O Kremlin afirmou nesta segunda-feira que “não falará” com a Ucrânia devido à incursão na região de Kursk — que pegou as forças russas de surpresa, mas parece ser insuficiente para retardar o avanço das tropas, com a Rússia reivindicando novas conquistas na região de Donetsk. A declaração foi feita pelo conselheiro diplomático do presidente Vladimir Putin, Yuri Ushakov, em resposta às afirmações de autoridades ucranianas, entre eles, o presidente Volodymyr Zelensky e o conselheiro diplomático ucraniano Mikhailo Podolyak, de que não há na ofensiva a intenção de “ocupar” o território russo, mas de usá-lo para, em caso de “possíveis” negociações, pressionar Moscou a sentar “do outro lado da mesa”. Em suma, forçar os russos a iniciarem negociações “justas”.
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“Na fase atual, dada esta aventura, não vamos falar”, declarou Ushakov ao Shot, canal russo no Telegram, acrescentando: “No momento, seria completamente inapropriado iniciar um processo de negociação”.
As conversações entre as duas partes estão completamente bloqueadas desde 2022, pouco depois do início do conflito. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, indicou que deseja elaborar um plano para novembro, data das eleições presidenciais nos Estados Unidos (aliado vital de Kiev), que sirva de base para uma futura reunião de cúpula da paz, para a qual o Kremlin deve ser convidado. Na mais recente, sediada em junho na Suíça, a Rússia não esteve presente. A ausência que, na avaliação de especialistas e críticos, traria poucos avanços práticos.
Zelensky reiterou que a paz será possível apenas se o Exército russo deixar completamente o país, incluindo a península da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014. Putin, porém, tem objetivos diferentes: em junho deste ano, o líder russo afirmou que estaria pronto para encerrar o conflito e iniciar um acordo de paz se Kiev cedesse as regiões parcialmente anexadas por Moscou e desistisse da adesão à Otan. As condições foram consideradas inaceitáveis pela Ucrânia e as potências ocidentais, que exigem o respeito ao direito internacional.
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Nesta segunda-feira, o presidente ucraniano destacou que suas tropas estão alcançando os objetivos na região fronteiriça, afirmando que tiveram durante a manhã “outra reposição do fundo de troca [de prisioneiros de guerra]” para Kiev, em referência aos militares russos capturados durante a incursão, e, durante um discurso aos embaixadores ucranianos, anunciou que a Ucrânia controla agora mais de 1.250 km² e 92 assentamentos de Kursk. A ofensiva iniciada em 6 de agosto tem sido descrita como o maior avanço de um Exército estrangeiro na Rússia desde a Segunda Guerra Mundial.
Para além das trocas de prisioneiros e de pressionar os russos por uma negociação, a incursão ucraniana em Kursk visa também “criar uma zona tampão” entre a Rússia e a ex-república soviética, segundo autoridades ucranianas. O assalto ucraniano à região russa pretendia ainda aliviar alguns flancos de batalha e redirecionar as tropas russas frente à escassez de tropas e munições ucranianas, o que parece estar surtindo pouco efeito.
Em seu discurso, o presidente ucraniano voltou a pedir para que seus aliados suspendam as restrições ao uso de armas de longo alcance para atacar profundamente a Rússia.
— A Ucrânia está separada da tarefa de deter o avanço do Exército russo na frente de batalha por apenas uma decisão que aguardamos de nossos parceiros: a decisão sobre capacidades de longo alcance — afirmou.
Chamados ATACMS (Sistemas de Mísseis Táticos do Exército), essas armas podem atingir alvos a 300 quilômetros de distância, e os aliados condicionam o envio à não utilização para atacar dentro do território russo. Em maio, o presidente Joe Biden suspendeu a restrição, mas apenas para defender a região de Karkhiv, segunda maior cidade ucraniana que estava sob intenso fogo. A ação foi criticada por Putin, descrevendo a suspensão americana como um “passo perigoso” e que poderia minar ainda mais a segurança internacional.
Rússia reivindica novo assentamento
O pedido de Zelensky ocorre em meio ao avanço do Exército russo em território ucraniano. Nesta segunda-feira, Moscou reivindicou um assentamento “importante” na região de Donetsk, leste da Ucrânia, que testemunhou os combates mais pesados da guerra. O Ministério da Defesa disse que tinha “libertado” a cidade de Artemovo, que na Ucrânia se chama Zalizne, descrevendo-a como um dos “importantes centros populacionais” da região, localizado perto das cidades de Niu York e Toretsk. A cidade tinha cerca de 5 mil habitantes em 2022, o que a torna uma das maiores regiões capturadas pelas tropas russas nas últimas semanas.
Donetsk é uma das quatro regiões ucranianas que a Rússia alega ter anexado em 2022, apesar de não ter controle total sobre nenhuma delas. Kiev tem tido dificuldade em manter a linha da frente ali, enfrentando escassez de tropas e munições. No domingo, a Rússia reivindicou o controle da cidade de Sviridonivka, a cerca de 15 km de Pokrovsk, um dos principais redutos defensivos da Ucrânia na região.
Frente à tomada da cidade, o governador de Donetsk, Vadim Filashkin ordenou a saída “obrigatória” de famílias com crianças de Pokrovsk e de uma dúzia de localidades próximas. Em uma mensagem no Telegram, o governador disse que mais de 53 mil pessoas vivem nessa área, incluindo quase quatro mil criança. O deslocamento da cidade, portanto, “é necessário e inevitável”.
Pokrovsk é crucial porque fica no cruzamento de uma rodovia utilizada para abastecer as tropas ucranianas e as cidades do front leste, além de estar localizada em uma estrada importante que liga várias outras cidades que formam um arco defensivo, protegendo a parte de Donetsk. A cidade foi alvo do Exército russo por muito tempo, e sua captura deixaria a Rússia um passo mais perto de seu objetivo de longa data de tomar toda a região.
Nesse cenário, as conquistas russas das últimas horas são um lembre de que, apesar da incursão bem-sucedida das forças ucranianas na região de Kursk, elas ainda estão perdendo terreno em seu próprio território. (Com AFP e NYT)