Desafiando o presidente Nicolás Maduro, a líder opositora María Corina Machado liderou neste sábado uma nova manifestação em Caracas contra o anúncio, feito pelas autoridades eleitorais, de que Maduro foi reeleito na votação de domingo passado. Os opositores, amparados por vários governos da região, acusam o regime de fraudar a votação, e declaram que o diplomata aposentado Edmundo González, que substituiu María Corina na disputa, foi o vencedor do pleito. González não participou da marcha. Maduro, em um protesto convocado por seus apoiadores, afirmou que não deixará que a oposição “tente usurpar” o governo.
Os chavistas também realizaram um ato em Petare, maior favela do país, em uma tentativa de medir forças com a oposição.
Às milhares de pessoas que compareceram à marcha opositora, no bairro de Las Mercedes, María Corina defendeu que seus aliados resistam às investidas do regime e prometeu “não sair das ruas”.
— A nossa luta transcende o político. Já vencemos a etapa eleitoral, agora vem uma nova etapa. Mas nunca fomos tão fortes como hoje, o regime nunca foi tão fraco como hoje — disse María Corina. — Todos sabíamos o que estávamos enfrentando. Eles são capazes de tudo, mas não podem contra a nossa organização.
Segundo os resultados anunciados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Maduro recebeu 6,4 milhões dos votos contra 5,3 milhões de González. A oposição, entretanto, alega ter cópia de mais de 80% das atas eleitoras — ainda não apresentadas pelo CNE — e diz que González Urrutia obteve 67% dos votos. Os documentos da oposição foram publicados na internet de forma independente, mas outras análises corroboram que González recebeu mais votos do que o presidente.
— Todos sabíamos que este processo era muito complexo, todos sabíamos os cenários colocados. Muitas pessoas nos disseram que era impossível provar fraude, mas o que demonstramos foi vitória — disse María Corina, fazendo ainda um apelo aos funcionários públicos e integrantes do governo para que se juntem à oposição. — Não vamos sair das ruas, não vamos sair da organização cidadã. Quero aproveitar este momento para falar com cada um dos funcionários que trabalham para o Estado, para o sistema judicial, para a polícia e Forças Armadas: olhem para suas mães, vocês têm responsabilidade com suas mães, com a História, vocês também farão parte da reconstrução.
Os manifestantes começaram a se concentrar na região central de Caracas horas antes do início do ato, e há relatos de que as forças de segurança tentaram dispersar o protesto, usando bombas de gás e de efeito moral. Segundo opositores, forças de segurança também tentaram pegar o carro onde María Corina discursaria. A imprensa local também divulgou rumores de que agentes estariam cercando a casa dela — ao longo da semana, autoridades do regime, incluindo Maduro, sinalizaram que poderiam prender lideranças contrárias ao governo.
No discurso, María Corina, que na quinta-feira disse estar escondida por temer pela própria vida, não se mostrou intimidada e pediu às pessoas para que “não caiam em provocações”.
— Não promovemos a violência e sair para protestar cívica e pacificamente não é violência. Não vamos abrir mão do nosso direito ao protesto cívico — disse a líder opositora.
Desde segunda-feira, quando começaram os protestos contra os resultados oficiais da eleição, mais de mil pessoas foram presas, incluindo lideranças da oposição, e ao menos 11 civis foram mortos, embora organizações de defesa dos direitos humanos afirmem que o número chega a 20.
— Maduro é ilegítimo. Não somos terroristas, lutamos pelo nosso país, pela liberdade. Peço a Maduro que ouça a voz dos nossos irmãos, por todos aqueles que morreram— disse Jezzy Ramos, um chef de cozinha que estava no protesto, à AFP.
No final da tarde, foi a vez dos chavistas se reunirem perto do Palácio de Miraflores, a sede do governo venezuelano. Em discurso, Maduro disse que foi organizada uma marcha de “oito quilômetros” para o evento de apoio ao que as autoridades eleitorais apontaram como sua reeleição. Ele voltou a levantar a acusação de que o sistema eleitoral foi alvo de uma tentativa de ciberataque, algo que especialistas dizem ser quase impossível, afirmou que muitos dos detidos nos protestos foram “treinados” no exterior e “não votaram”, e disse que María Corina estava à frente de uma tentativa de golpe.
— Não será aceito, com leis nacionais, que tentem usurpar novamente a presidência. —disse Maduro, confirmando que “patrulhas militares e policiais” continuarão nas ruas. — A Venezuela tem que defender seu direito à paz.
Sob pressão internacional, o CNE atualizou na sexta-feira os resultados da eleição da Venezuela e reafirmou Maduro como vencedor com base na contagem de 96,87% das atas. Elvis Amoroso, presidente do órgão eleitoral, atribuiu a demora na atualização dos resultados a “ataques informáticos massivos de várias partes do mundo” que “retardaram a transmissão das atas e o processo de divulgação dos resultados”.
Mas os números são amplamente constados. Uma contagem realizada pela agência americana Associated Press (AP) de 96% das atas eleitorais divulgadas pela oposição mostra que González recebeu quase meio milhão de votos a mais do que o CNE diz que Maduro obteve. A AP processou quase 24 mil imagens de atas eleitorais, o equivalente aos resultados de 79% das urnas. Cada folha continha contagens de votos cifrados em QR codes, que foram decodificados através de um programa. No total, foram analisados 10,26 milhões de votos.
Após a divulgação dos dados, o chanceler venezuelano, Yván Gil, descreveu a AP como um instrumento para “promover a desestabilização na região”.
Seguindo os Estados Unidos e o Peru, Equador, Panamá, Uruguai, Guatemala e Costa Rica reconheceram na sexta-feira a vitória de Edmundo González Urrutia nas eleições na Venezuela, das quais o presidente Nicolás Maduro foi proclamado ganhador em meio a denúncias de fraude da oposição, ampla condenação internacional e pedidos por mais transparência na divulgação dos resultados. Enquanto isso, Brasil, México e Colômbia tentam conter um efeito cascata na região: após conversas sobre a crise, os chanceleres dos três países cogitam ir a Caracas nos próximos dias para tentar negociar uma saída para a crise política do país.
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Os países querem que as negociações para um acordo pacífico sejam feitas diretamente com Maduro e González. Para que o diálogo avance, no entanto, a ideia é que a principal líder da oposição, María Corina Machado, não participe das discussões. A avaliação é que, inabilitada pela Justiça do país para disputar a eleição, em que era favorita, María Corina jamais seria recebida em uma mesa de negociações pelos chavistas.
Segundo fontes da diplomacia brasileira, caberá ao México fazer a aproximação para constituir a mesa de diálogo.