Com nove lojas próprias e 280 franquias espalhadas por todo o país, a Hope decidiu se reinventar. A mudança na marca de moda íntima, segundo o CEO José Luis Fernandes, veio da percepção de que a empresa de 58 anos não tem um faturamento à altura do peso da marca.
Para realinhar esse quadro, a companhia resolveu ampliar o público-alvo e o portfólio, que agora vai de calcinhas e sutiãs a pijamas e cuecas.
A Hope lançou linhas com peças 50% mais baratas que seus conhecidos produtos premium, que seguem nas prateleiras, para chegar à classe C, disputando a preferência do público de renda média com o e-commerce e as lojas de departamento.
Com isso, pretende ampliar de 4% para 10% sua participação em um mercado muito pulverizado, diz o executivo em entrevista ao GLOBO. Para colocar o plano em prática, o investimento será de R$ 20 milhões em 2024. Faz parte da estratégia o novo modelo de lojas “Duo”, que vendem lingerie e roupas fitness no mesmo ambiente. O objetivo é alcançar 310 unidades do tipo em cinco anos.
Por que a Hope, que já tem venda na internet, em lojas multimarcas e em franquias, resolveu criar um novo modelo de estabelecimento?
Ao longo do ano passado, a gente vinha fazendo uma série de estudos porque uma das nossas dores era que a gente enxergava a marca Hope muito maior do que aquilo que se traduz na sua expressão financeira. Trouxemos uma consultoria estratégica para nos ajudar nesse processo.
Já tinha surgido a oportunidade de a gente juntar a Hope, de lingerie, e a Hope Resort, de moda fitness, em cidades com menos de 200 mil habitantes, criando a Hope Duo. E como essa experiência se mostrou muito assertiva, com franqueados tendo bom desempenho, uma das alternativas apresentadas pela consultoria foi testar esse modelo em cidades maiores, o que pode se transformar em uma das nossas principais avenidas de crescimento.
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Colocar todo o catálogo no mesmo espaço é suficiente para vender mais?
Não, essas lojas não vendem mais. Elas criam uma boa economicidade. Você ocupa um bom espaço físico — são lojas maiores, com cerca de 60 metros quadrados, enquanto as de shopping têm 45 metros quadrados —, com duas marcas e tem um mesmo time. Então, reduz custos. Como são lojas de rua, não têm custos de shoppings, e a equipe é reduzida porque as lojas não abrem domingo. O faturamento tem nos surpreendido.
Nessa nova fase, qual é a cara que a Hope quer ter?
Começamos vendendo calcinha, progredimos para o sutiã, depois fomos para pijama, mas sempre no mundo feminino. Agora, queremos ser solução para a família. Temos vários produtos que, como líderes de categoria, precisamos ter: calcinha absorvente, sutiã maternidade, sutiã para mulheres que foram mastectomizadas.
Mais recentemente, aproveitamos nossa estrutura e introduzimos a linha masculina. É nossa grande aposta. Era um mercado muito carente, não tinha uma Hope para os homens, né? Uma loja que venda cueca, pijama, camiseta…
Pretendemos lançar o fitness para os homens ainda este ano. Descobrimos que é muito bom vender para homem. Diferentemente de mulher, que compra aos poucos, se ele compra uma cueca e gosta, volta e leva logo uma dúzia.
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A companhia também lançou produtos mais baratos. Se antes uma calcinha custava uns R$ 60 ou mais, agora há opções por R$ 29,90. Essa mudança é para atender também à classe média?
A gente atendia às classes A e B1. Com essa linha de entrada, cerca de 50% mais barata, a gente chega confortavelmente até a B2 e a C. Mas, mesmo quando olhamos a faixa mais alta, a nossa participação deixava a desejar porque muitas consumidoras privilegiam o preço na hora de comprar.
Por isso, temos certeza de que vamos conseguir avançar também nessas classes. O grande desafio foi encontrar produtos competitivos, que nos dessem alguma margem, sem abrir mão do conforto e da qualidade para o consumidor final.
