Em seu discurso, Zelensky afirmou que a guerra estava “retornando à Rússia”, ao se referir à ação militar contra o vizinho do Leste, naquele que já é o maior ataque de um Exército estrangeiro em território russo desde a Segunda Guerra Mundial. Ele também detalhou sua ideia de forçar a negociação.
— A Rússia deve ser forçada a fazer a paz, se Putin quer tanto lutar — afirmou Zelensky. — A Rússia trouxe a guerra para outros, agora [a guerra] está voltando para casa. A Ucrânia sempre quis apenas a paz e certamente garantiremos a paz.
Nesta terça-feira, o porta-voz da diplomacia ucraniana, Georgiy Tykhy, afirmou que Kiev não tem interesse em anexar nenhuma região da Rússia, reforçando que a ação teria apenas uma função tática.
— Ao contrário da Rússia, a Ucrânia não precisa de propriedades alheias. A Ucrânia não quer anexar nenhum território na região de Kursk, mas quer proteger a vida do seu povo — disse o diplomata em uma entrevista coletiva, defendendo que as ações ucranianas “são absolutamente legítimas”. — Quanto antes a Rússia concordar em restaurar uma paz justa (…), mais cedo cessarão as incursões das forças de defesa ucranianas em território russo.
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A ideia da “paz justa” tem sido apresentada pelo governo ucraniano há algum tempo, mas no novo contexto pós-incursão em Kursk, o conceito parece menos claro.
Em junho, o conselheiro presidencial Mykhailo Podolyak condicionou a paz ao cumprimento da lei internacional, sinalizando que todas as áreas anexadas desde fevereiro de 2022 deveriam ser retornadas a Kiev. Em várias ocasiões, Zelensky disse que seu objetivo era recuperar as fronteiras ucranianas de 1991, ano da independência em relação à União Soviética, o que também inclui a Crimeia, anexada por Moscou em 2014.
Mas as dificuldades da guerra, já em seu terceiro ano, parecem ter alterado alguns cálculos que pareciam sólidos. Em julho, um mês depois de uma conferência de paz inconclusiva, que teve ausências importantes e não convidou a Rússia, Zelensky afirmou que planejava um novo encontro, em novembro, agora com os russos entre os convidados. Até agora, Putin tem reiterado que está disposto a negociar, desde que em seus termos, ou seja, com o congelamento do conflito nas atuais posições, o que consolidaria os avanços territoriais russos.
Neste contexto, a invasão em Kursk, além de impor um inesperado revés a Putin e mostrar a fragilidade de suas forças de defesa, algumas delas capturadas enquanto tomavam café, também pode servir ra pressionar Moscou a se sentar à mesa e discutir os termos de um cessar-fogo o quanto antes.
De acordo com fontes russas divulgadas pelo Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla em inglês) e analisadas pela AFP, a Ucrânia controlava 800 km² do território da região até a noite de segunda-feira — perto dos 1 mil km² anunciados pelo ministro da Defesa ucraniano, Oleksandr Syrsky.
Ordens de retirada foram emitidas por autoridades russas para regiões perto da fronteira, como Kursk e Belgorod, diante da ofensiva ucraniana. Na segunda-feira, o governador de Kursk, Alexei Smirnov, afirmou que 121 mil pessoas já haviam se retirado em razão dos avanços ucranianos, enquanto outras 60 mil esperavam pela chance de serem retirados.
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Embora a área de operação ucraniana seja negligenciável em termos numéricos — menor do que a extensão da cidade do Rio de Janeiro, que é de 1,2 mil km² —, Kiev tem sugerido que não pensará duas vezes em retirar suas tropas caso os russos negociem uma pausa nos combates. E analistas veem chances de sucesso na empreitada: afinal, como disse o chanceler russo, Sergei Lavrov, em 2023, “qualquer negociação entre a Rússia e a Ucrãnia precisa ser baseada nas novas realidades no terreno”.
“Se as forças ucranianas conseguirem manter o controle do território russo — pelo qual parecem estar se esforçando ao trazer mais equipamentos e construir novas linhas defensivas — isso poderia fortalecer a influência da Ucrânia em quaisquer negociações potenciais para acabar com a guerra”, escreveu Andreas Umland, do Insituto Sueco de Relações Internacionais, em artigo na revista Foreign Policy. “Kiev parece estar sinalizando que a influência nas negociações é um dos objetivos da ofensiva.”
Para Umland, mesmo que restrita, a captura em Kursk pode impulsionar o argumento da troca de “terra por terra”, ao invés do argumento de “paz por terra”, propagandeado por Putin desde fevereiro de 2022. Mas para isso, Kiev teria que manter as posições em solo ucraniano — o que parece estar tentando fazer — e contar com o desejo dos russos em negociar, algo que não parece tão simples.
Ainda na segunda-feira, Putin ordenou ao Exército que “expulse” as tropas ucranianas, que em quase uma semana tomaram 28 localidades na região de Kursk.
— A principal tarefa do Ministério da Defesa é, obviamente, expulsar o inimigo dos nossos territórios — declarou Putin em uma reunião transmitida pela televisão. — [O Exército ucraniano pretende] semear a discórdia na nossa sociedade, intimidar as pessoas, destruir a unidade e a coesão da sociedade russa.
O comandante das forças especiais russas Akhmar, general Apti Alaudinov, afirmou ao canal de TV Rússia 1 que muitas das tropas ucranianas que invadiram Kursk foram eliminadas. Em uma reprodução da fala, citada pela agência russa Ria Novosti, Alaudinov afirmou que “a maioria das forças e meios que entraram no território russo” foram destruídos.
“No total, durante os combates na direção de Kursk, o inimigo perdeu até 2.030 militares, 35 tanques, 31 veículos blindados, 18 veículos de combate de infantaria, 179 outros veículos blindados de combate, 78 veículos, quatro sistemas de mísseis antiaéreos, dois lançadores de múltiplos sistemas de lançamento de foguetes e 14 canhões de artilharia de campanha”, anunciou no Telegram o Ministério da Defesa russa. “A operação para destruir unidades das Forças Armadas Ucranianas continua.”