Embora os aliados ocidentais de Kiev tenham fornecido grandes quantidades de equipamento militar à Ucrânia, eles impuseram condições sobre como ele pode ser utilizado. Eles países proibiram o uso das armas para atacar locais de lançamento de mísseis e drones no interior da Rússia, o que significa que Kiev depende principalmente de suas defesas aéreas para conter os ataques de Moscou. Após os ataques desta segunda, autoridades ucranianas pediram para que as restrições sejam retiradas.
“Tive uma conversa com o Comandante Supremo das Forças Armadas Aliadas da OTAN na Europa, o comandante das Forças Armadas dos EUA na Europa, General Christopher Cavoli <...>Informado sobre a situação e o curso das hostilidades em diferentes direções de a frente”, escreveu o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas da Ucrânia, Alexander Syrsky, em seu canal no Telegram. Os dois também discutiram o fortalecimento da defesa aérea ucraniana.
Em publicação no X, o chefe da diplomacia europeia Josep Borrell, afirmou que “a Ucrânia precisa de defesa aérea imediatamente”, e que isso será discutido com os chanceleres do bloco em uma reunião informal na quinta-feira. Borrell reiterou ser favorável ao fim do veto ao uso de armas ocidentais em ataques contra alvos dentro do território russo.
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Após o ataque de segunda-feira, o ministro da Energia da Ucrânia, Herman Halushchenko, disse que “o setor de energia está na mira” e que a extensão dos danos estava sendo investigada. A Rússia, por sua vez, disse que atacou armas e munições ocidentais em dois campos de aviação ucranianos, além de estações de compressão de gás e subestações de energia elétrica – estas últimas, segundo Moscou, estariam fornecendo energia para o complexo industrial militar da Ucrânia.
Um dos alvos confirmados foi a usina hidrelétrica localizada nos arredores de Kiev — de acordo com funcionários da instalação, houve danos, mas sem gravidade. Eles ainda descartaram a possibilidade de um rompimento da barragem, como ocorreu em Kakhovka, na região de Kherson, no ano passado.
“Quanto à barragem de Kiev, não há ameaças. É impossível destruí-la com foguetes. Não vale a pena comparar com a região de Kherson, [onde] houve um enfraquecimento por dentro. Os russos estão usando este tópico de forma informativa para incitar o pânico, nada mais”, afirmou no Telegram o chefe do Centro de Combate à Desinformação do Conselho Nacional de Segurança e Defesa da Ucrânia, Andrei Kovalenko.
Os esforços para incapacitar a rede elétrica ucraniana tiveram início em 2022, quando a guerra começou, e se intensificaram em março deste ano com ataques direcionados a usinas de energia. Conforme publicado pela CNN, Moscou repetidamente tentou danificar a infraestrutura energética para usar as temperaturas congelantes do inverno como arma de guerra.
Ataques anteriores visaram principalmente estações de transformadores. No mês passado, quase todas as usinas termelétricas da Ucrânia e um terço das usinas hidrelétricas foram destruídas. Kiev, que está aumentando a produção de um arsenal de drones explosivos de longo alcance de fabricação nacional, retaliou explodindo tanques de combustível e refinarias de petróleo na Rússia.
Pelo lado russo, há preocupação com a central nuclear de Kursk, localizada a alguns quilômetros da fronteira com a Ucrânia. Nesta segunda-feira, o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Grossi, disse que, “dada a gravidade da situação”, ele liderará “pessoalmente a missão da AIEA de amanhã (terça-feira)” à instalação.
A Rússia tem atacado cidades ucranianas com mísseis e drones a cada poucos dias, além de bombardeios diários de artilharia, morteiros e mísseis em áreas próximas às linhas de frente. Em 8 de julho, um míssil atingiu o maior hospital infantil da Ucrânia, em Kiev, interrompendo suas operações sem matar nenhuma criança. No mesmo dia, ataques por toda a capital mataram mais de 30 pessoas.
Nesta segunda-feira, um ataque russo danificou um prédio residencial na cidade de Lutsk, no noroeste da Ucrânia, postou o prefeito da cidade, Ihor Polishchuk, nas redes sociais. Mortes foram relatadas nas regiões de Dnipropetrovsk, Zaporizhzhia, Volyn e Zhytomyr, de acordo com as autoridades ucranianas. Pelo menos cinco pessoas ficaram feridas na região central de Poltava quando uma instalação industrial foi atingida, segundo o chefe militar da região.
Os relatórios de baixas ucranianas não puderam ser confirmados de forma independente, e o Ministério da Defesa russo, que normalmente permanece em silêncio sobre os ataques que conduz contra cidades e outros alvos civis em território ucraniano, não disse nada em seu próprio canal no Telegram. Mais de 10 mil civis foram mortos na Ucrânia desde que a Rússia lançou sua invasão em grande escala, em fevereiro de 2022, de acordo com dados das Nações Unidas. (Com AFP e New York Times)