As peças Hope também são, para muitas consumidoras, símbolo de status. Não há receio de que baratear produtos tenha efeito contrário num público já cativo?
Nosso produto é muito democrático. A mesma lingerie que você usa, a funcionária que trabalha na sua casa também pode usar. Não é uma peça que aparece, como uma bolsa ou uma calça que você pode ostentar. Temos potencial de atingir tanto as classes altas, quanto as baixas, sem abrir mão do que é valor e informação de moda.
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Também miram no público que tem comprado nas varejistas on-line asiáticas?
Queremos aumentar o fluxo e a conversão das nossas lojas. Naturalmente, quando se compra num lugar, se deixa de comprar em outro. É uma reação esperada. Vemos muita gente que comprava em loja de departamento migrando. A concorrência com os chineses é difícil.
É uma ameaça constante quando você tem uma desigualdade tributária. Estão tentando equacionar, mas não é confortável. E somos a indústria nacional, né? Tem toda a remuneração da cadeia, empregamos pessoas daqui. A comparação não é justa, mas existe. É um tema que a gente procura trabalhar não só como guerra de preços, mas trazendo valor para a nossa marca.
Qual é a perspectiva para o segundo semestre e o ano?
Em 2023, fechamos com R$ 350 milhões de faturamento da rede franqueada, e estimamos que vamos fechar este ano com R$ 420 milhões, sem considerar e-commerce e multimarcas. Todo segundo semestre a gente entra numa crescente (com a proximidade do verão).
Quanto mais corpo à mostra, mais as pessoas cuidam do que estão vestindo por dentro. Mas o período de maior venda é o Ano Novo, pela superstição da calcinha da sorte. Recentemente, a gente aprendeu que homens também usam cueca amarela. É a cor mais vendida. Ninguém quer sorte, amor ou saúde. Todo mundo quer é dinheiro.
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Por muitos anos, a modelo Gisele Bündchen foi a cara e o corpo da Hope. Ultimamente, a marca tem usado mais modelos com corpos reais. Quando decidiram mudar?
Quando a gente lançou a linha nude, em 2006, aquela que não tem costura, não marca na roupa, a gente contratou a Daniela Cicarelli, depois veio Juliana Paes, Deborah Secco, mulheres brasileiras com curvas. Depois veio uma parceria de nove anos com a Gisele.
Em 2017, abolimos o Photoshop. Foi até difícil convencer as modelos a deixarem celulites e estrias nas fotos. Em 2017, fizemos a primeira campanha com uma mulher trans, a Valentina Sampaio. Lideramos essa onda da diversidade na moda íntima no Brasil.
Outra coisa que ajuda nisso é o nosso projeto de influenciadoras. Temos cerca de 500 e queremos chegar a mil influenciadoras até o fim do ano. Isso traz diversidade porque não há padrão de corpo, de tom de pele, de cabelo. Tudo isso amarra a comunicação da marca.
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A Hope tem uma campanha de doação de calcinhas, o que ainda é um tabu. É um compromisso de sustentabilidade da marca?
Sabemos que a indústria têxtil é extremamente poluente. Essa preocupação traz muito valor para a marca. O ciclo de vida das calcinhas geralmente acaba nos aterros porque as pessoas jogam no lixo.
Fizemos pesquisas que mostraram que não há risco em doar calcinhas quando é feita a lavagem industrial, que aquece o tecido a certa temperatura, assim como ocorre com as toalhas de hotéis.E a roupa íntima é uma das principais necessidades das pessoas em situação de rua. Por isso, a gente usa a nossa rede de franquias como o nosso hub de coleta para essas peças, em qualquer cidade.
Na tragédia no Rio Grande do Sul, direcionamos toda essa arrecadação para lá. Doamos também peças novas, neste ano foram mais de 30 mil. Todo mundo quer fazer o bem, mas ainda há preconceito. Além de as pessoas terem receio pela questão higiênica, tem gente que não doa suas peças íntimas porque tem superstição de que “rouba” marido.