A líder da oposição na Venezuela, María Corina Machado, disse para milhares de pessoas neste sábado em Caracas que a oposição não sairá da ruas do país enquanto permanecer o impasse eleitoral. E voltou a apelar às Forças Armadas do país por um “cumprimento estrito de seu dever constitucional” no reconhecimento da vitória do candidato Edmundo González Urrutia nas eleições presidenciais realizadas em 28 de julho. Diante de uma jornada com protestos convocados em mais de 300 cidades no país e no mundo, María Corina compareceu ao ato realizado em Caracas, onde seus apoiadores saíram às ruas com cópias das atas de votação do pleito presidencial. Manifestações em apoio ao presidente Nicolás Maduro também ocorreram neste sábado.
— Não vamos deixar as ruas. Com inteligência, com prudência, com resiliência, com audácia e pacificamente, porque a violência convém a eles [chavistas]. O protesto pacífico é nosso direito — disse María Corina, que discursou de cima de um caminhão durante o ato realizado em Caracas, acompanhada por milhares de apoiadores.
A oposição venezuelana convocou novos protestos após quase três semanas da realização das eleições presidenciais, para pressionar pelo reconhecimento das atas recolhidas e divulgadas por meio de um portal, que apontam uma vitória decisiva de González sobre Maduro. Os organizadores estimam que atos foram realizados em mais de 300 cidades, dentro e fora da Venezuela — com ampla participação da comunidade no exílio, estimada em 7,7 milhões de pessoas.
Havia dúvida se María Corina — figura mais popular da oposição no país e impedida por autoridades chavistas de concorrer — apareceria na manifestação. Sob a mira do governo, que a acusa de incitação contra a ordem democrática e tentar aplicar um golpe no país, a última vez que ela tinha aparecido em público foi durante um ato no dia 3 de agosto. Edmundo González, candidato opositor, não foi visto durante o ato.
Antes de se dirigir ao ato em Caracas, María Corina voltou a pedir apoio dos militares e das forças de segurança em um vídeo publicado nas redes sociais, numa espécie de convocação final aos seus aliados para a jornada de protestos.
— Quero falar a cada um dos integrantes das Forças Armadas Nacionais e das forças de segurança: a Venezuela espera de vocês um cumprimento estrito de seu dever constitucional. Foram testemunhas do que se passou no dia 28 de julho e sabem que o povo decidiu pela mudança — afirmou María Corina, em um vídeo divulgado na rede social X. — Convidamos vocês, seus familiares e seus vizinhos a fazerem parte deste movimento que não será interrompido e seguirá avançando dia após dia.
Uma série de atos foi confirmada, da Colômbia até a Austrália, passando por cidades da Europa, Ásia e Oceania. Centenas de manifestantes se reuniram em cidades como Bruxelas, Amsterdã, Barcelona, Seul, Tóquio e Melbourne. María Corina afirmou tratar-se de um “dia histórico”, classificando as manifestações como um “grande protesto mundial pela verdade”.
— Temos que nos manter firmes e unidos. Tentam nos assustar, nos dividir, nos paralisar, nos desmoralizar, mas não conseguem, pois estão absolutamente entrincheirados na mentira, na violência, em sua falta de legitimidade — disse a líder opositora no vídeo.
González Urrutia também se pronunciou através de um outro vídeo publicado nas redes sociais. Ele acusou o governo liderado por Maduro de repressão e se recusar a transmitir o poder para quem teve mais votos nas eleições.
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— O regime, em vez de se preparar democraticamente para uma transição pacífica, decidiu perseguir, prender e assassinar compatriotas, que tudo o que fizeram foi exigir que a vontade da maioria fosse respeitada — disse o candidato opositor.
González defendeu uma transição ordenada, prometendo empenho e trabalho diário para fazer prevalecer o resultado do pleito que afirma ser o correto.
