A Rússia ordenou nesta segunda-feira a saída de mais civis da região de Kursk e expandiu a ordem para Belgorod, também na fronteira com a Ucrânia. A declaração ocorreu quase uma semana depois do início de uma ofensiva sem precedentes das tropas de Kiev no território russo. Em reunião com o presidente Vladimir Putin, o governador de Kursk, Alexei Smirnov, disse que a Ucrânia tomou o controle de 28 cidades e vilas na região de Kursk, forçando a fuga de 121 mil pessoas e deixando outras quase 60 mil à espera de também deixar a área de conflito. Segundo a autoridade russa, 12 civis morreram em Kursk, incluindo dez crianças, e 121 pessoas ficaram feridas.
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Em Belgorod, cerca de 11 mil residentes foram retirados do distrito de Krasnoyaruzhsky. O chefe da administração distrital, Andrey Miskov, disse nesta segunda-feira no VK (rede social equivalente ao Facebook) que os moradores partiram num ônibus com destino a acomodações temporárias. Ele acrescentou que cerca de 500 pessoas permaneceram em suas casas. Mais cedo, o governador da região, Vyacheslav Gladkov, disse que o local estava sob alerta de mísseis e pediu que os civis fossem para abrigos e ficassem lá “até receberem o sinal” de segurança.
De acordo com a BBC, Putin pareceu incomodado durante o encontro com Smirnov, que foi transmitido pela televisão estatal. Quando o governador falou que “a situação continua difícil” com o avanço das forças ucranianas, especificando que elas conseguiram avançar por 12 km dentro do território russo e que a linha de frente tem 40 km de extensão, o mandatário o interrompeu, afirmando que o Ministério da Defesa “informará a profundidade” da presença ucraniana.
— O senhor pode nos falar da situação socioeconômica e sobre ajudar as pessoas — afirmou.
Putin, por sua vez, disse que as “perdas aumentam dramaticamente” para as forças ucranianas, especialmente entre as unidades mais capacitadas. Nesta segunda, a Rússia disse que seu sistema de defesa aérea destruiu 18 drones ucranianos.
— O inimigo receberá uma resposta digna, e não haverá dúvida de que alcançaremos todos os nossos objetivos. É óbvio que o inimigo continuará tentando abalar a situação na zona fronteiriça para tentar desestabilizar a situação política interna em nosso país. A principal tarefa do Ministério da Defesa é pressionar e expulsar o inimigo do nosso território — disse Putin, afirmando que a motivação da Ucrânia na ofensiva é melhorar sua posição em futuras negociações de paz.
1 mil km² de território russo
Dois anos e meio após a invasão russa no território ucraniano, a Ucrânia iniciou na semana passada uma operação em larga escala na província de Kursk. A ofensiva, que já havia provocado a fuga de dezenas de milhares de pessoas nos últimos dias, é o maior ataque de um Exército estrangeiro na Rússia desde a Segunda Guerra Mundial. À AFP, uma fonte de alto escalão do Serviço de Segurança ucraniano disse que o objetivo do ataque é “deslocar as posições do inimigo” e “desestabilizar” a região.
Em um vídeo publicado pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, o ministro da Defesa Oleksandr Syrsky afirmou que a operação continua ativa e que as tropas ucranianas mantém o controle sobre cerca de 1 mil km² de território russo.
— Continuamos a conduzir operações ofensivas na região de Kursk. A partir de agora, cerca de 1 mil km² do território da Federação Russa estão sob nosso controle — disse Syrsky, que compartilhou há dois dias uma coletânea de vídeos com ações ucranianas contra as forças russas durante a operação.
No domingo, Moscou reconheceu que as tropas ucranianas avançaram no território russo, embora tenha dito que conseguiu impedir “tentativas” de invasão em Tolpino, Zhuravlyi e Obshchina Kolodez, cidades a cerca de 30 km da fronteira com a ex-república soviética. No sábado, segundo autoridades russas, mais de 76 mil pessoas que moravam na região de Kursk deixaram o local. Nesta segunda, Smirnov afirmou que a retirada também afetará Belovski, onde vivem quase 15 mil.
“Há atividades inimigas na fronteira do distrito de Krasnaya Yaruga”, escreveu o governador Vyacheslav Gladkov no Telegram. “Pela segurança de vida e da saúde da nossa população, estamos começando a transferir os habitantes do distrito.”
O combate dentro da Rússia reacendeu questões sobre a possibilidade de a Ucrânia estar usando armamentos fornecidos por países membros da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), publicou a agência Associated Press. Algumas nações ocidentais têm hesitado em permitir que a Ucrânia utilize sua ajuda militar para atacar o solo russo porque temem que isso possa alimentar uma escalada da guerra. Embora não esteja claro quais armas Kiev tem utilizado, a mídia russa relatou que veículos de infantaria blindados Bradley, dos Estados Unidos, e Marder, da Alemanha, estavam presentes.
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Smirnov, o governador de Kursk, chegou a dizer que as forças ucranianas usaram projéteis com armas químicas durante a invasão, o que configuraria uma grave violação da Convenção sobre Armas Químicas (CAQ), que Kiev ratificou com mais de 150 países. O Serviço de Segurança ucraniano (SBU), por outro lado, disse que a Rússia tenta acusar falsamente os militares de Kiev de crimes de guerra. Em comunicado no Telegram, o órgão afirmou ter informações que indicam que a Rússia poderia encenar crimes pelos quais culparia a Ucrânia.
“O Serviço de Segurança da Ucrânia observa as tentativas dos serviços especiais da Federação Russa de usar a situação na região de Kursk para acusar infundadamente os defensores ucranianos de cometer crimes de guerra”, disse o SBU. “Para fazer isso, o lado russo cria e espalha várias declarações falsas e informações que não têm a ver com a realidade.”
Recepção dos deslocados
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, admitiu pela primeira vez no sábado o envolvimento de seu país na incursão, afirmando que a operação visa “deslocar a guerra para o território do agressor”. O ataque à região de Kursk é a maior e mais bem-sucedida ofensiva de Kiev até agora, e autoridades ucranianas recomendaram que pelo menos 20 mil civis deixem a região de Sumy. Um aposentado que precisou deixar sua casa afirmou, no domingo, que a ofensiva lhe deu uma dose de ânimo.
— Deixemos que [os russos] descubram o que é [a guerra]. Eles não entendem o que é a guerra. Deixemos que provem dela — disse o homem de 70 anos.
No domingo à noite, Kiev e Moscou trocaram acusações sobre um incêndio na central nuclear de Zaporíjia, no sul ucraniano, que foi controlado. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que tem uma equipe de especialistas no local, afirmou que “não foi relatado nenhum impacto para a segurança nuclear”. A mídia estatal russa, contudo, afirmou que a torre de resfriamento da usina pode precisar ser substituída — e o chefe da AIEA, Rafael Grossi, disse que “ataques imprudentes” colocavam em risco os sistemas de segurança do local.
A Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022 e, desde então, mantém uma ofensiva na região, ocupando áreas do leste e do sul do país, com ataques diários de artilharia, mísseis e drones contra cidades ucranianas. Segundo analistas, Kiev provavelmente iniciou a incursão mais recente para aliviar a pressão sobre suas tropas em outras partes do front, superadas em número e escassez de armas.
Por enquanto, porém, a ação não fragilizou de forma significativa a ofensiva russa no leste da Ucrânia, onde Moscou ganha terreno há meses, informou um alto funcionário de segurança ucraniano. Ele admitiu que eventualmente a Rússia deterá as tropas ucranianas em Kursk, mas que o ataque “pegou os russos desprevenidos” e “aumentou a moral” das forças de Kiev. Disse, ainda, que a Rússia prepara um ataque maciço com mísseis contra os “centros de comando” na Ucrânia, e assegurou que Kiev informou seus aliados ocidentais sobre a operação. (Com AFP)