— Temos os votos, as atas, o apoio da comunidade internacional e os venezuelanos determinados a lutar pelo nosso país. Mas, acima de tudo, temos um plano para recuperar a Venezuela, onde reinarão o progresso, o bem-estar e a paz — disse.
Em solo venezuelano, alguns dos protestos opositores foram alvo de repressão. O escritório de direitos humanos do partido opositor Vem Venezuela relatou três prisões de ativistas durante a jornada de manifestações: Carlos Molina, secretário de organização regional da sigla Um Novo Tempo (UNT), em Carabobo; o padre Elvis Cabarca, detido durante uma vigília pela liberdade do país, no Estado de Zulia; e o advogado Henry Gómez, em Puerto Ayacucho.
Veículos de comunicação locais também confirmaram que um protesto em Maracay, no Estado de Aragua, foi dispersado por forças de segurança, que usaram bombas de gás lacrimogêneo.
Manifestações pró-Maduro
O regime chavista também mobilizou forças para demonstrar apoio ao presidente Nicolás Maduro em Caracas. Aliados próximos ao presidente pediram que seus apoiadores saíssem às ruas em resposta aos protestos convocados pela oposição e acionou as forças de segurança e militares do país, que devem ficar em alerta. Uma marcha foi convocada na capital, saindo da Avenida Libertador em direcão ao Palácio Miraflores.
— No sábado vamos às ruas em toda Venezuela para continuar celebrando a vitória da revolução bolivariana — disse nesta semana o dirigente chavista Diosdado Cabello.
Milhares de apoiadores de Maduro começaram a se concentrar no centro de Caracas. Uma caravana com dezenas motociclistas partiu do bairro de Petare, considerada a maior favela da Venezuela e antigo reduto chavista, em direção ao centro, onde a oposição estava concentrada. O canal estatal VTV mostrou manifestações de apoio em outras cidades.
Diversos setores do chavismo se manifestam quase diariamente nas caminhadas até o Palácio Presidencial em apoio a Maduro. O líder venezuelano afirma que María Corina e González Urrutia orquestram um golpe de Estado. Em paralelo, as forças de segurança mantém uma campanha violenta contra gestos de apoio à oposição. O acesso a Petare, a cerca de 6 km do ponto de concentração do protesto da oposição, foi tomado por dois blindados da Guarda Nacional neste sábado. Cerca de 40 agentes em motos estavam no local desde a manhã.
A imprensa local relata desdobramentos semelhantes em outras áreas populares, onde, no dia seguinte à eleição, ocorreram protestos que resultaram em 25 mortes e mais de 2,4 mil pessoas presas, classificadas por Maduro como “terroristas”.
Maduro foi proclamado reeleito pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), de controle governista, para um terceiro mandato de seis anos, até 2031, com 52% dos votos, cifra que a oposição liderada por María Corina Machado rejeita. A dirigente reivindica a vitória de seu candidato, Edmundo González Urrutia, e publicou em um site as cópias de mais de 80% das atas de votação, as quais afirma provarem seus argumentos.
O CNE ainda não publicou a contagem detalhada mesa por mesa, alegando que o sistema de votação automatizado foi alvo de um “ataque ciberterrorista”. Sobre as cópias das atas eleitorais publicadas na internet pela oposição, o chavismo e o CNE afirmam que os documentos são falsificados.
Em meio ao impasse, há uma divisão na comunidade internacional. Aliados de Maduro na China e na Rússia reconheceram o resultado apresentado pelo CNE, enquanto países da região como EUA e Argentina, reconheceram os dados apresentados pela oposição, aceitando a vitória de Edmundo González. Em paralelo, Brasil e Colômbia tentam criar uma alternativa para resolver o impasse. Propostas como a realização de uma nova eleição, com contornos de segundo turno, ou mesmo um governo de coexistência entre os dois grupos políticos foram aventadas, mas nada saiu do papel até o momento, com chavistas e opositores negando os caminhos apontados. (Com AFP e El País)